O Pesadelo escrita por carolynna


Capítulo 1
O Pesadelo


Notas iniciais do capítulo

Para Jéssica, sempre no meu coração



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Não é uma história bonita e muito menos com um final feliz. A morte não é fácil de encarar para ninguém muito menos para um inofensivo e inocente coração de uma criança. Quando somos crianças não compreendemos muito bem a morte, de facto, eu acredito que até agora ninguém a compreendeu totalmente. Quando se é apenas uma pequena criatura como era naquela altura tendemos a fantasiar algo que esconda a dor. Agora uns anos depois sofro com isso. Não me dei ao luxo de chorar no momento nem nos anos seguintes. Ela foi morar para outra cidade, repetia eu vezes sem conta. Hei de a procurar, pensava ainda à bem pouco tempo. E agora quando todos já esqueceram o seu nome, eu choro.

Aos poucos e poucos, a realidade foi-se desvanecendo e cerca de 4 anos depois do trágico acontecimento estava vez mais fundo na ilusão. Foi então que ouvi um alto e sofrido: ela morreu! Seguido de algumas risadas e de interrogações. Não sabia? Claro que sabia. Sabia-o desde sempre e continuava a procurá-la por aí.

- Não morreu nada, ela foi para o norte viver com o pai. -  Acabei por responder com um sorriso.

Ela insistiu em repetir o mesmo várias vezes. As palavras dela eram como um machado que destruía a frágil fechadura que escondia essa triste lembrança. Acabei por gritar-lhe qualquer coisa como "cala-te". Desde aí que esse tão secreto sítio na nossa mente, aquele sítio em que os psicólogos dos filmes falam, um tal recanto escondido onde guardamos as coisas demasiado dolorosas para enfrentar. Acredito que nesse espaço haverão muitas mais lembranças desse gênero que, felizmente, ainda não saltaram a vedação cá para fora.

Agora sofro com isso, penso nela todos os dias. Mas quem é ela afinal? Ela era, nada mais, nada menos, que a minha melhor amiga de infância. Aquela com quem eu podia falar, aquela que eu ajudava quando tinha problemas e com quem me ria horas e horas a fim. Lembro-me que ela era um ótima contadora de piadas, a maioria das anedotas que aprendi foram-me contadas por ela.

Ela não era perfeita e muito menos boa aluna. Mas algo me atraiu na sua maneira de ser. Conhecemo-nos na escola, primeiro ano. Vinda de uma família um tanto problemática, o que acabou por ser a sua desgraça, foi muitas vezes encorajada a não ser amiga dela. Mas não, eu não me importo com essas coisas, se é isto se é aquilo, quando é verdadeiro não precisa de ser perfeito. Apesar de tudo, ninguém teve a coragem de me atirar isso à cara depois da morte dela.

Soube que a irmã mais velha dela morreu; o pai estava separado da mãe; a mãe não pagava as contas de casa (para além de ser uma vadia); a avó era quem cuidava daquela gente toda. Talvez seja verdade ou talvez seja só eu que odeio a mãe dela. Tenho a certeza que tudo o que aconteceu foi por culpa dela.

Eu nunca fui muito social e sempre vi algumas dificuldades em fazer amigos, mas, tal como ela, eu sabia que o importante não era a quantidade mas sim o valor. Vivemos anos muito bem passados e não me arrependo disso.

Até ao dia em que ela foi embora, foi viver com o pai. A minha vida nunca mais foi a mesma. As pessoas da minha turma não me tratavam mal, mas afinal quem eram elas? Apenas colegas que eu mal conhecia. A solidão é algo com quem ninguém deveria ter que lidar, eu aprendi isso bastante cedo. Ela acabou por voltar.

Mas de repente deixou de aparecer nas aulas, não havia noticias. Soube que foi encontrada na casa de um homem qualquer amigo da mãe. E bem, é demasiado mais para descrever. Portugal inteiro assistiu à reportagem na televisão, da mesma maneira que eu recebi a notícia, tão impessoal e fria. Não se falou de outra coisa nos dias seguintes: a rapariga que tinha sido assassinada no Barreiro.

E foi assim que o surgiu o meu pesadelo. Jéssica, o seu nome.


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