Coma escrita por SophieG


Capítulo 9
Capítulo Oito




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Me observei no espelho, admirando com satisfação minha nova blusa dos Sex Pistols e checando se meu cabelo vermelho estava arrumado o suficiente. Sim, eu tinha pintado os cabelos de ruivo. Não sei por que, mas era um daqueles impulsos impossíveis de se ignorar. Ultimamente eu vinha tendo muito isso.

Axl pulou sobre a cama com um miado rouco, e eu me sentei ao seu lado para acariciá-lo. Mais uma coisa inexplicável era o fato de eu saber que o nome daquele gato era Axl Rose. Mas talvez fosse só porque eu sempre tive a intenção de ter um animal de estimação com o nome de algum cara de banda de rock que eu gostava, então decidi que não era tão estranho assim.

– Já está pronta, Cassie? – minha prima Nina adentrou o quarto, eufórica.

Eu e ela nunca tínhamos sido muito próximas antes do meu pequeno incidente. Mas dois meses depois de eu ter acordado do coma a amizade tinha crescido entre nós. E era bom eu contar com alguém tão animada, porque só ela mesmo é que conseguia me fazer sair de casa.

Ainda estava incomodada com a sensação de vazio que eu sentia na minha memória, mas as distrações que Nina proporcionava eram o suficiente pra me fazer sentir melhor.

– Sim, podemos ir – falei olhando pra Nina, vendo que ela usava uma camisa dos Beatles.

Meus olhos estavam fixos nas letras bordadas escritas “The Beatles” na blusa de minha prima, e eu me esforcei para lembrar qual memória aquilo me trazia. Mas eu não consegui nada, como sempre.

Essa era uma coisa que estava acontecendo bastante também, eu via, ouvia e sentia coisas que despertavam algum tipo de emoção estranha em mim. Era como uma lembrança querendo fluir, mas quanto mais eu tentava alcançá-la, mais ela escapava. Talvez eu estivesse louca. Talvez eu fosse louca.

– Tá tudo bem? – Nina perguntou, me olhando preocupada.

– Claro. Estou ótima – me levantei da cama e peguei minha bolsa. – Vamos?

A animação voltou instantaneamente ao rosto de Nina, e ela se aproximou saindo de braços dados comigo do quarto.

– Você tem que vê-lo, ele é um verdadeiro deus do sexo – ela tagarelava.

– Deus do sexo? – perguntei contendo o riso.

– Sim! Ele é sensual, prima, digo, muito sensual.

– E quem exatamente é ele?

– Eu o vi tocando numa banda em um bar um dia desses. Claro que prestei atenção ao nome da banda e pesquisei no facebook. E então descobri onde eles iriam fazer um novo show, e, voilá! – ela dizia feliz.

Balancei a cabeça negativamente e sorri. Eu queria, realmente, poder ser tão animada quanto Nina. Mas a verdade é que, depois de Paul, eu não pretendia me envolver mais com nenhum cara. Nenhum.

xxx

O lugar era agradável, eu tinha que admitir. Era um bar elegante, que exalava uma atmosfera dos anos 60. Nina e eu nos sentamos em uma mesa ao canto, um pouco escondida sob as luzes, mas com uma boa visão do palco. Nina queria poder observar sem ser pega no flagra, ela disse. Nos servimos de refrigerante – eu porque estava determinada a ficar longe do álcool, ela em solidariedade a mim – e esperamos até que o show começasse.

Não demorou muito, e logo estávamos curtindo algumas músicas clássicas do rock, já que era uma banda cover. Nina mantinha seus olhos vidrados no guitarrista. As pessoas gostavam, se balançavam no ritmo da música. Teve um momento de comoção quando o guitarrista – objeto de encantamento de Nina – pegou o microfone e disse:

– Essa é uma música que eu quero dedicar a uma amiga muito querida. Infelizmente, ela não está aqui, mas eu sei que ela ficaria feliz se estivesse. – ele disse com a voz rouca, antes que a banda iniciasse os primeiros acordes de Love Me Do. Era minha música preferida dos Beatles, eu teria gostado se um amigo a tivesse dedicado a mim.

Nina e o resto das meninas com menos de 25 anos no recinto suspiraram. Encarei o guitarrista, pensando em como ele me parecia familiar. Como a enfermeira Jane e o Dr. Will Adams. O que os três tinham em comum? Eu não poderia saber.

O momento alto da noite foi quando o guitarrista bonitinho percebeu a presença de Nina e lhe lançou um olhar de flerte, piscando em seguida. Acho que minha prima nunca foi tão feliz quanto naquele momento. Mas depois desse minuto de descontração, o guitarrista me viu também. Ele continuou com suas funções na banda – afinal, a música não pode parar – mas ele semicerrou os olhos e me encarou fixamente. Então, sua boca se abriu levemente em espanto.

– Nina, eu vou ao banheiro – falei me levantando, quebrando o contato visual com aquele garoto estranho.

– Quer que eu vá com você? – Nina perguntou, me olhando em expectativa. Eu sabia que ela queria que eu dissesse ‘não’.

– Não – eu disse, e ela respirou aliviada. – Eu já volto, pode continuar admirando a paisagem – falei rindo.

No banheiro, eu me apoiei na pia após ter jogado um pouco d’água sobre o rosto e me observei no espelho. O que estava acontecendo comigo? Por que, de repente, algumas coisas pareciam tão sem sentido?

Voltei pra mesa e a banda já tinha parado de tocar. Nina não estava por perto, com certeza foi atrás do guitarrista. Me sentei e bebi um pouco da minha coca-cola quando Nina apareceu agarrada ao braço de alguém.

– Cassie, esse é Daniel. Daniel, essa é minha prima Cassie – ela fez as apresentações com um largo sorriso no rosto.

Estendi a mão para Daniel, e quando olhei em seu rosto, ele tinha uma expressão estranha.

– Foi muito bom o show. Vocês tocam muito bem – elogiei, sem saber exatamente o que dizer.

Daniel continuava me encarando fixamente, com uma expressão que eu só poderia considerar como confusa, e demorou um pouco pra responder.

– Cassie. Você não se lembra de mim? – ele perguntou finalmente.

Naquele momento eu decidi que não estava louca. Ah, não. Eu estava mesmo era esquecida. Eu podia voltar ao hospital e dizer ao Dr. Adams que tinha algo de errado com a minha memória. Daniel era minha confirmação.

– Me desculpe, eu te conheço? – perguntei, agora me sentindo confusa.

Daniel abriu a boca pra responder, mas acabou se decidindo não dizer.

– Não. Acho que... te confundi com outra pessoa – ele balançou a cabeça indeciso.

Pronto. Agora eu já não estava mais tão certa se eu estava com algum problema ou não. Por que eu tinha que ficar nessa montanha russa de indecisão? Eu queria saber o que estava acontecendo!

Daniel não se dirigiu mais a mim depois daquilo. Mas eu senti seu olhar sobre mim o resto da noite. Eu queria mesmo era fugir do olhar dele. Eu não sabia por que, mas, ao ignorá-lo, sentia como se estivesse abandonando-o. Mas por que eu sentiria isso? Eu tinha acabado de conhecê-lo. Ou será que não? Droga de memória.


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