Coma escrita por SophieG


Capítulo 7
Capítulo Seis




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O sol estava quase se pondo. Abraçada aos joelhos, eu esperava pelo momento do dia que eu mais gostava, sentada num lugar do parque onde dava para ver a cidade se estendendo até o horizonte. Senti uma presença ao meu lado e nem precisei me virar para saber que era Erik.

– Que tal um jogo? – perguntei de repente.

– Um jogo?

– Sim. Hm... – pensei por um instante. – Uma banda?

– The Beatles – Erik respondeu sem hesitar.

– Boa escolha – sorri em concordância.

– Qual seria sua resposta? – ele quis saber.

– Sex Pistols.

– Também é uma boa escolha – ele riu fracamente. – Minha vez. Um lugar?

– Paris.

– A cidade dos apaixonados? – Erik perguntou, debochado.

– Qual seria sua resposta?

– Las Vegas.

– Não consigo nem imaginar por quê – falei ironicamente. – Uma bebida?

– Depois eu que sou bêbado... – ele parou pra pensar por um momento. – Vodka.

– Eu escolheria vinho – comentei com um suspiro.

– Você prefere os loiros, os ruivos ou os morenos? – ele atirou.

– Por que você quer saber das minhas preferências sobre homens? – me virei pra ele e lhe lancei um olhar confuso.

– Curiosidade – ele deu de ombros, como se não fosse grande coisa.

– Acho que prefiro morenos – sorri, sabendo que era aquilo que ele queria que eu respondesse.

– Eu prefiro as ruivas – Erik me lançou um olhar de flerte.

– Sempre quis pintar meu cabelo de vermelho mesmo – falei sinceramente, me arrependendo de ter dito. – Uma cor? – cortei o assunto.

– Vermelho – ele me olhou com um sorriso irônico nos lábios.

– Por que eu acho que já sabia a resposta? – balancei a cabeça, rindo.

– Qual a sua última lembrança? – ele perguntou.

Fiquei tensa por um instante. Eu não tinha a intenção de responder. Por que responderia? Eu vinha fugindo de perguntas desse tipo. Erik sabia que eu não ia responder. Mas, mesmo assim, me perguntou.

– Não, esquece. Não precisa responder essa – ele disse com um suspiro.

Abaixei a cabeça e encarei o chão. De algum modo, eu sentia que devia respondê-lo. Que era hora de contar a ele. Eu tinha que contar. Antes que as coisas fossem longe demais. Antes que eu e ele ficássemos cada vez mais próximos.

– Estrelas. A última coisa que eu vi foram estrelas – respondi depois de um tempo. Erik se voltou pra mim, mas eu não o encarei. – Paul, meu namorado, tinha me deixado. Eu fiquei mal. Achei que, sem ele, não valia a pena viver. Então eu...

– Você não precisa continuar se não quiser – ele disse gentilmente.

– Eu quero. Eu preciso – desabafei. – Peguei todos os comprimidos da casa. Procurei em todos os quartos e, quando achei que era o bastante, voltei pro meu. Tranquei a porta e me sentei na cama. Empurrei todos eles pra dentro da minha garganta e bebi um copo d’água. Então, fiquei observando as estrelas brilhantes que eu tinha pregado no teto do meu quarto. Até que elas desapareceram – falei sem emoção.
Era a primeira vez que eu falava sobre aquilo com alguém. Quase três anos de coma e eu não tinha compartilhado essa memória com nenhum dos espíritos que tinham passado por ali. Mas com Erik era diferente. Eu não sabia por que, mas ele me fazia querer falar sobre tudo. Inclusive sobre isso.

– Faz quase três anos. – complementei.

Erik ficou quieto. Eu não me virei para ver qual era a expressão de seu rosto. Não queria saber. Ele podia estar achando que eu era uma psicótica obcecada pelos meus namorados. Mas eu não era. Era apenas uma estúpida adolescente com o coração partido.

– Você acha que existe um céu e um inferno? – Erik falou vários minutos depois.

O pôr do sol finalmente se estendia a nossa frente e eu mantinha meus olhos fixos naquela bela paisagem. Continuava sem ter coragem para encarar Erik.

– Eu não sei. Mas, se existir, eu acho que irei para o inferno – falei baixo.

– Eu não acho isso. Você é boa. Eu sei disso – Erik disse, convicto.

Mais um silêncio constrangedor pairou entre nós. O sol estava quase se escondendo no horizonte quando Erik voltou a falar.

– O pôr do sol. Vai ser nossa hora de encontro – ele disse.

– O quê? – finalmente me virei para encará-lo.

Erik me olhava diferente. Não era um olhar acusador, mesmo depois do que eu tinha lhe contado.

– Um de nós vai acordar um dia. Eu quero me certificar de que nos encontraremos depois – Erik me olhava intensamente.

– Erik. Eu não vou acordar. Três anos. Você ainda não percebeu?

– Eu vou te esperar. Todos os dias, ao pôr do sol. Bem aqui, nesse lugar, neste parque. Todos os dias, até você voltar pra mim – ele ignorou completamente o que eu disse. – Estarei esperando por você. Sempre. – ele procurou minha mão e a segurou entre as suas.

xxx

As gotas de chuva batiam na janela. O dia estava cinza, talvez do mesmo modo como eu me sentia. Era duro encarar a realidade. Eu estava irremediavelmente apaixonada por Erik. Como havia acontecido? Eu não saberia responder. Nem eu mesma entendia. Durante um mês, desde que Erik havia chegado, eu quase podia dizer que me sentia viva. Pela primeira vez em três anos. Era irônico que, agora que estava morrendo, eu tinha encontrado um motivo para querer viver.

Saí para o terraço, ficando embaixo da chuva. Não sabia onde Erik estava. Não queria saber. Eu me sentia segura estando longe das sensações e ilusões que ele me trazia. Eu tinha que me afastar. Eu não podia ter esperanças. Eu estava desaparecendo. Estava morrendo.

A chuva caía e passava por mim, sem me tocar. Senti vontade de ter lágrimas, pra que eu pudesse chorar e deixar a chuva levá-las embora. Quem sabe minha dor iria embora junto...

– Dance comigo – o senti tocar o meu braço.

– Erik, não... – olhei em seus olhos e ele apenas segurou meu braço gentilmente.

– Você me deve essa dança – Erik me olhou.

Percebi que uma música tocava baixinho, vinda de algum lugar. Eu não sabia de onde, mas eu sabia que parecia significativa demais praquele momento.

Permiti que Erik enlaçasse seus braços ao meu redor e me puxasse pra junto dele.

– Você não se incomoda de estarmos dançando sob a chuva? – perguntei baixinho.

– Nem um pouco – ele deu um meio sorriso, tirando a franja do meu rosto e tocando levemente nas minhas bochechas.

Senti um arrepio involuntário. As sensações estavam mais fortes dessa vez.

– Tem certeza que você não é um anjo? – Erik perguntou. Me lembrei da primeira vez que nos vimos, que ele tinha mencionado algo assim.

– Não sou. Mas você é. Você veio pra me salvar, Erik – sorri com a lembrança.

– Me permite? – ele segurou meus braços com a intenção de colocá-los ao redor de seu pescoço.

– Sim – concordei, deixando que ele fizesse o que quisesse. Dessa vez eu não iria fugir.

Erik sorriu e passou meus braços em volta de seu pescoço. Nossos corpos começaram a se mover vagarosamente, mais lentos que o ritmo da música, mas não nos importávamos.

– Erik... eu não quero morrer – sussurrei.

– Você não vai – ele me garantiu, acariciando minha cintura com as mãos.

Eu quis acreditar nele. Oh Deus, como queria. Mas eu poderia? Eu deveria me permitir a ter alguma esperança?

Nossos olhos estavam o tempo todo em contato enquanto nos movíamos sincronizadamente.

– Você vai vir? – ele perguntou. – Vai vir me encontrar quando acordar?

– Você vai estar lá?

Sempre – ele respondeu sem hesitar.

– Então eu irei. Eu prometo – falei, desejando que pudesse cumprir aquela promessa mais do que qualquer coisa.

Ele parou de se mover e me olhou no fundo dos olhos. Eu diria que minha respiração tinha falhado naquele instante, mas eu não estava muito certa se podia dizer isso sendo um espírito. O que eu sei é que senti arrepios. Muitos deles. E tudo o que eu sabia era que os lábios de Erik estavam vindo de encontro aos meus. Fechei os olhos. Eu não iria fugir. Não. Nunca mais.

Eu não sabia o que estava acontecendo, mas antes que Erik pudesse colar seus lábios aos meus, eu senti um puxão. Algo estava me puxando pra longe.

– Erik – chamei, desesperada.

Não. Eu não podia ir. Não naquele instante. De todos os momentos, aquele seria o pior para que meu coração resolvesse parar de bater.

– O que foi? – ele abriu os olhos e me olhou assustado.

– Erik – falei outra vez, sentindo algo me puxar pra longe dele.

Erik tentou me alcançar, mas à medida que ele se aproximava, eu me afastava.

– Não! – ele gritou.

– Erik, eu não quero morrer. Não agora que te encontrei – implorei.

Mas não havia nada que ele ou eu pudéssemos fazer. Continuei sentindo meu espírito sendo puxado, enquanto via Erik seguindo em minha direção. Eu não tinha lágrimas, mas meu coração podia chorar. Ele estava chorando.

De um momento para o outro, eu estava no meu quarto, ao lado do meu corpo. Então, senti um puxão maior ainda e fechei os olhos.

No instante seguinte, comecei a ouvir vozes, várias vozes. Tentei abrir os olhos, mas eles pareciam pesados demais. Eu queria ver Erik. Precisava de Erik, agora mais do que nunca.

Tentei chamar por seu nome, mas a minha voz não saía. Eu não sabia se ele estava mais ali. Era tudo tão confuso.

Volte pra mim, volte pra mim Cassie – eu ouvi a voz dele soando ao longe.

Queria abrir os olhos e vê-lo uma última vez. Mas não consegui. Não consegui mais fazer nada.

Então tudo ficou escuro. A última imagem que eu tive foi a do sorriso de Erik. E a última coisa que eu ouvi foi a voz de Erik ecoando no fundo da minha mente.

– Eu vou esperar por você, Cassie. Sempre.


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