O Rei Das Trevas (0) escrita por Cdz 10


Capítulo 7
Uma sofrida batalha




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Capítulo 7: Uma sofrida batalha.

De longe, era, certamente, um ser vivo assustador, mas a apenas alguns poucos centímetros dos seus olhos, aquele grande brutamontes de nome Ryumann era capaz de causar muito mais do que o simples sentimento de medo dentro de cada um dos cinco Bours que estavam prestes a combatê-lo. Tinham saído do porto e percorrido todo o píer com velocidade e coragem, mas boa parte dela havia se esvaído no momento em que ficaram frente a frente com aquele Logru. Ele se erguia alto, imponente e vermelho, um verdadeiro monstro.

Mantinham as suas posturas de combate preparadas, com as pernas ligeiramente flexionadas e os braços devidamente posicionados, mas nenhum dos Bours ousou fazer um movimento sequer. Não era apenas o terror que os impedia de se mexer, mas também as palavras que Lark havia dito anteriormente. Ele é muito mais forte e rápido do que vocês podem imaginar, acreditem!

Luyul, Marrncifer, Juhs e Amn não sabiam como era o estilo de luta de Ryumann e mesmo o próprio Lark, o qual já o havia enfrentado, também não conhecia suas habilidades por completo, portanto, não estavam com a mínima segurança de atacarem às cegas. Aguardaram por alguns momentos, esperando que o Logru lançasse um primeiro ataque, mas ao invés disso, lançou uma expressão de estranhamento através daquele seu bruto rosto vermelho.

– Uma Bour feminina - disse lentamente, franzindo os olhos. - Não me recordava que havia uma Bour feminina dentre os foragidos.

Não tinham pensado neste fato. Os Logrus que os perseguiam os conheciam bem, afinal, tinham atacado a Morada, logo, era natural que aquele Comandante estranhasse a presença de uma Bour feminina dentre eles. Luyul e Marrncifer, bem como os demais, sentiram um grande medo por dentro e rapidamente se colocaram mais à frente do píer do porto, mas foi totalmente inútil. Ryumann já direcionava os seus olhos lá ao fundo, conseguindo avistar dois seres, um relativamente grande e um outro bem pequeno.

– Ah, então há mais de vocês lá - e soltou um pequeno risinho malicioso. - Creio que aqueles dois estão pensando que vão conseguir escapar com vida - e mais um riso, desta vez, mais alto, ecoou através de sua boca.

Os Bours se entreolharam por um rápido momento. Ficaram com medo do que o Comandante poderia fazer em seguida. Talvez avançasse com ferocidade, derrubando todos dali a fim de que pudesse ir apanhar Krink e Diell no porto... mas se fizesse isto, por outro lado, teria que deixar eles cinco para trás.

– Eles escaparão com vida - Luyul, por fim, tomou coragem e se colocou à frente dos demais - Não vai pôr estas suas mãos imundas neles, a menos que mate cada um de nós.

Ryumann cerrou ambos os punhos e atingiu de leve um ao outro.

– Muito bem, atitude louvável... mas acontece que já estou cansado desta missão de caçar Bours!

Sem mais nenhuma palavra, o grande ser vermelho avançou com força, tentando desferir um violento golpe com o seu imenso ombro direito. Por um rápido segundo, os Bours se assustaram com a velocidade dele, mas foram capazes de evitar o ataque com saltos para diferentes direções e, como consequência, no instante seguinte, os cinco já formavam um círculo ligeiramente torto em torno de Ryumann.

– Vamos agora! - Luyul sabia que não podiam esperar mais uma demonstração de como o Logru lutava. Era rápido, forte e agora tinham que atacar; se esperassem parados não demoraria muito até que fossem atingidos e se ferissem.

Amn e Luyul foram os primeiros a avançar, fazendo Ryumann se virar imediatamente na direção deles, quando os outros três investiram às suas costas.

Do porto, Krink observava atentamente o local onde a batalha começava a se desenvolver. Quando viu aquele início de movimentação, agarrou o choroso Diell com seus braços.

– Venha, eles já começaram! Temos que aproveitar esta chance - Krink não tinha como saber o destino que o combate tomaria, talvez fosse aquele o único momento no qual o Logru ficaria distraído, logo, tinham de partir imediatamente.

Diell ainda chorava bastante. Sabia exatamente o que era obrigado a fazer, mas não queria. Desejou fortemente estar ao lado de seus pais, mesmo que fosse trucidado por aquele monstro, não importava. Tudo o que queria era lutar ao lado daqueles que o criaram.

– Diell, venha! - Krink falou mais rispidamente e quando percebeu que o pequenino não ouviria nada do que ele dissesse, agarrou-o fortemente em volta do peitoral e o puxou com força, saltando em seguida para cima da canoa, que bamboleou nas águas.

Havia um pequeno volante acompanhado de uma alavanca ao lado, na parte da frente da canoa, e Krink se dirigiu rapidamente a ele após deixar Diell ajoelhado no meio do pequeno veículo. Deu uma forte puxada na alavanca e, no instante seguinte, os seis longos remos que brotavam do casco começaram a se mexer, impulsionando a canoa para frente, fazendo respingar algumas gotas de água.

No interior do pequeno casco, existiam mecanismos especiais, ativados quando a alavanca era puxada, e que eram responsáveis por fazer com que os remos se mexessem sozinhos, transformando-os em utensílios de extrema importância para a tarefa que os pescadores tinham que realizar. Com a canoa se movimentando lentamente e por conta própria, os pescadores então podiam se focar por completo na pesca, lançando iscas e anzóis nas águas e, por vezes, mergulhando a fim de que conseguissem alcançar uma profundidade relativamente maior, o que lhes permitia analisar se havia ali algum peixe ou não; tudo isso sem a necessidade de se preocupar em fazer a canoa se mexer.

O volante, por sua vez, tinha a simples função de mudar a direção da trajetória quando era necessário, sendo também importante pois impedia que a canoa ficasse sujeita à movimentação da água. Assim, quando algum peixe era avistado em um determinado local, bastava o pescador dar um rápido giro no volante para que começasse a seguir através de uma nova rota. Aquela canoa, portanto, era especial para pescadores e, no caso daqueles que habitavam o porto, eles mesmo a fabricavam, ainda que existissem construtores específicos que vendiam tal veículo em inúmeras feiras comerciais de diversas cidades.

Tanto Krink quanto Diell já haviam tido contato com alguns pescadores de Lunn, entretanto, jamais tinham andado em uma canoa como aquela até então e, no momento em que começaram a avançar por sobre as águas, o pequeno Bour parou de chorar devido à surpresa que o invadiu.

– Isto...- estava meio absorto, olhando na direção dos remos.

– Incrível, não acha? - Krink estava sorridente. Sentiu-se ligeiramente aliviado por perceber que a canoa estava funcionando de maneira perfeita. - É assim que os pescadores a usam, desta forma, não precisam se preocupar em guiar a canoa ao mesmo tempo em que pescam.

– Nunca tinha visto como funcionava - Diell comentou lentamente, ainda surpreso.

Os seis remos batiam com cada vez mais força na água, e avançavam mais e mais para frente. Foi como se um breve sonho fosse interrompido quando Diell percebeu que estavam se distanciando do Porto dos Pescadores à cada instante que se passava. Voltou a olhar na direção dos seus pais, mas, se mesmo antes era difícil ver como estava a batalha, agora era praticamente impossível. O porto ainda era visível, mas os seus pais, bem como os demais Bours e até mesmo o grandalhão ser avermelhado já tinham se transformado em pequeninos pontos irreconhecíveis.

A vontade de chorar tomou conta de si uma vez mais e Diell não fez a mínima força para se segurar. Abaixou a cabeça e as lágrimas voltaram a descer em abundância, umedecendo as suas bochechas. Krink se apiedou. Era duro ver o jovem naquele estado. Aproximou-se, ajoelhou-se ao seu lado e passou um braço em volta de seus ombros.

– Diell, por favor, não fique assim, os seus pais ficarão bem, confie neles. Assim que a nossa situação melhorar, estou certo de que eles voltarão a ficar ao seu lado.

– Eu confio - Diell rebateu, sendo interrompido por seus próprios soluços. Tinha plena confiança em seus pais, não era este o problema. - Mas acontece que aqueles Logrus são muito mais fortes, não é verdade? Todos vocês não apenas saíram muito feridos da Morada como também se amedrontaram quando aquele... aquela... aquela coisa apareceu no píer... e além disso, a minha mãe me contou tudo. Eles possuem habilidades de combate incríveis e seus equipamentos são muito melhores, mais desenvolvidos. Eu tenho confiança em meus pais, mas a realidade é esta... é muito improvável que os meus pais e os outros saiam vitoriosos, mesmo enfrentando apenas um único Logru.

Não existiam palavras que pudessem rebater aqueles argumentos, ou, se existiam, Krink não chegou nem perto de conseguir encontrá-las. Ficou impressionado por um rápido momento com o pequeno Diell. Era muito novo, mas com uma grande inteligência. Estava gostando dele cada vez mais.

– Eu entendo perfeitamente o seu ponto de vista, Diell - Krink começou com uma grande piedade na voz. - Mas, de qualquer maneira, não podemos fazer nada... apenas confiar que, mesmo sendo difícil, a habilidade de seus pais e dos demais será grande o suficiente para que consigam subjugar aquele Logru.

– Pode parecer loucura, mas agora eu queria estar lá com eles, mesmo que aquele monstro me destruísse, pelo menos eu estaria junto deles, pelo menos valeria à pena...

– Não diga isso, é claro que não valeria. Não se esqueça, Diell, que seus pais estão lá agora para permitir que você fique vivo. Não seja ingrato... e por favor, não fique mais pensando neste tipo de coisa, está bem? - Krink abraçou-o fortemente. Por um momento, pensou que o jovem Bour não faria nada, até que ele o abraçou também. - Acredite, eles voltarão. Certamente voltarão.

Diell fechou os olhos, mais lágrimas saíram e Krink também sentiu uma súbita vontade de chorar, mas de nada adiantaria, portanto, obrigou-se a ser forte e engoliu sua tristeza. Agora preocupava-se não mais apenas com os seus amigos que se confrontavam com o Logru, mas principalmente com o pequeno Diell. Tanta coisa já havia se abatido sobre ele... durante toda a vida fora obrigado a viver numa condição extremamente miserável e agora os seus pais corriam um sério risco de perder a vida. Gostaria muito de fazer algo para ajudar o jovem Bour, mas já estava fazendo tudo o que podia, portanto, limitou-se apenas a rezar enquanto a canoa avançava:

Não é justo que tantas coisas ruins como estas aconteçam a qualquer ser vivo que seja, e é menos justo ainda que aconteçam a ele, sendo tão novo e tão inocente. Raikus, por favor, seja bondoso e poupe a vida de seus pais, eu lhe imploro, não permita que Luyul e Marrncifer morram...

Tudo havia acontecido num espaço de tempo bastante curto. O gigante Ryumann conseguira se defender com bastante habilidade do soco de Luyul agarrando com força o seu punho, impedindo momentaneamente o Bour de continuar a fazer qualquer tipo de movimento. Desferira-lhe uma potente joelhada no centro de sua barriga e Luyul sentira como se todos os órgãos daquele parte do corpo fossem para as suas costas. Voara vários metros pelo ar, até cair com força sobre as gramíneas que recobriam o solo enquanto que Ryumann já se desviava do soco desferido por Amn com um ágil giro sobre o seu próprio eixo, revidando o ataque logo em seguida com uma feroz cotovelada, a qual, por sua vez, fez a longa estaca preta, que brotava de seu cotovelo, raspar com violência a bochecha esquerda do Bour, que passou de verde para amarela devido à quantidade de sangue que saíra do corte recém-feito.

Amn acabara caindo quase ao lado de Luyul, mas ainda faltavam inimigos que o Logru devia abater. Juhs, Lark e Marrncifer já estavam bem próximos, mas não tiveram tempo nem mesmo de tentarem algum tipo de ataque. Ryumann fizera mais um rápido giro com o auxílio de seus calcanhares e lançara dois socos nos abdomens de Lark e Juhs, os quais não apenas sentiram dor, mas também viram tudo rodar e um enjoo os abateu repentinamente. Marrncifer ficara assustada naquele curto momento, mas o Logru agira rapidamente uma vez mais. Apanhara-a pelo topo da cabeça com o a sua mão esquerda, erguera-a quase na altura de seu rosto e, sem nem pensar em um pingo de piedade por se tratar de um ser feminino, atingira-a com uma violenta cabeçada frontal, fazendo a testa da Bour sangrar abundantemente. Ela teria soltado um alto grito de dor se tivesse conseguido abrir a boca naquele instante, mas a tonteira fora mais forte, portanto, não pôde fazer nada a não ser cair quase que inconsciente no chão, ao lado de Juhs e Lark, que também acabavam de tombar.

Agora todos os cinco Bours estavam ali, caídos ao seu redor, com Luyul e Amn a um lado, Juhs, Lark e Marrncifer a outro, todos surpresos com a força daquele grande Logru.

– Frágeis - Ryumann disse, olhando lentamente para cada um deles e usando um tom de deboche. - Tão frágeis... - e uma risada ecoou.

Naquele momento, Luyul ficou bastante agradecido por Lark tê-los impedido de tentarem fugir ás pressas. Agora percebia que certamente Ryumann seria capaz de apanhá-los antes mesmo que a canoa começasse a se mover e, assim, Diell ficaria em sérios apuros.

Sua visão ainda estava um pouco turva e a barriga latejava no local onde havia recebido aquela joelhada, mas não iria se render, não tão fácil e rápido daquela maneira. Começou a se erguer devagar, primeiramente apoiando as mãos no solo e pressionando-as contra ele, mas Ryumann percebeu rapidamente e se aproximou. Luyul ergueu os seus olhos; agora estava coberto quase que totalmente pela grande sombra proveniente do brutamontes.

O Comandante novamente não fez o mínimo esforço para demonstrar alguma compaixão. Pisou com força sobre a cabeça de Luyul, fazendo o seu rosto afundar violentamente no solo. O sangue espirrou do nariz e um alto grito de dor ecoou, o qual entrou pelos ouvidos de Marrncifer. Reconheceu rapidamente a voz de seu companheiro.

– Luyul... - disse sem forças, erguendo a sua cabeça. Não via lá com bastante clareza e sua cabeça ainda doía e sangrava, mas foi capaz de identificar a cena que acontecia a apenas alguns metros. O brutal Logru esmagava a cabeça de seu amado com cada vez mais força. - Luyul... - sentiu vontade de gritar e chorar, mas mesmo que fizesse as duas coisas juntas, sabia que não adiantaria de nada. Fechou os olhos e se esforçou o máximo que pôde para ficar de pé. Focou-se na nuca do cruel Logru e avançou com o máximo de velocidade que foi capaz de alcançar.

Deve ter provocado um ruído consideravelmente grande com os seus passos, pois Ryumann virou-se rapidamente para ela, retirando o seu pé sobre a cabeça de Luyul, o qual ergueu o seu rosto rapidamente e viu Marrncifer agora bem próxima do inimigo.

– Não! - gritou desesperado, mas já era tarde demais.

Ryumann já movimentava habilmente a sua cabeça para esquerda, esquivando-se do que poderia ter sido um belo soco de Marrncifer caso o mesmo tivesse sido bem sucedido. O seu punho direito foi agarrado com força pela imensa palma da mão esquerda do Logru e a Bour foi erguida do chão mais uma vez, seu rosto ficando bem próximo do rosto nojento do Comandante.

Uma dor intensa começou a invadir todo o punho de Marrncifer, do qual começaram a sair inúmeras linhas de sangue amarelado que escorreram pelo antebraço. Fez o possível para segurar o grito, mas não conseguiu, era como se sua boca tivesse se aberto por vontade própria.

– Não! - o grito de Luyul se misturou ao dela. Tomou impulso e se levantou no mesmo instante em que Ryumann atingiu uma forte joelhada na barriga de Marrncifer, a qual voou vários metros pelo ar.

O Logru já se virara para Luyul e agora estava de frente para ele. O Bour começou a desferir rápidos socos e chutes, mas o grande ser vermelho não foi afetado por nenhum deles; desviou-se de cada um com extrema leveza e facilidade. Ryumann dera um pequeno passo para trás e lhe desferira mais um golpe na barriga, mas desta vez, um golpe mais doloroso e cruel: um soco potente, capaz de fazer o seu punho vermelho penetrar o interior do corpo do Bour, fazendo o sangue jorrar como uma verdadeira cachoeira, inundando o solo, transformando o verde das gramíneas e folhagens num amarelo de dor e sofrimento.

O gemido ecoou alto pelo ar ao mesmo tempo em que Marrncifer tombava com força há alguns metros. Juhs e Lark, que estavam caídos lado a lado, além de Amn, caído a um outro canto, se esforçaram para levantar e começaram a avançar na direção do oponente quando ouviram o grito do amigo.

– Como são persistentes - Ryumann murmurou numa voz tediosa. Retirou rapidamente o seu punho de dentro da barriga de Luyul, segurou-o pelos seus fios de cabelo preto e o atingiu com um forte soco no centro do rosto, fazendo-o voar para frente e se chocar de costas contra uma árvore próxima.

Luyul tombou de frente ao chão, quando então o Logru se preparou rapidamente para os três que vinham em sua direção e não teve dificuldades com eles também. Juhs, Lark e Amn nem tinham começado a atacar quando Ryumann saltou, erguendo-se a uns três metros no ar - ou próximo disso - e desferindo um majestoso chute rodado com o seu calcanhar direito na nuca de Juhs, um golpe da sola de seu pé esquerdo na testa de Lark e, desta vez com o peito do pé direito, um chute na bochecha esquerda e cortada de Amn, da qual espirrou ainda mais sangue. Momentaneamente, os três ficaram tontos e cambalearam, tentando se manter de pé, mas foi inútil. Tombaram lado a lado no momento seguinte, ficando relativamente próximos de Luyul e Marrncifer também.

Os gemidos agonizantes tomaram conta do lugar e o Comandante sentiu uma grande satisfação ao ouvi-los e também um grande orgulho por ter sido ele o responsável por causar toda aquela dor aos cinco. Seus olhos passaram lentamente de um em um.

– Foram ousados em me enfrentar, mas não achavam realmente que conseguiriam me derrubar, acharam? A nossa raça é naturalmente superior e sabem disso! Com sorte, podem derrubar um ou outro Logru menos habilidoso, como fizeram na Morada, mas não há comparação entre Logrus e... Bours!

Era verdade e os cinco Bours realmente sabiam, mas tinham prometido a si mesmos que dariam o seu melhor para que, pelo menos, conseguissem segurar o Logru ali e o impedissem de avançar ao porto a fim de que Krink e Diell fossem embora a salvo da Cidade de Lunn.

A visão de Luyul estava totalmente escura e mal conseguira ouvir as palavras que saíram da boca de Ryumann. Não tinha certeza se teria chances de se levantar mais uma vez e, mesmo que conseguisse ficar de pé, não conseguia nem mesmo se imaginar atingindo um golpe naquele monstro. Pensou em desistir, realmente aquele Logru era muito superior a qualquer ser vivo que já havia enfrentado em toda a sua vida e o seu corpo nem sequer estava nas melhores condições possíveis, pois estava enfraquecido devido aos combates que fora obrigado a encarar na Morada...

Desejou mergulhar naquela escuridão, mergulhar e parar de sentir a dor que tomava conta de quase todas as partes de seu corpo, mergulhar e nunca mais voltar... e viu uma pequena silhueta esbranquiçada ao longe, no meio de toda aquela escuridão. O que poderia ser? Ficou curioso para saber. Pensou que pudesse ser uma personificação da morte, o que significaria então que a batalha contra o Logru realmente estava perdida e ele já não estava mais na Dimensão de Luk e sim em outra dimensão qualquer, talvez uma dimensão na qual se vai logo depois que se morre...

A silhueta foi se tornando maior, como se estivesse viva e se aproximando dele cada vez mais. Começou a achá-la um tanto familiar e, quando finalmente reconheceu quem era, odiou a si mesmo por não ter sido capaz de reconhecer antes.

Nada poderia lhe ser mais gratificante e prazeroso num momento como aquele do que o largo e belo sorriso do seu filho Diell. Gostaria de correr para ele e abraçá-lo com força, pedir-lhe perdão por ter sido obrigado a abandoná-lo aos prantos com Krink, pedir-lhe perdão por ser tão fraco... mas não podia, não naquela escuridão sem fim.

Abriu os olhos repentinamente e aquele verde das folhagens tomou conta da visão de Luyul bem como o nauseante cheiro de sangue misturado com vegetação. À frente, vislumbrou pés vermelhos com unhas grandes e pontudas e, um pouco mais ao lado, estava um dos seus amigos, o qual não demorou para reconhecer como sendo Juhs. Não podia se render, não ainda; enquanto estivesse vivo, sentia-se obrigado a fazer um último esforço por seu precioso filho Diell.

– Juhs... - começou com o rosto bem próximo do solo num tom extremamente baixo, muito próximo do inaudível. - Pode me ouvir?

– Sim... - a resposta veio rápido, tão inaudível quanto.

– Enfrentá-lo de frente não adiantará, não importa se estamos em maior quantidade...

– E o que sugere que façamos? - Amn, que estava bem próximo de Juhs, entrou na conversa também.

– Creio que nenhum de nós esteja disposto a se entregar - Marrncifer foi a que falou.

– Estou querendo dizer que... temos de abordá-lo de uma maneira diferente. Estamos em maior número, somos capazes de fazer algo além de simplesmente atacá-los todos ao mesmo tempo.

Ryumann não escutava os murmúrios de seus inimigos e, aos seus olhos, os cinco pareciam estar totalmente imóveis.

– Não se levantarão novamente? Finalmente decidiram se entregar? Ou será que nem vivos estão mais?

Os Bours não se incomodaram com as palavras do Comandante e continuaram murmurando entre si.

– O que está querendo dizer... - Juhs estava finalmente entendendo.

– Sim - Luyul confirmou. - Precisamos armar algum tipo de estratégia para que possamos realizar um ataque surpresa.

– Pode ser que funcione - a voz de Amn soava animada. - Até agora ele não foi pego de surpresa em nenhum momento, em todas as vezes percebeu que atacaríamos. Se conseguirmos...

Ryumann começava a andar na direção deles e os cinco gelaram por dentro.

– Mas deve ser um ataque eficiente, porque se falharmos, o maldito não terá misericórdia conosco - Lark não parecia tão animado.

– Droga! - Luyul já era capaz de ver os grandes pés vermelhos se aproximando a cada instante. - Ele já está vindo, não há como planejarmos nada se não conseguirmos tempo suficiente...

– Vão embora daqui quando tiverem a chance - Juhs disse de uma vez e apressadamente.

Os demais não compreenderam as palavras do companheiro.

– O que... - Luyul começou, mas rapidamente foi interrompido.

– Ouviram o que eu disse! - e Juhs, surpreendentemente, começou a se levantar, ainda que com bastante dificuldade.

O restante dos Bours o olharam de relance. Agora Ryumann já estava a pouco centímetros deles e Juhs de pé diante dele.

Não sabia se estava fazendo o que realmente deveria fazer, mas decidiu apostar de qualquer maneira, por mais difícil que tivesse sido tomar uma decisão como aquela. Luyul e Marrncifer tinham um filho para cuidar, Lark já havia se confrontado com aquele Logru anteriormente, portanto, estava consideravelmente mais ferido do que os demais e Amn havia sido bastante útil com as ervas medicinais no momento de curar as feridas de Krink... e quanto a Juhs? Estava se sentindo um verdadeiro inútil até aquele momento, gostaria de ter uma participação mais significativa naquela missão, bem como os seus amigos.

Ryumann estava perplexo. Podia jurar que os cinco estavam mortos.

– Ora, parece que ao menos um de vocês conseguiu resistir, pelo que vejo - e o tom habitual de deboche tomou conta de cada uma de suas palavras.

– Eu vou fazer de tudo para derrotá-lo sozinho, Logru, acredite!

O Comandante abriu a sua boca e uma leve risada saiu dela. Não demorou muito até que ela se transformasse numa grande gargalhada e Juhs ficou feliz com aquilo.

– Patético!

– Veremos se sou mesmo patético, Logru! - e sem mais demora, Juhs flexionou as suas pernas e saltou com força, passando por cima da cabeça de Ryumann e pousando há quase cinco metros atrás dele. O Logru se virou rapidamente, ficando de frente para o Bour. - Usarei as minhas verdadeiras habilidades agora, afinal, acredito que já é tempo de este combate chegar ao fim.

Juhs avançou confiante e desferiu um forte soco no meio do rosto de Ryumann e, por um momento, ficou extremamente surpreso por ter conseguido atingi-lo. Era a primeira vez desde que tinham começado a se confrontar que um dos Bours conseguia, de fato, atingir o maldito Logru com um golpe.

Os seus amigos também se surpreenderam e Luyul lançou um rápido olhar para Amn - aquele que estava mais próximo. Os outros quatro Bours sabiam que, agora, só precisavam de uma breve oportunidade para escaparem daquele lugar.

– Como ousa... - Ryumann começou com um notável sentimento de fúria no tom - Como ousa me subestimar desta maneira, Bour insolente?! - foi um dos gritos mais ensurdecedores que Juhs já havia escutado em toda a sua vida.

O Bour nem mesmo teve tempo de pensar em desviar, pois não conseguiu ver o grande punho vermelho de Ryumann se aproximando. Só foi capaz de perceber o golpe quando aquela intensa dor tomou conta de toda a região do seu corpo desde o final do peitoral até o início da sua cintura. Foi arrastado um pouco para trás, com as solas dos seus pés deslizando fortemente sobre o chão e sentindo uma súbita vontade de vomitar, mas conseguiu manter-se de pé e lúcido. Aparentemente o Logru não havia sentido nada - ou, pelo menos, quase nada - do golpe que recebera no rosto momentos antes.

Juhs se esforçou para se recompor o mais rápido que pôde e assumiu uma postura defensiva, colocando os seus braços um tanto a frente do corpo no instante em que aquele grande punho vermelho já estava prestes a cair sobre ele mais uma vez.

– Vamos! - Amn foi aquele que murmurou.

Os demais acenaram e levantaram-se o mais rápido que conseguiram, tomando um extremo cuidado para que fossem silenciosos. Apenas algumas folhagens se mexeram e causaram alguns poucos ruídos, mas mesmo assim se apressaram e seguiram para trás de duas árvores que estavam mais juntas uma da outra, ambas há aproximadamente uns dez metros de onde Ryumann e Juhs se confrontavam.

Provavelmente se a maior das pedras caísse sobre os braços de Juhs, eles não teriam doído quanto doeram quando o soco de Ryumann se abateu sobre eles. O Bour quase caiu, mas conseguiu se equilibrar e se manteve de pé. Rapidamente lançou um pequeno salto para trás, se distanciando um pouco e em seguida pulou novamente, desta vez subindo cerca de um metro no ar, tentando desferir um chute com o seu pé direito no rosto do Logru, mas o golpe não teve o mínimo sucesso. Ryumann se desviou com um leve movimento para trás e agarrou aquela fina perna esverdeada com ambas as mãos. Juhs sentiu um intenso medo.

– Continua me subestimando - a expressão de fúria no rosto de Ryumann o deixava ainda mais ameaçador e aparentemente mais velho, pois parecia que as rugas se intensificavam. Subiu a sua mão direita até a altura do joelho de Juhs e manteve a esquerda na altura da canela, forçando ambos em direções opostas.

Por um momento, Juhs não conseguiu imaginar o que o seu oponente estava pretendendo fazer, mas quando a dor chegou como uma espada penetrante, acompanhada daquele leve estalo, finalmente foi capaz de compreender. Não queria ter gritado para que os seus amigos não ficassem preocupados, porém não foi capaz de se aguentar e aquela agonia de dor ecoou alta e desesperadora quando sua perna se quebrou de tal maneira que seu calcanhar chegou a tocar as suas costas.

Luyul rapidamente colocou a sua cabeça para fora e visualizou a cena. Estava um tanto longe para ver que Ryumann acabava de quebrar a perna de seu companheiro, mas conseguiu concluir rapidamente que alguma tortura estava se abatendo sobre ele.

– Não acredito!

Luyul sentiu uma grande vontade de correr até lá, atingir o Logru e obrigá-lo a soltar Juhs, mas Amn o puxou de volta rapidamente para trás da árvore antes que pudesse fazer qualquer coisa.

– Não vamos desperdiçar o esforço que Juhs está fazendo! - Amn falou determinado e concentrado. - Ele tem uma missão e nós temos a nossa! Ele está cumprindo a dele muito bem, portanto vamos cumprir a nossa com eficiência também! - e rapidamente voltaram a discutir a estratégia que pretendiam seguir.

O grito de dor de Juhs logo foi abafado pela sonora gargalhada de Ryumann.

– Perdoe-me! Perdoe-me por ter partido a sua preciosa perna! - o Logru debochou e mais uma alta risada ecoou. Largou Juhs ao chão como se estivesse segurando algum tipo de criatura nojenta e, em seguida, começou a pisar com violência sobre a sua perna quebrada. Lágrimas e mais lágrimas saíam dos olhos do Bour, o qual já quase não tinha forças nem para gritar. - Vocês realmente me irritaram com essa persistência, devo admitir que não desistem fácil! Portanto, decidi que vou lhe dar um prêmio, deixando que me demonstre o quão resistente à dor você é!

O Logru se abaixou, apanhou Juhs pela perna quebrada, ergueu-o acima de sua cabeça e começou a rodopiá-lo, descrevendo uma circunferência quase perfeita no ar.

Juhs, inicialmente, não conseguiu ver nada além de uma grande massa esverdeada que parecia passar em velocidade através dos seus olhos e teve certeza, depois de alguns instantes rodando, que colocaria tudo para fora, mas, por algum motivo, não vomitou absolutamente nada - talvez pelo fato de não ter comido nada desde que estivera batalhando na Morada. A massa verde foi lentamente desaparecendo, e sua visão ficando cada vez mais escura enquanto que aquela latejante dor em sua perna quebrada se tornava menos intensa bem como o enjoo. Ficou feliz em perceber que seu corpo estava perdendo a sensibilidade e ele morreria, ao menos, tendo sido útil para algo...

– Solte-o agora mesmo! - uma voz familiar soou para dentro dos seus ouvidos.

Juhs sentiu-se estranho e percebeu que não estava mais rodando. Sentiu vontade de abrir os olhos, mas não tentou, a tonteira que antes estava sumindo aos poucos, agora voltava a se fortalecer.

Ryumann acabava de se virar por completo a fim de encarar aquele que havia proferido tais palavras.

– Será que é surdo? Mandei soltá-lo! - desta vez, Luyul falou mais alto. Estava com um olhar frio, bem como os de Marrncifer, Lark e Amn.

– Seu precioso amigo está em minhas mãos agora! - Ryumann ficou um tanto surpreso em descobrir que os demais também estavam vivos, mas conseguiu disfarçar muito bem; não permitiu que tal espanto transparecesse em sua face. - Portanto, eu teria um pouco mais de cuidado na maneira como fala, Bour!

Estavam furiosos, mas os quatro Bours sabiam que o Comandante tinha razão. Nenhum deles pronunciou mais nada, porém mantiveram os seus olhos fixos em Ryumann, o qual soltou um pequeno riso malicioso.

– Está certo! Darei um fim a vocês primeiro e depois termino de cuidar deste imprestável, afinal, ele não pode mesmo fazer mais nada - e o Logru arremessou Juhs pelo ar, o qual sentiu o vento esvoaçando os seus curtos fios de cabelo escuro até que se chocou fortemente contra Lark, o que fez ambos caírem ao chão.

Lark se recompôs rapidamente e dirigiu o seu olhar para Juhs, especialmente para a sua perna e sentiu uma náusea muito forte invadindo-o. Tudo o que conseguiu ver foi uma mistura de carne, sangue e osso quebrado. Virou um pouco o rosto de seu companheiro, ao mesmo tempo em que os demais Bours desviaram os seus olhares de Ryumann para eles dois.

– Juhs - Lark começou - eu prometo que todo o seu esforço não terá sido em vão. Muito obrigado. - a visão de Juhs agora estava bastante turva, mas ele foi capaz de identificar um ser esverdeado acima de seus olhos e sentiu-se aliviado por saber que era um dos seus amigos.

Lark se levantou e voltou a ficar ao lado de Luyul, Amn e Marrncifer, ambos encarando o Comandante mais uma vez.

– Comovente! Posso imaginar a raiva que estão sentindo de mim por ter machucado o precioso amigo de vocês... por que não me atacam então? Venham se vingar, sei que estão morrendo de vontade disso.

– Continua tão confiante como sempre... - Amn afirmou com desdém.

Ryumann cruzou os braços.

– Se não vierem me atacar, estejam certo de que eu irei, Bours!

Os quatro se entreolharam por um rápido momento, mas nenhum deles se moveu.

– Está certo! Espero que estejam preparados! - Ryumann gritou, descruzando os braços e impulsionando o seu corpo para frente enquanto que os Bours rapidamente assumiram as suas costumeiras posturas de combate.


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