Ao Despertar escrita por httpsdiamandis


Capítulo 21
Possessão


Notas iniciais do capítulo

Depois de séculos, aqui está mais um capítulo e, posso falar? Esse é um dos melhores que já escrevi! Agora o bicho vai pegar de verdade em Ao Despertar, estou escrevendo a reta final, depois de quatro anos nesse sonho de bruxas, lobisomens e vampiros ♥
Pensei em escrever um spin off (se eu tiver tempo) da época dos Underworld e mais uma galera muito tempo antes de Sarah existir, como por exemplo, os dias de glória da Anne na França ou o inferno vivido pelo Nikolaos no começo da vida nova de vampiro dele, e ai, o que acham?



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—Onde é que você se meteu?! – tia Juliet gritou quando me viu na sola da sala de jantar.

            Todos os lugares, exceto um, de nossa mesa redonda de madeira estavam ocupados pelas seis pessoas mais improváveis de se reunirem em minha casa. Ao lado de tia Juliet, estava Susanne. A cadeira do outro lado de minha tia estava vazia, onde eu deveria estar. Ao lado da “Sarah Fantasma”, estava Elise, prima de Jessica. Ela deveria ser um dez,onze mais velha do que eu e me lembrava vagamente dela na festa de aniversário de doze anos de Jessica. Elise tinha um rosto quadrado e assimétrico, sobrancelhas arqueadas e cabelos cacheados castanho-escuros que davam destaque aos seus olhos amendoados. Eu estava perto o bastante para notar o volume em seu ventre, o local em que ela massageava com suas mãos tatuadas, o tal sinal de que ela era uma bruxa. Elise estava grávida e obviamente temendo pelo filho, a notar pelo jeito que olhava para mim. Era fácil se por no lugar dela. Como ter uma criança em um mundo tão caótico e obscuro como esse?

            Ao lado de Elise estava Taylor, mãe de Jessica, que agarrava a mão da filha por cima da mesa. A tatuagem delicada na mão das duas formava um padrão de duas luas que se complementavam –o que me fez imaginar se a minha e de minha mãe também não se complementaria desse jeito. Taylor se parecia muito com Jessica, a não ser por uns anos e quilos a mais. Ver aquela cena me fez desejar que minha mãe estivesse ali, me apoiando em meio toda aquela loucura de bruxaria.

            E finalmente, entre Jessica e Susanne, se encontrava Stacy. Seu cabelo loiro estava uma bagunça e os olhos vermelhos como quem havia chorado recentemente. Sem maquiagem, sem o olhar de desprezo, a única coisa que remetia a antiga Stacy eram as roupas de grife. Ela parecia uma garota assustada com o mundo, com o que sua vida se tornara, assim como eu. E assim, de uma hora para outra, um sentimento me invadiu. A empatia. Não importava se ela era ou não a responsável por eu ser um monstro por toda a eternidade. Nós estávamos no mesmo barco agora.

            Minha percepção da cena a minha volta milésimos de segundo. Me voltei a minha tia, que ainda esperava uma resposta. Passei a mão pelos meus cabelos, molhados da neve que começava a cair do lado de fora.

—Hm, é... A Hilary ligou dizendo que tinha brigado com o namorado e eu e Dave fomos ajudar. Tava uma loucura a casa dela. Mas consegui escapar. Me desculpe, eles precisavam de mim –menti.

Tia Juliet tomou um gole de vinho e cruzou os braços.

—Então, se você estava na casa da Hilary me poderia explicar como é que sua blusa está suja de terra, os jeans rasgados e nem vou comentar sobre seu cabelo –ela ergueu uma sobrancelha.

            Me olhei no espelho que ficava em cima do aparador. Droga, essa parecia com a aparência de alguém que andara por aí fugindo de lobisomens pela floresta. Olhei para tia Juliet, sorri envergonhada e dei de ombros. – Ahn...A Hilary estava realmente uma fera.

—Tá, vou fingir que engulo essa. Pelo amor de deus vai tomar um banho e trocar essa roupa. A sorte sua é que a visita acabou de chegar. E você me deve uma bela explicação depois que elas forem embora –tia Juliet disse, tentando me dar uma bronca. Sempre que ela fazia isso nós duas acabávamos caindo na risada, de modo que percebi que ela estava tentando segurar o riso.

            Dei meia volta e subi pelas escadas, ouvindo um “ahh, essas crianças, eu me lembro de quando...” vindo de Taylor.

Antes de ir para meu quarto, não hesitei em assaltar o quarto de Juliet, em busca dos materiais necessários para o feitiço e o Livro das Sombras dela, que continha o encantamento. Velas, um isqueiro, incenso, as benditas pedras, um saquinho de veludo para fazer o amuleto... Parecia estar tudo ali. Corri para meu quatro e coloquei tudo  na minha mochila do Harry Potter, rindo com a coincidência.

—É, acho que estou finalmente estou realizando meu sonho de fazer uma cena digna de Hogwarts –resmunguei enquanto tirava minha roupa e ligava o chuveiro.

            Dali, mesmo com o barulho da água eu conseguia ouvir tudo o que elas estavam dizendo no andar debaixo.

—...E então eu explodi todas as lâmpadas da casa... E-eu tive tanto medo de estar louca, de ser internada, eu não fazia ideia...- Stacy parecia alterada.

—Isso é normal, querida. A primeira manifestação dos meus poderes aconteceu no ginásio. Eu fiz um belo estrago do vestiário depois da aula de ginástica e fui apelidada de Carrie a estranha –escutei minha tia rindo, em uma tentativa de reconfortar Stacy.

            Fiquei ouvindo conversa alheia por mais algum tempo, enquanto me livrava da sujeira e do cheiro de David que se impregnara em mim. Stacy havia descoberto seus poderes na semana do meu acidente (talvez tenha descontado sua raiva em mim?), enquanto Jessica descobrira no mês em que eu desaparecera, e as duas só foram compartilhar as experiências uma a outra quando notaram as tatuagens de ambas numa festa do pijama na casa de Elizabeth. Com medo da popularidade despencar e acabarem as duas no “clube dos excluídos” (palavras dela), Stacy fez Jessica prometer segredo. Isso era tão típico dela.

—...E depois a Sarah apareceu e nós duas achamos que... –Jessica se interrompeu no meio da frase. Elas não eram idiotas de contarem que haviam me jogado de uma ponte.

—Acharam o que? Jessica... Vocês... Vocês tiveram algo a ver com o desaparecimento de Sarah? –Susanne perguntou. Eu podia sentir a tensão na voz dela.

            Me sequei ás pressas e coloquei as primeiras roupas que vi pela frente, ocupada em descer lá e fazê-las calar a boca.Se minha tia, Susanne, Elise e Taylor descobrissem que eu literalmente ressucitei, seria questão de tempo para deduzirem que eu era uma vampira. Talvez associassem isso ao massacre do Halloween.

—N-nós não... Er... Eu –Stacy tentou explicar.

            Corri para a sala de jantar, interrompendo o interrogatório.

—Então, o que foi que eu perdi? –perguntei, inocente, tomando o meu lugar entre Elise e Juliet. Cruzei as pernas na cadeira, notando que estava usando meias furadas.

—Querida, quero que me responda algo realmente sério. Seja sincera. Eu sei muito bem que Stacy, Jessica e os amigos dela costumavam fazer sua vida e a de Tessa um inferno. Eles... Tiveram algo a ver com o seu desaparecimento? –tia Juliet questionou. Ela estava virada para mim, com as mãos em meus braços, um sinal de que eu poderia confiar nela.

—Olha, nós fizemos... Uma brincadeira de mal gosto com a Sarah e depois... –Jessica interrompeu, tensa.

—Depois a Sarah... Acidentalmente... sumiu –Stacy completou.

            Todas ali presente, exceto eu, olharam com um misto de reprovação e surpresa para Jessica e Stacy.

—Vocês o que?! –Elise se alterou, falando pela primeira vez.

—Pessoal... O que passou passou, certo? –tentei amenizar o clima, apelando para minha persuasão de vampiro. –Eles tentaram me dar um susto e tudo acabou mal, mas está tudo bem,eu estou melhor do que nunca. Sério, relaxem.

            As mulheres trocaram um olhar esquisito enquanto eu, Jessica e Stacy não fazíamos ideia do que estava acontecendo.

—A ressurreição faz parte da profecia. Isso faz sentido. Eu mal posso acreditar. –tia Juliet sorriu para as amigas dela.

—Perai, o que? Que papo é esse? – perguntei, sentindo os pelos do meu braço se eriçarem.

—Bem... Há algo que nós só iríamos contar no final, mas... Olhe Sarah, você já sabe que você é a Escolhida de Aislin não sabe? Bem... Isso vem de uma lenda, e essa lenda é transmitida a nós por um poema, contado de mãe para filha, de geração em geração... –tia Juliet disse, parecendo orgulhosa de mim.

—Perai, a Sarah é o que??? –Stacy interrompeu, confusa. Jessica mantinha uma expressão parecida com a dela.

—Você se lembra sobre a história que eu te contei das três bruxas?- Susanne perguntou à sobrinha.

—Aquela da maluca que tá numa outra dimensão? Lembro, mas o que isso tem a ver? –Stacy balançou a cabeça.

—Bem... Há uma história de que de ciclos em ciclos surge uma bruxa com a energia das três linhagens, com o poder necessário para desfazer o que Aislin fez e tirar ela do exílio. É uma chance que os deuses dão para nós repararmos os erros dela. E Sarah é a tal bruxa. Você não vê as tatuagens dela? –Susanne explicou.

            Então Jessica e Stacy fizeram algo que nunca pensei presenciar. O olhar que nunca haviam me lançado em todos esses anos. Respeito e admiração.

—Elas ainda se lembram direitinho o que nós ensinamos, né ? –Taylor sorriu para Susanne.

—E aqui está o poema –tia Juliet (que eu nem notara deixar a mesa) apareceu, carregando um dos Livros das Sombras dela. Ela se sentou e o mostrou para mim. –Leia-o alto,querida.

            Fitei a todas presentes, hesitando. A apreensão era quase palpável. Pigarreei e comecei a ler o tal poema:

“O Sol, a Lua e as Estrelas hão de se curvar                                                                                      Somente a Escolhida pode restaurar                                                                                        A mudança dos ciclos, o caos no mundo a reinar                                                                       A Deusa Mãe está pelos seus filhos a chorar                                                                   Mas, como a alvorada que vem a cada novo dia                                                                               Com a ressurreição ela conquista o que queria                                                                       Filhos e filhas da terra, cabe a vós escolher                                                                                         Entre o bem e o mal, mas a verdade surge ao amanhecer                                                             Os que ao lado da verdade e do bem ficarão                                                                               Do eterno exilio se livrarão                                                                                          Mas àqueles que para o mal seus poderes reservar                                                          A Escolhida os irá eternamente amaldiçoar.”

            Meu coração batia tão forte que acho que todas ali poderiam ouvir, tendo a “super audição de vampiro” ou não. Permaneci estática, esperando alguém falar alguma coisa.

—Hm.... Que diabos isso quer dizer? Isso pra mim ta mais complicado do que geometria espacial – Stacy disse, com a testa franzida. Um risinho escapou de meus lábios e dos de Jessica,então a atmosfera pesada de desfez.

—Bem... A cada determinado período, uma bruxa especial surge, como vocês já sabem... A ressurreição acontece para confirmar o Chamado de Aislin. Sabe, há um tempo atrás muitas que acreditavam serem as escolhidas se suicidaram esperando voltar à vida, mas elas não elas não voltaram. Muitas vidas se esvaíram. Foi pura bagunça –Taylor explicou, se voltando para nós três. É claro que as outras deveriam estar cansadas da história, pois rapidamente conversas paralelas preencheram a sala de jantar. –Isso na verdade despistou os... Seres que procuravam a verdadeira Escolhida. Foi tempo suficiente para Sarah nascer e ter uma infância normal. Mas...

—Mas não foi assim tão normal –interrompi, com memórias vindo a tona. As memórias que Aislin me devolvera recentemente. –Acontece que Aislin andou me acompanhando durante um bom tempo, me dando o treinamento necessário para o que quer que eu vá fazer em um futuro próximo, sobre como usar meus poderes e controla-los, essas coisas. Eu achava que fosse só uma amiga imaginária, mas agora entendo. Essas informações foram perdidas na minha memória depois que meus pais morreram, mas há mais um menos uma semana atrás Aislin resolveu que eu precisava me lembrar. Desculpe a interrupção, achei que fosse um detalhe importante.

—Juliet, você sabia disso? –Taylor perguntou, erguendo as sobrancelhas.

As conversas paralelas cessaram.

—É claro que não, estou tão surpresa quanto vocês. Mas, bom, isso nos poupa de explicar muitas coisas para Sarah -minha tia passou um braço por minhas costas. Pra mim, parecia tão natural estar ali, jantando com bruxas, que quase me senti uma criança outra vez, onipresente nas reuniões do Coven dos meus pais.

—Continue mãe, estamos confusas –Jessica pediu a Taylor, falando por Stacy, que mantinha a cabeça apoiada nas mãos e os olhos atentos, como uma estudante aplicada.

—Bom... Logo eles começaram a perseguir Sarah... “Eles” significam vampiros, lobisomens e algumas bruxas e já explicarei o porquê. Os pais de Sarah tentaram fugir mudando de cidade em cidade, mas logo foram... encurralados por um grupo de bruxas que planejavam coisas ruins para Sarah. Está tudo bem, querida? Se quiser, posso parar – Taylor perguntou, notando que eu parecia apreensiva. Ouvir minha história sendo contada como se eu fosse uma lenda urbana era surreal.

—Está sim, elas precisam saber- tentei forçar um sorriso e dei a primeira garfada em meu jantar, que já esfriara.

—OK... Então, garotas, Sarah foi salva da mão dessas bruxas graças ao nosso Coven –Taylor sorriu para tia Juliet, Elise e Susanne. –Ela veio morar com Juliet e isso nos leva ao tempo presente.

—E o que essa galera quer com a Sarah? –Stacy perguntou, irritada. Era estranho, ela parecia quase... Protetora.

—Bom... Sarah tem poderes incríveis, e isso despertou a cobiça dos seres sobrenaturais. Vampiros e lobisomens existem e brigam há séculos, um tentando destruir o outro. Com o sacrifício de Sarah, os vampiros podem matar todos os lobisomens existentes, e são muitos. Ficariam surpresas ao saberem o quão próximos eles estão de vocês –ela obviamente falava de Mitchell –Quanto aos lobisomens, querem a mesma coisa, exterminar os vampiros e herdar seus poderes. É uma grande disputa. No meio disso estamos nós, bruxas. “Filhos e filhas da terra, cabe a vós escolher/Entre o bem e o mal, mas a verdade surge ao amanhecer”, basicamente, nos últimos anos, nós, bruxas, que por séculos formamos uma grande irmandade, nos dividimos. Há bruxas que  querem vingar Aislin e usar o poder de Sarah para dobrar a maldição do Sol e da Lua dos vampiros e lobisomens, de modo que ambas as espécies nunca mais poderão sair ao ar livre novamente. Há outras que querem libertar Aislin da outra dimensão para que ela possa fazer isso com as próprias mãos. E há nos, que só queremos proteger a identidade da Escolhida e lhe dar o livre arbítrio para que somente ela possa escolher de que lado ficar: O do Bem ou o do Mal.

            Fiquei boquiaberta.

—E-então... Basicamente, o mundo sobrenatural inteiro está me procurando.

—Basicamente. Mas fique tranquila, nenhum dos lados sabe que você é a Escolhida – Taylor me tranquilizou.

            Bem, ela estava errada. Os Hale sabiam e não demoraria muito para que os Underworld descobrissem.

—Ok, isso é demais para mim, com licença – me levantei e subi as escadas, rumo ao meu quarto.

—...Tenham paciência com ela, imaginem estarem passando por isso –ouvi a voz de tia Juliet vindo do térreo. Toda aquela crise deveria esperar, de modo que a coloquei no fundo da minha mente, junto com outras crises envolvendo meu triangulo amoroso e o “David Lobisomem”. Naquele momento, eu deveria ajudar Liam. Chequei o relógio no meu celular. Ainda não era nem nove horas.

—Sarah, podemos entrar?- Jessica perguntou, do outro lado. Bem, o meu plano só daria inicio na madrugada. Eu precisava fazer o tempo passar, embora estivesse furiosa com os Underworld, não deixaria Liam morrer.

            Corri para a porta e a abri, fazendo sinal para que as duas entrassem.

—Hm... Isso aqui realmente parece o quarto de uma bruxa –Stacy provocou, se sentando na poltrona perto da janela. Fechei a porta.

—Elas podem nos ouvir? –Jessica sussurrou para mim.

—Não. Somos bruxas, não os x-men –fechei a porta e me escorei nela,de braços cruzados. –Então, o que vocês querem?

—Nós temos muito sobre o que falar. Devemos desculpas, não é, Stacy ?–Jessica disse.

—É claro. Estamos todas juntas agora no meio dessa doideira toda, então o mínimo que precisamos fazer é nos acertar. Sente-se, bruxa malvada do oeste – Stacy caminhou em direção a cama.

            Me sentei, de frente para as duas. Nunca, em um milhão de anos, pensei que presenciaria aquela cena.

—Sarah, nos perdoe por tudo. Deve ter sido um inferno todos esses anos para você e Tessa ter que nos aturar. E... nem um milhão de palavras consegue reparar o que fizemos com você na ponte, quero dizer... ah, meu Deus... Nós estávamos bem chapados, eu lembro de pouca coisa daquela noite... –Stacy parecia nervosa, mas realmente arrependida. Ou isso, ou com medo de enfrentar a Escolhida de Aislin.

—Não sabemos quanto aos outros, mas nós duas realmente queremos nos aproximar de você porque... Agora pertencemos ao mesmo mundo. Sabe? bibidi bobidi boo e tudo mais. Devemos proteger umas as outras. –Jessica forçou um sorriso.

            As duas olharam para mim com expectativa.

—Na verdade,eu perdoei vocês no momento em que me dei conta que éramos iguais. Mas tem uma coisa. Não é só a mim que vocês devem desculpas. É a Tess também. –cruzei os braços.

—Nós sabemos disso. Sabemos mesmo. Você logo terá a prova disso –Stacy me lançou um sorriso. Fazia muito tempo que ela não sorria daquele jeito.

—Tudo bem, agora, me mostrem o que sabem–ergui a sobrancelha e flutuei no ar.

**********

            Foi como se tivéssemos doze anos de novo, comendo besteiras e escutando música.Exceto pelo detalhe de que estávamos praticando feitiços de um livro de mais de mil anos. Será que eu poderia confiar as duas os meus segredos? Olhei para Stacy,parecendo uma criança com os olhos brilhando enquanto fazia uma barreira protetora ao nosso redor e deixava todo o quarto de um belo tom de azul. Jessica brincava com cristais, fazendo-os flutuar. Elas haviam me contado tudo sobre suas experiências sobrenaturais nas ultimas horas e eu as ouvira de bom grado. Sim, eu podia confiar nelas.

            As duas não pareceram surpresas quando contei sobre os Underworld, os Hale, Liam, David e o fato de eu ser uma vampira. Na verdade, olhavam para mim como se assistissem a um seriado.

—É claro que não vamos contar, Sarah. Não somos retardadas. Hmm, vocês acham que eu ficaria bonita de franja? – Stacy se olhava no espelho, mexendo no cabelo sem parar.

—Na verdade, isso esclarece o fato de você ter ficado gata do dia pra noite e a aparição de tanta gente nova na cidade. –Jessica riu, dando cambalhotas no ar como se estivesse em gravidade zero. -Sabe, isso é mil vezes mais interessante do que ouvir as histórias da Liz traindo Mitch. E sim, Stacy, você ficaria legal de franja.

—Estou pensando em deixar o estilo Patricinhas de Bervely Hills para trás e entrar na onda hipster, sabe? Combina mais com a Stacy Bruxa - Stacy perambulava pelo meu quarto, analisando minhas roupas –Mas não do jeito mortiça da Sarah, quero dizer, olhem só pra essa blusa de renda preta! Eca!

—Ei! – Gritei, jogando um livro nela, que desviou antes que a atingisse.

            Nos três rimos e ouvimos batidas na porta. Susanne abriu, erguendo as sobrancelhas.

—Stay, é quase meia noite, acho que vocês já colocaram o papo em dia, certo? –ela não parecia surpresa ao encontrar Jessica flutuando pelo quarto.

—Hm...Claro, claro. Até amanhã, Sarah – Stacy piscou. –Jessica, desça do teto pelo amor de deus, pare de bancar o Peter Pan.

—Tchauzinho, Sarah –Jessica piscou e, suavemente, desceu ao chão.

            Eu as acompanhei até a porta, onde Taylor e Elise já se arrumavam para sair. Taylor tinha uma embalagem nas mãos, os restos do jantar embalados. Quem olhasse de longe diria que éramos pessoa normais. Nos despedimos com sorrisos e abraços, acenando quando os carros deixavam nossa rua. Fechei a porta devagar, percebendo um conflito que chegaria em 5, 4, 3, 2...

—Agora você vai me dizer onde é que estava, e o porquê de ter chegado naquele estado –Tia Juliet bloqueava a escada, de modo que eu não tinha escapatória.

—Eu já disse. Hilary e Tom brigaram. –menti, usando todo meu poder de persuasão.

Tia Juliet parecia tonta, mas meu pequeno truque incrivelmente não funcionou. –Eu não nasci ontem Sarah, me diga! Nós nunca tivemos uma briga de verdade, e realmente não quero que essa seja a primeira.

—Olha...Eu quero contar, mas não posso –suspirei, lembrando das mãos de David lentamente se transformando em patas enquanto eu as segurava.

—Tem a ver com David? –sua voz se tornou suave.

—O-o-oque?! Claro que não –minha voz subiu algumas oitavas, e desviei de seu olhar.

—Eu sei quando você está mentindo.

—Não posso te contar, tia, me desculpe pelo o que vou fazer agora... – fui mais rápida do que ela e consegui chega até as escadas.

—O garoto é um ser sobrenatural, não é? –parei no quinto degrau, congelada, ao ouvir tia Juliet.

—O... que?-me virei lentamente.

—Senti uma energia diferente em David hoje, que arrepiou o pelo dos meus braços, e então você chegou toda desarrumada e...A lua está cheia. Isso só pode significar uma coisa –ela chegou no mesmo degrau que eu e cruzou os braços.

—Eu não sei do que você está falando –sussurrei.

—Sim, você sabe. Ele é um lobisomem. Eu gosto muito de David, ele é um bom garoto mas... Assim que a mudança começar ele não será mais o mesmo, Sarah, eu sinto muito.

—O que quer dizer? –franzi a sobrancelha.

—Lobisomens novos costumam ser muito irritados, imprevisíveis, violentos... E se sentem naturalmente repelidos quando estão no mesmo ambiente que um bruxo ou bruxa, por sermos nós que... você sabe, a maldição e tudo mais. Temo que o namoro de vocês não será mais possível. Sinto muito, querida.

—Não! Eu não vou deixar isso acontecer! –dei as costas a ela e continuei subindo as escadas.

—Não irei proibir você de vê-lo, porque isso acontecerá naturalmente. São nossos instintos naturais.

            Fechei a porta com força e me deitei na cama, frustrada. Ouvi ela se abrir lentamente, e tia Juliet se sentou na cama, colocando a mão em meu ombro.

—Shhh, não se sinta assim, meu amor. Talvez vocês sejam uma exceção. Os opostos se atraem, não é mesmo? –ouvi um sorriso em sua voz. Ela se deitou ao meu lado e me abraçou.

            Então eu chorei em seus braços. Não só por David, mas por tudo. Eu me distanciara de Tessa. Haviam seres atrás de mim. Liam estava enlouquecendo e era uma questão de tempo até se suicidar. David estava em algum lugar da floresta, meu inimigo mortal. Minha vida era uma bagunça. Uma adolescente deveria se preocupar com a faculdade e namoro, não com isso. Eu só queria ser humana.

            Por fim o choro cessou, e eu disse para tia Juliet ir dormir em seu quarto. Ela me deu um abraço apertado e se retirou. Lavei meu rosto e olhei no relógio. Estava quase na hora.

***********

            Eu batia os pés insistentemente em uma pedra, no canto da estrada, no lugar onde marcara com Matthew. Ele estava atrasado. Será que algo dera errado?

            Então um carro surgiu ao longe. Alta velocidade, faróis desligados. Me escondi atrás de uma árvore, na margem da pista. O carro parou a alguns metros e se enfiou no meio das árvores. Fiquei olhando, em silêncio.

—Sarah? Sei que você está aqui.

—Matt? Droga. Quase me matou de susto –corri até onde o carro estava. –O plano deu certo?

—Se estou aqui, obviamente deu. Mas precisarei de uma bela desculpa para dar caso desse... feitiço do Liam durar muito tempo. Apesar de sonífero funcionar com vampiros, é um efeito muito rápido. Me ajude a tirar ele daqui –Matthew abriu a porta do carona. Liam estava preso por algemas incrivelmente grandes e dormia. Ele suava e murmurava, exatamente como da ultima vez. Tinha sangue em sua blusa.

—O que é isso? Ele se machucou? –perguntei enquanto nós o tirávamos do carro e levávamos uma Liam inconsciente até as ruínas.

—Liam tentou se matar  outra vez enquanto estávamos lá na floresta dando um jeito no seu namorado. Ele se soltou da cama, quebrou uma cadeira que havia no quarto e tentou enfiar os pedaços no próprio peito, mas foi detido. Ele só acabou machucando ainda mais o local onde a estaca amaldiçoada foi cravada. Ele acorda e desmaia toda hora, está puro delírio. Precisamos ir logo, ele não vai durar muito tempo.

—Tudo bem, tudo bem. Siga-me, Matt – começamos a correr pela floresta em meio a nevasca até o lugar em que Liam me trouxera em uma época que parecera acontecer há muito tempo, quando o sol estava a pino e os pássaros cantavam...

*Flashback On*

—Siga-me - ele deu um sorriso travesso e saiu correndo pela floresta.

Liam era incrivelmente rápido, mas eu era uma vampira também, e aquele era um jogo para dois. Corremos um do lado do outro, dois espectros na floresta. Então ele parou repentinamente.

—O que você acha? - ele deu um sorriso tão lindo que se eu fosse humana teria babado. Sério. Liam Underworld fazia o todos os garotos que eu já vi na vida parecerem feios, até mesmo...David.

Olhei para a frente e finalmente percebi do que ele estava falando.

Bem na nossa frente erguia-se um portão de ferro que, mesmo caindo aos pedaços era lindo. Trepadeiras e árvores centenárias se erguiam em volta do portão e do muro de pedra despedaçado, as folhas alaranjadas de outono faziam tudo parecer... Mágico.

Liam pulou uma parte do muro em que as pedras estavam mais quebradas, olhando para trás em seguida, esperando que eu o seguisse em meio a floresta. Obedientemente, fui atrás dele.

Assim que entrei no lugar, meus pelos do braço se arrepiaram. Era um lugar poderoso, eu podia sentir.

Segui Liam em silêncio pelo bosque. Haviam postes de vela aos pedaços e, por baixo das samambaias eu podia ver o que um dia fora a calçada de pedra de um pátio. Passamos por um coreto de madeira e então, a obra principal daquele lugar ofuscou tudo ao seu redor.

Uma mansão caindo aos pedaços se erguia em meio a árvores enormes. Não havia mais telhado e a maior parte da parede. As únicas coisas inteiras ali era a porta principal e uma escada monumental de algo que parecia mármore. A falta de paredes e os dois pinheiros centenários dos dois lados da mansão faziam com que ela parecesse uma casa de contos de fadas.

— É... Incrível. Como conhece esse lugar? - perguntei a Liam, maravilhada, enquanto minhas botas faziam barulho no chão de mármore branca e preta.

— Os Underworld e eu já moramos por essa região antes, na cidade vizinha no século XIX. Nossa casa já não existe mais, e essa era a mansão de uma... família, próxima de nós.

— Família? Um clã de vampiros também? - caminhei até as roseiras que cresciam nos fundos de um lugar que parecia uma cozinha.

— Não exatamente... Era de um... Coven de bruxos.

*Flashback Off*

            Nem parecia a mesma mansão em ruínas. A neve estava começando a se prender no chão, em meio às folhas mortas. Quando viemos aqui, a vegetação reluzia em um laranja lindo como um por do Sol. Agora, no meio da noite e no fim do outono, tudo parecia... Doente. Doente como Liam.

—Aqui, coloque-o de barriga para cima, - me ajoelhei no que restara do piso de mármore, minha intuição me guiando ao centro do que um dia fora um grande salão. Tirei as folhas e a sujeira com a mão do local e percebi, chocada, o padrão no piso. Me levantei e comecei a tirar as folhas com os pés de grande parte da área.

—O que você está fazendo? Só aquele pedaço já era o suficiente para colocarmos Liam e... Ah meu Deus... Já vi esse desenho antes.

            Sob mármore que outrora fora branca –agora coberta de lama e poeira –um grande desenho se formava em mármore negra. Três luas enormes. Crescente, cheia e minguante. Em volta dela, desenhos se espalhavam, e frases também. Eram os mesmos padrões que eu tinha por todo meu corpo.

—Ninguém pode saber desse lugar. Senão ficará bem óbvio o que você é –Matthew sussurrou, caminhando com cuidado, sem pisar nos desenhos, carregando Liam com um braço. –Se bem que acho que não demorará muito até que eles descubram, Sarah. Você não é alguém que passe despercebida, com essas tatuagens. E agora que descobriu seus poderes... É só uma questão de tempo.

—Eu sei, Matt. Não tenho ideia do que vou fazer... Mas hmm, agora vamos nos concentrar em Liam. Coloque-o aqui. – minha voz não era confiante. Matthew o colocou no centro do grande circulo, que de longe formava uma lua cheia.

—Não tem ideia do que está fazendo, não é mesmo? –ele levantou a sobrancelha, ajoelhado ao meu lado no circulo.

—Hm... Não. Mas tenho tudo que é necessário, e isso –tirei a tralha da bolsa e o Livro das Sombras. Abri na página do feitiço e mostrei para Matthew.

—Já morei com uma bruxa antes, posso te ajudar a iniciar isso, mas quem tem poderes aqui é você, então não poderei fazer muita coisa.

            E então começamos a trabalhar. Matthew purificou o lugar queimando uma erva esquisita, assim como o livro orientava, e eu comecei a me concentrar. Mas não fluía. Eu não tinha ideia do que estava fazendo, apesar de ter tudo o que precisava.

 Você precisa da minha ajuda.

            A voz já conhecida sussurrou em minha mente. Ah não, nem ferrando. O que essa doida quer dessa vez?

Eu curarei o vampiro através dos seus poderes, pois apesar de ter o poder e os materiais, você não tem a técnica. Em troca, me tirará daqui.

—Não! –gritei em voz alta.

—Sarah...você está bem? –Matthew olhou para mim com cara de interrogação.

            Tire este vampiro do círculo. Seremos apenas nós . Você ama o vampiro que aqui jaz, não ama? Não faria o que fosse preciso para salvá-lo?

Minha respiração falhou. Sim, eu faria. Mas que consequências isso teria? Para mim, para minha tia, para as pessoas de Richlands, para Jessica e Stacy, para os Hale e os Underworld... Para David?

            Fechei os olhos, tentando impedir as lágrimas de caírem.

—M-Matt... Fique fora do círculo –sussurrei.

            Pude ouvir passos hesitantes se afastarem de mim. Cruzei minhas pernas, ainda de olhos fechados.

            An-mhaith*...Boa garota... Agora, para que eu possa assumir o controle. Precisa repetir comigo....

—Dia dhuit*, Aisling.  Aislin do clã Tremaine, Deusa, Irmã, Amiga. Eu lhe rogo por ajuda. Troco meus serviços pela sua misericórdia. –repeti por entre soluços as palavras que ela sussurrava dentro da minha mente.

(N/A: An-mhaith = muito bom; Dia dhuit = obrigado)

            Cortei minha mão com um canivete            que tinha em minha bolsa, e deixei que escorresse no piso. O sangue começou a se espalhar como se tivesse vida própria, contornando a mármore e formando um círculo ao redor meu e de Liam, que delirava inconsciente, deitado com a cabeça em meu colo.

E então a atmosfera mudou.

Pude sentir uma força dentro de mim,maior do que tudo que eu experimentara. O circulo onde eu e Liam estávamos se tornou azul brilhante, iluminando tudo que estava em volta. O ar a minha volta parecia com o de uma tempestade. Eu me sentia poderosa. Eu me sentia uma Deusa.

—Sereis como os deuses –sussurrei, citando uma das frases que haviam em meu corpo.

            Um relâmpago ribombou no céu, e então, aos pés de Liam uma fumaça começou a mudar e formar uma silhueta. Mas a mulher que surgiu não era Aislin.

            Não posso sair da minha prisão, querida Sarah. Mas enviei uma Tremaine tão poderosa quanto você, e que deseja o bem do vampiro tanto quanto você.

—Sarah, que diab... –abri os olhos ao ouvir a voz de Matthew, que estava boquiaberto fora do círculo. 

            Ela parecia ainda mais incrível, em meio àquela nevoa. Seus cabelos loiros pareciam azuis por causa da luz que flutuava ao nosso redor. Seus olhos eram completamente brancos, como os de uma entidade e, seu vestido de aparência antiga flutuava á sua volta. Ela também estava translúcida e, ao caminhar até mim e a barra do vestido roçar em meu joelho, eu percebi que ela era transparente como um espírito. Suavemente, ela se sentou ao meu lado. Nós tínhamos a mesma altura.

Mary Ann Tremaine estava bem na minha frente.

 Ela deu um sorriso assustador e sua cabeça se aproximou lentamente da minha, e, então, Mary beijou suavemente meus lábios e senti a brisa suave da noite através de sua boca. Eu estava paralisada demais para desviar e, então, quando dei por mim, Mary Ann estava se desintegrando, virando névoa azul.

  A névoa azul estava entrando dentro de mim.

 E então, nossas almas se fundiram e eu desmaiei, sentindo toda a sua dor durante séculos do outro lado da vida.


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Notas finais do capítulo

e ai, quais são as expectativas de vcs pros capitulos finais?



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