História de Um Grande Amor escrita por Acyd-chan


Capítulo 2
Capítulo 2




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Endimion Chiba Bevelstoke, mais conhecido como Dariem pelos que não pretendiam desagradá-lo, era esperto e inteligente.

Lia latim e grego e seduzia mulheres em francês e italiano.

Cavalgando, acertava num alvo móvel e, em geral, bebia a quantidade exata sem abalar a própria dignidade.

Podia acertar um soco ou lutar esgrima com maestria, e fazia as duas coisas declamando Shakespeare ou Donne.

Em resumo, sabia tudo o que era imprescindível a um cavaleiro digno do título que possuía e destacava-se em todas as áreas. Era um homem admirado e respeitado.

Mas nada em sua vida privilegiada o havia preparado para aquele momento. Ele nunca sentira o peso de tantos olhares atentos como naquela hora em que jogava uma mão cheia de terra no caixão de sua esposa.

Sinto muito. Minhas condolências. Sentimos muitíssimo.

As palavras continuavam a ser repetidas em monocórdio.

Durante todo o tempo, Dariem só pensava que Deus poderia castigá-lo por não sentir nada.

Ah, Rei! Na verdade, teria de lhe agradecer, se pudesse.

Era preciso voltar ao princípio, à perda de sua reputação. Só o demônio poderia dizer quantas pessoas estavam cientes de que fora enganado. E por repetidas vezes.

O pior tinha sido o desmoronamento da ingenuidade. Era difícil lembrar, Mas já havia concedido à humanidade o benefício da dúvida. Já acreditara no melhor das pessoas. Se as tratasse com honra e respeito, receberia o mesmo em troca.

Em seguida, fora a ruína de sua alma.

Dariem recuou com as mãos apertadas às costas e escutou o sacerdote encomendar a alma de Rey a Deus. Admitiu que desejara o fato. Quisera se ver livre dela, por isso não prantearia.

-# Que lástima – alguém sussurrou às suas costas.

Dariem cerrou os dentes. Não se tratava de pesar, mas sim de uma farsa. E teria de passar um ano usando luto pela mulher com quem havia se casado, e que estava grávida de outro. Ela o havia enfeitiçado e provocado, até deixá-lo com a idéia fixa de possuí-la. Rei tinha dito que o amava sorria com inocência, quando o havia escutado declarar sua devoção.

Ela fora seu sonho e seu pesadelo. Havia perdido o bebê que os levara ao casamento. O pai tinha sido um conde italiano, ou pelo menos era o que ela dizia. Dariem se preparara para perdoá-la, pois, afinal, todos cometiam erros. Ele mesmo não havia tentado seduzi-la antes da noite de núpcias?

Rei não desejava seu amor, e Dariem nunca descobriu o que ela pretendia: poder ou satisfação de ter outro homem a seus pés.

Ele se perguntou o que ela sentira ao vê-lo sucumbir a seus encantos, quem sabe não foce alívio. Ela estava grávida de três meses quando se casaram. Não havia muito tempo a perder.

E ali estava ela. Ou melhor, ali jazia seu corpo.

Não importava. Dariem só lamentava que o corpo daquela mulher fosse descansar eternamente no sepulcro dos Bevelstoke. A lápide levaria o nome de sua família e, dali a cem anos, alguém olharia a inscrição no granito e pensaria em Rei como uma dama refinada, e na tragédia de uma morte prematura.

Dariem observou o sacerdote. Era um rapaz novo na comunidade, ainda convencido de que podia tornar o mundo um lugar melhor para se viver.

-# Cinzas às cinzas – o religioso falou e fitou quem deveria ser um viúvo consternado.

Ah, sim, ele deve estar falando comigo.

-# Ao pó voltarás.

Uma pessoa assoprou para Dariem.

-# E para a vida eterna – Continuou o sacerdote com um brilho intenso de simpatia nos olhos azuis - , na esperanças da Ressurreição.

O padre olhou para Dariem e estremeceu. Na certa não gostou do que via.

Depois do coro de améns, o serviço religioso terminou. A platéia fitou o sacerdote, Dariem e depois novamente o sacerdote, que apertava as mãos do viúvo.

-# Ela será lembrada com saudade.

-# Não por mim – Dariem respondeu.

Não acredito que ele tenha dito isso.

Serena olhou as palavras que acabava de escrever. Estava na página quarenta e dois do décimo terceiro diário. Mas aquela era a primeira vez, depois de nove anos, que não tinha idéia do que anotar. Mesmo nos dias enfadonhos, e a maioria deles era, conseguia uma idéia para começar, ora contando sobre as refeições, ora sobre algum encontro com as amigas.

Contudo, naquela altura, quando havia ocorrido um fato muito grave, nada encontrara para dizer, exceto:

Não acredito que ele tenha dito isso.

-# Tem de admitir, Serena - ela murmurou, observando a tinta secar na ponta da pena -, que jamais vai alcançar a fama como memorialista.

-# O que foi que disse?

Serena fechou o diário. Não havia percebido a entrada de Hotaru, que pisou suavemente no tapete e jogou-se na cama.

-# Não falei nada.

-# Que dia horrível! - exclamou a amiga com uma das mãos na testa e o olhar preso no teto.

Serena anuiu e virou a cadeira, ficando de frente para Hotaru.

-# Fico contente que esteja aqui – Hotaru confessou. - Obrigada por ter ficado para dormir.

-# Não há de quê. - Ela não pensaria em recusar o pedido da amiga.

-# O que está escrevendo?

Serena fitou o diário que protegia com as mãos espalmadas.

-# Nada.

-# Isso não pode ser verdade. - Intrigada pelo mistério, Hotaru sentou-se na cama e encarou a amiga.

-# Mas é, por mais triste que seja.

-# O que é triste?

Serena piscou. Hotaru sempre fazia perguntas óbvias que pediam respostas nunca evidentes.

-# Bem ......- Hesitou , não exatamente procurando ganhar tempo. Passou a mão na capa do diário como se as palavras pudessem brotar dali num passe de mágica. - Isto é tudo o que eu tenho e tudo o que eu sou.

-# Mas é um livro. - Hotaru fitou-a, desconfiada.

-# É o livro da minha vida.

-# E é a mim que as pessoas chamam de dramática!

-# Não estou dizendo que ele é a minha. - Serena impacientou-se. - Apenas que a contém. Venho escrevendo o que me acontece dia a dia, desde os dez anos de idade.

-# Tudo mesmo?

-# Tudo. - Serena pensou nos muitos dias em que anotava deste o que comera até outros detalhes minuciosos.

-# Eu jamais poderia escrever um diário – Hotaru comentou.

-# Não.

Hotaru rolou para o lado, apoiando a cabeça na mão.

-# Não precisava ter concordado tão depressa.

Serena limitou-se a sorrir e a outra deitou novamente.

-# Suponho que pretende escrever que sou uma pessoa dispersiva.

-# Já escrevi – ela respondeu com sinceridade.

-# Verdade?

-# Creio ter dito que uma das facetas da sua personalidade é entediar-se com facilidade.

-# Bem, isso é verdade – Hotaru concordou sem nenhum instante de reflexão.

Serena fitou a escrivaninha. A vela fazia um jogo de luz e sombra no mata-borrão. Sentiu cansaço, mas, infelizmente, não tinha a menor vontade de dormir, embora estivesse fatigada e inquieta.

-# Estou exausta. - Hotaru levantou-se.

A criada deixara as roupas de dormir aos pés da cama, e Serena, respeitosamente, virou a cabeça enquanto a amiga trocava de roupa.

-# Quanto tempo acha que Dariem permanecerá aqui no campo? - perguntou, tentando não morder a língua.

Odiava o fato de ainda conservar o desespero para vê-lo nem que fosse por alguns instantes. Quando Dariem se casara, ela havia sentado no banco da igreja e observado a maneira apaixonada com que ele fitava a esposa. Com idênticos amor e devoção que ela, Serena, dedicava a ele.

E mesmo depois de tantos anos, ela continuava a observar e a amá-lo. Tinha a impressão que assim seria até o fim da vida. Dariem fizera com que ela desenvolvesse o amor-próprio e certamente nem imaginava o benefício que lhe concedera. E muito menos que fosse apaixonada por ele.

-# Vai demorar muito para dormir? - Hotaru perguntou com a voz sonolenta e voltou a deitar-se, depois de vestir a camisola.

-# Não muito.....

Hotaru não conseguia adormecer com a proximidade da vela acessa. Serena viu a amiga virar-se de um lado para outro sem parar e admitiu que o “não muito” havia sido uma pequena mentira. Ainda com a mente em todo vapor, assoprou a vela.

-# Levarei isto para outro lugar – avisou, com o diário debaixo do braço.

-# Fico eternamente agradecida.

Serena vestiu um roupão e foi para o corredor. Prendeu o caderno com o queixo para soltar as mãos e amarrar a faixa na cintura. Estava acostumada a dormir com freqüência em Haverbreaks. Mesmo assim, não era adequado perambular pelos corredores da casa dos outros, vestindo traje de dormir.

Apenas os raios do luar que penetravam pelas janelas iluminavam a escuridão, mas ela poderia fazer de olhos fechados o trajeto do quarto até a biblioteca. Hotaru, que a criticava pelo excesso de idéias concomitantes, sempre adormecia antes e, por isso, ela saía com o diário para anotar os acontecimentos do dia. Na verdade, poderia ter pedido um quarto só para ela. Mas a mãe de Hotaru não acreditava em extravagâncias inúteis. Se podia aquecer um aposento, por que teria de acender a lareira de dois?

Serena não se importava. De fato, agradecia a companhia. Sua própria casa era muito silenciosa. A mãe, a quem adorava, morrera havia quase um ano e ela tinha ficado sozinha com o pai.

Imerso no sofrimento, ele tinha se refugiado nos preciosos manuscritos. Deixando a filha a valer-se por si mesma. Serena se voltara para os Bevelstoke em busca de amor, amizade e carinho, e foi recebida de braços abertos. Hotaru chegara a usar luto durante três semanas em honra de lady Cheever.

-# Se um dos meus primos tivesse morrido, eu seria forçada a fazer o mesmo – Hotaru tinha afirmado no funeral de lady Cheever. - E por certo, eu gostava de sua mãe muito mais do que aprecio qualquer um dos meus primos.

-# Não fale assim! - disse Serena comovida, embora devesse ficar chocada.

-# Por acaso conhece meus primos? - Hotaru revirou os olhos.

E Serena rira no funeral da própria mãe é, mais tarde, havia refletido que aquele tinha sido o presente mais precioso que a amiga poderia ter-lhe oferecido.

-# Eu te amo, Hotaru.

-# Eu sei disso. E também te amo. - Hotaru segurou a mão da amiga, endireitando os ombros. - Sem a sua amizade, eu teria me tornado um ser humano intolerável. Minha mãe afirma com freqüência que só não cometi ofensas irremediáveis por sua causa.

E com certeza teria sido esse o motivo pelo qual lady Rudland se havia oferecido para apadrinhar sua temporada em londres.

Depois de receber o convite o pai de Serena suspirara aliviado e rapidamente reuniu o capital necessário. Kenji Tsukino Cheever não era um homem rico, mas possuía fundos suficientes para cobrir as despesas de sua única filha em uma temporada em Londres. Na verdade, não tinha a paciência necessária nem interesse em acompanhá-la em eventos que considerava maçantes.

A estréia na vida social havia sido adiada por um ano. Serena não poderia comparecer a festas durante o período de luto por sua mão, e lady Rudland decidira que as duas poderia debutar juntas. Vinte anos ou dezenove seria a mesma coisa, ela anunciara. E era verdade.

Ninguém estava preocupado em arranjar um casamento maravilhoso para Hotaru. Era uma beldade, tinha personalidade vivaz, e como ela mesma costumava dizer, possuía um dote substancioso.

A morte de Rei, além de trágica, viera numa hora muito imprópria. Um novo período de luto teria de ser observado. Todavia Hotaru poderia abandonar o protocolo em seis semanas, pois Rei não era sua irmã verdadeira.

O atraso não seria grande e não poderia ser evitado.

Serena alegrou-se. A perspectiva da temporada londrina a apavorava. Não que se considerasse um pessoa tímida, mas não gostava de aglomerações e era terrível pensar em um grande numero de pessoas a observaria para criticá-la depois.

Infelizmente teria de enfrentar aquela situação que não a agradava, refletiu enquanto descia a escada. De qualquer forma, seria bem pior ficar enclausurada em Ambleside sem a companhia de Hotaro. Parou ao pé da escada, decidindo para onde ir. A sala de estar à esquerda tinha uma mesa melhor, mas a biblioteca era mais quente e a noite estava fria, Por outro lado......

O que era aquilo?

Serena inclinou-se e espiou o hall. Havia fogo aceso no gabinete de lorde Rudland, e era difícil imaginar quem estaria acordado àquela hora. Os Bevelstoke sempre se recolhiam cedo.

Serena caminhou pela passadeira sem fazer ruído e chegou até a porta aberta.

-# Oh!

Dariem virou-se na poltrona do pai.

-# Srta. Serena – ele falou sem mexer um músculo do corpo. - Quelle surprise.

Dariem não saberia dizer por que não estava surpreso de ver Serena Tsukino Cheever em pé na entrada do estúdio. Ao escutar passos no corredor, suspeitara que devia ser ela. Sua família dormia cedo e profundamente, e era quase inconcebível que um deles pudesse estar acordado, passeando pelos corredores em busca de uma refeição leve ou de algo para ler.

No entanto chegar à conclusão de que se trava de Serena não se devia a um simples processo de eliminação. Ela era uma observadora nata, que analisava os cenários com agudeza e atenção, e estava presente em todas as ocasiões. Dariem não se lembrava de quando a conhecera. Provavelmente havia sido no tempo em que ela ainda era levada pelas andadeiras. Serena era um acessório da casa sempre visível, mesmo em ocasiões nas quais a família deveria ter mais privacidade.

-# Vou embora - ela disse, à guisa de desculpas.

-# Não, não vá – Dariem falou, sem saber por quê.

Estaria cometendo uma maldade ao julgá-la? Havia quase esgotado a bebida de seu pai? Não desejava ficar sozinho?

-# Fique – ele pediu com um gesto largo, indicando que entrasse na sala. - Tome um drinque.

Serena arregalou os olhos.

-# Eu não posso beber.

-# Não pode?

-# Ao menos, não deveria – ela corrigiu-se e franziu o cenho.

Dariem gostou de vê-la irritada. Era bom saber que ainda podia provocar uma mulher, mesmo uma moça inexperiente como aquela.

-# Já que esta aqui, a senhorita poderia tomar um conhaque.

Serena permaneceu imóvel por um momento, hesitando. Depois deixou o pequeno livro sobre a mesa próxima da porta e adiantou-se.

-# Apenas uma dose.

-# Então conhece o seu limite?

-# Para ser mais exata, não sei qual é ele.

-# Muita sabedoria para alguém tão jovem – Dariem comentou em voz baixa.

-# Tenho dezenove anos – Serena explicou sem nenhum tom de desafio.

Ele arqueou uma sobrancelha.

-# Como eu disse......

-# Quando o senhor estava com dezenove anos......

O sorriso de Dariem foi ferino ao notar que Serena se calou.

-# Naquela época – ele entregou-lhe uma dose generosa de conhaque - , eu era um idiota.

Serviu-se de igual porção e tomou tudo num grande gole. Colocou o copo sobre a mesa com um ruído exagerado e recostou-se na poltrona, apoiando a cabeça nas mãos.

-# O mais certo seria dizer: como todos os jovens dessa idade – Declarou Serena.

Ele a fitou. Ela não tinha tocado na bebida, nem mesmo se sentado.

-# A presente companhia possivelmente deve ser excluída – Dariem a corrigiu.

-# Achei que conhaque fosse tomado naqueles cálices bojudos de boca mais estreita.

Ele notou que Serena se sentava afastada, mas não longe demais e sem desviar a vista. Estaria temendo uma agressão por parte dele?

-# Conhaque pode ser servido no que se tiver mais a mão. Como neste caso. - Ele levantou o copo, mas não achou necessário terminar a sentença e ocupou-se em servir outra dose para si mesmo.

Tornou a fitar Serena. Ela estava imóvel, de olhar fixo nele, Com expressão difícil de ser decifrada. Era impossível afirmar se o desaprovava, mas gostaria de ouvi-la dizer alguma coisa, mesmo que foce mais um comentário sobre formatos de cálices. Qual quer coisa que o fizesse esquecer que eram onze e meia da noite e que ainda faltavam trinta minutos para aquele maldito dia terminar.

-# Srta. Serena, o que achou do culto? - Desafiou-a com o olhar a dizer algo além das costumeiras trivialidades.

A surpresa foi a primeira emoção visível no rosto de Serena.

-# Está se referindo ao funeral?

-# Apenas ao serviço religioso – Dariem explicou com vivacidade.

-# Eu diria que foi interessante.

-# Ora, vamos, srta. Tsukino, sei que poderá falar mais do que isso.

Serena mordeu o lábio inferior. Dariem lembrou-se de que esse também era um costume de Rei, sempre que pretendia se fingir de inocente. E que havia parado com essa mania quando conseguira a tão sonhada aliança de casamento.

Serviu-se de mais um drinque.

-# O senhor não acha....

-# Não! - Não avia conhaque o suficiente no mundo para uma noite como aquela.

Serena inclinou-se para a frente, pegou o copo e tomou um pequeno gole.

-# Achei que o senhor se comportou de maneira esplêndida.

Dariem engasgou e tossiu, como se tomasse conhaque pela primeira vez.

-# Como é?

Ela sorriu.

-# É melhor beber goles menores.

Ele a fitou com o olhar faiscante.

-# É raro alguém falar honestamente a respeito da morte - Serena comentou. - Não tenho certeza de tomar o rumo adequado, mas... bem.... Rei não era uma pessoa maravilhosa, era?

Na aparência calma de Serena destacava-se o olhar atilado.

-# Srta. Tsukino, não sei por quê, mas me parece que está se expressando com um leve toque vingativo.

Ela deu de ombros e tomou outro pequeno gole de conhaque.

-# De maneira nenhuma – declarou, sabendo que não seria levada a sério. - Más sou boa observadora.

-# Não me diga! - Dariem ironizou.

Ele não imaginava por que o agradava tanto irritá-la. Inclinou-se para a frente só para ver se conseguia deixá-la constrangida.

-# Eu tenho reparado na senhorita há anos.

Mesmo na semi-obscuridade, Dariem notou que ela empalidecia.

-# E sabe o que percebi? - ele murmurou.

Serena entreabriu os lábios e meneou a cabeça.

-# A senhorita acompanha os meus movimentos o tempo inteiro.

Ela levantou-se com brusquidão e quase derrubou a poltrona.

-# Preciso ir. Não é certo eu ficar aqui e, além disso, já é tarde. Eu...

-# Ora, srta. Tsukino. - Dariem ficou em pé. - Não se preocupe. Eu a tenho visto observar todo mundo.

Ele segurou-a pelo braço. Serena estacou e não tentou desvencilhar-lhe.

Dariem não queria que ela foce embora. Não desejava ficar sozinho. Faltavam vinte minutos para meia noite e a intenção era deixá-la com uma raiva idêntica à que ele carregava havia anos.

-# Diga-me, srta. Tsukino. - Ergueu-lhe ligeiramente o queixo com a ponta dos dedos. - Já foi beijada?

Não seria nenhum exagero afirmar que Serena sonhara com aquele momento desde menina. E em suas fantasias, ela sempre sabia o que dizer. Mas a realidade era muito mais complexa, e deixou-a estática, encarando-o sem ar.

O engraçado era sempre ter imaginado que ficar sem respirar fosse uma metáfora.

-# Acho que não – ela respondeu, sentindo-se atordoada.

Deveria sair correndo, mas estava paralisada. Além do mais, o que mais desejava no mundo era ser beijada por Dariem. Ou, pelo menos, era o que imaginava desde os dez anos de idade, quando nem sabia o significado de um beijo.

Dariem beijou-a levemente nos lábios.

-# Adorável – ele murmurou e traçou uma linha de beijos sedutores pela face delicada até alcançar a linha do queixo.

Era como estar no paraíso, uma sensação totalmente diversa das que conhecia. De repente Serena foi invadida por uma estranha tensão que se enovelava, se expandia e era de compreensão ignorada. Ela permaneceu no mesmo lugar, deliciando-se com os beijos no rosto e nos lábios.

-# Abra a boca.

Ela obedeceu porque se tratava de Dariem e por ser o que sempre desejara. Sentiu a língua ávida, aventurando-se pelo interior de sua boca inocente. E no minuto seguinte foi puxada de encontro àquele corpo viril. As mãos grandes e os dedos exigentes ficaram muito mais ousados. Foi quando entendeu que havia algo errado. Aquela não era a carícia que sonhara durante anos. Estava claro que não era desejada, muito menos amada. Aliás, obscura também era a razão pela qual estava sendo beijada.

-# Beije-me – Dariem resmungou e pressionou os lábios de encontro aos dela com renovada insistência, ao senti-la recuar.

Ele estava sendo ríspido e agia com raiva. Pela primeira vez naquela noite, o medo abateu sobre Serena.

-# Não. - A negativa perdeu-se dentro da boca que a devorava.

Sem aviso, ou carinho preliminar, as mãos fortes desceram, apertando as curvas do corpo feminino, até alcançarem as nádegas firmes. Foi então quando ele atingiu o auge a ousadia ao pressioná-las, apertando-as contra seu membro enrijecido. Serena percebeu que estava no liminar do desejo e do medo, pois ao mesmo tempo que o desejava, temia estar sendo forçada a um ato sem amor.

-# Não – ela tornou a dizer e colocou as mãos entre ambos, empurrando-o com as palmas no peito. - Não!

Dariem se afastou abruptamente e sem a menor demonstração de pesar.

-# Serena Tsukino – ele murmurou -, quem é que vai saber o que houve?

Movida pela raiva e sentindo-se humilhada, ela deu-lhe um tapa no rosto.

Ele estreitou os olhos, mas nada disse.

-# Por que fez isso? - ela quis saber com voz firme, embora continuasse a tremer.

-# Eu quis beijá-la, ora. - Ele deu de ombros. - E por que não deveria fazê-lo?

-# Porque não. - Serena não conseguia demonstrar a indignação que sentia. - Nunca consedi esse privilégio ao senhor.

Uma gargalhada sonora ecoou na sala.

-# A senhorita desempenha muito bem o papel de dominadora.

-# Pare com isso! - Ela o detestava por falar de coisas que não entendia. - Por que me beijou? O senhor não me ama!

Serena enterrou as unhas na palma das mãos. Nem mesmo ela sabia de onde tirara coragem para enfrentá-lo daquela forma.

Dariem apenas sorriu.

-# Esqueci que a senhorita tem apenas dezenove anos e or isso é incapaz de entender que o amor nem sempre é um pré-requisito para um beijo.

-# O senhor nem ao menos gosta de mim.

-# Bobagem, claro que gosto. - Ele piscou, como se tentasse lembrá-la de quanto a conhecia. - Bem, certamente não desgosto.

-# Eu não sou a Rei – ela sussurrou.

Em uma fração de segundo, Dariem agarrou-a pelo braço com força.

-# Nunca mais mencione esse nome, entendeu?

Espantada, Serena percebeu a fúria cruel nos olhos dele.

-# Perdão. Agora, por favor, solte-me.

Ele não obedeceu. Continuou a segurá-la como se estivesse encarando a fantasma de Rei.

-# Por favor, está me machucando!

De repente Dariem percebeu o que estava fazendo e recuou.

-# Desculpe-me. - Olhou para o lado. Para a janela ou para o relógio? - Peço perdão por ter feito o que fiz.

Engolindo em seco, ela desejou dar-lhe outro tapa e ir embora. Mas era uma tola e não pôde conter as palavras:

-# Sinto muito por Rei ter feito a sua infelicidade.

-# Os boatos correm depressa, até mesmo nas salas de aula, não é? - ele perguntou, encarando-a.

-# Não ! Eu apenas fiquei com vontade de dizer isso.

-# Ah, é?

Serena mordeu o lábio, imaginando o que deveria dizer. Além dos boatos, ela mesma testemunhara várias ocorrências. A começar pelo brilho de paixão naqueles olhos no dia do casamento. Era como se o casal estivesse numa redoma que os isolava dos outros, e a ela só restava contentar-se em observar e sofrer calada.

Da outra vez em que o vira.... tudo havia mudado.

-# Srta. Tsukino... - Dariem insistiu.

Ela olhou para cima.

-# Qualquer pessoa que o conheceu antes do casamento poderia desconfiar da sua desdita.

-# Explique melhor. - O olhar ansioso a impedia de mentir.

-# Eu sempre o via rir e, quando isso acontecia, seus olhos cintilavam.

-# E agora?

-# Seu olhar é duro e frio.

Dariem fechou as pálpebras, deixando a impressão de estar sofrendo. Mas ao descerrá-las, fitou-a com olhar penetrante e um sorriso irônico. Em seguida, cruzou os braços e encostou-se numa estante.

-# Diga-me, srta. Tsukino, quando foi que se tornou tão perspicaz?

Serena engoliu o desapontamento, fora vencida de novo. Quando Dariem fechou os olhos, teve a impressão de que ele a escutara. Não exatamente as palavras, mas o seu significado.

-# Sempre fui assim. O senhor até comentou sobre isso quando eu era pequena.

-# Esse olhos azuis – Dariem riu sem vontade - , seguiam-me por toda parte. Sei muito bem que eu a agradava.

Como um homem podia ser tão cruel?

-# O senhor sempre foi muito bondoso para mim quando eu era criança.

-# Talvez fosse mesmo, mas isso já faz muito tempo.

-# Ninguém entende o fato mais do que eu.

Os dois ficaram em silêncio por algum tempo.

-# Vá embora. - A voz de Dariem ríspida e sofrida e ela obedeceu de imediato.

E naquela noite a página do diário ficou em branco.

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Bom gente tai mais um capítulo espero que gostem mandem sugestões....
Bom andei pensando em matar a Serena no final irias ser um belo final!!!!
Bom tem muito chão pela frente ainda más tudo depende da opinião de vocês...


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