Recomeçar escrita por Anny Taisho


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Dedicada a minha querida Re-chan que vive me dando spoilers das coisas maravilhosas que escreve!!! Kisskiss Re-chan!!!!



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Há muitos anos atrás uma garotinha com seu cachorro de estimação atravessou o reino com um objetivo: encontrar o pai. Entretanto, apesar dele ser a primeira pessoa que pequena avistou ao chegar à guilda, nunca teve coragem de lhe falar a verdade. O tempo passou e Cana acabou por tornar-se uma fada, um tanto solitária, mas ainda uma fada.

Aquela mesma garotinha que um dia chegou na Fairy Tail com um sonho, cresceu escondendo um segredo de todos e sempre olhando para o horizonte. Até que então uma pessoa parou, prestou atenção nela e lhe ofereceu uma bebida. Foi o inicio de dois vícios, o álcool e o fracasso amoroso.

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Conversavam no telhado da guilda, dividiam seus segredos e bebiam juntos, sendo que ela estava adquirindo uma resistência quase inumana para o álcool. Ele lhe contou que não gostava de ser lembrado como o neto do mestre e que sentia falta do pai, então foi que ela entendeu o motivo dele querer tanto ser forte. Em contrapartida, a garota lhe contou sobre o que a levou a guilda e sua frustação por nunca conseguir falar, sendo a vez dele entender porque ela sempre fitava o horizonte.

Algum tempo depois ela tinha quatorze para quinze anos e as coisas mudaram, o relacionamento mudou e mesmo com uma diferença de cinco, tornaram-se um casal. Obviamente que longe dos olhos de qualquer um, o relacionamento era um segredo.

Mas como tudo o que é bom dura pouco, as coisas começaram a mudar drasticamente, ele começou a mudar drasticamente. Não havia mais qualquer resquício do garoto doce da infância, ou do adolescente que queria ser grande por si mesmo, havia apenas um homem que ela não reconhecia mais.

E foi então que Cana Alberona e Laxus Dreyar tomaram rumos distantes.

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Não havia mais conversas no telhado da guilda, não havia mais compartilhamento de segredos, não havia mais o aconchego que seu abraço de lhe trazia. Não havia mais nada. E aquela era a segunda vez que ela não tinha mais nada. Naquele tempo, como a morena desejou contar ao pai para que tivesse um abraço para lhe consolar, mas nunca passou de um desejo porque a garota nunca contou.

Foi necessário muito álcool para consolar sua solidão e coração despedaçado...

Entretanto, aquele foi um golpe muito pior, porque sendo segredo, ela não podia chorar as vistas dos outros. Não era nenhuma novidade rir quando queria chorar, ou calar-se quando queria falar, mas isso assumiu um nível onde nem mesmo ela sabia qual era seu real estado. O coração foi descartado junto com algum barril vazio e amor próprio. Depois disso nunca mais voltou a sua cidade natal, como fazia pelo menos uma vez ao ano desde que passou a pegar missões, porque no fundo ela sabia que a mãe não teria orgulho do havia se tornado.

Perdeu-se num submundo de bebida e relacionamentos rápidos com homens mais velhos de preferência. Sendo que toda vez que Laxus voltava a guilda e nem sequer lhe cumprimentava com um aceno de cabeça, caia para um homem pior do que o anterior. Nenhum deles jamais seria como ele, mas pelo menos por alguns momentos se sentiria amada, mesmo que isso não passasse de uma ilusão cruel que não durava até próximo amanhecer.

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Em algum ponto onde já tinha se perdido completamente, quando achava que não havia mais nada dentro do peito, ele voltou com sua guarda-pessoal e atacou a guilda. Fez amigos lutarem contra amigos. Ordenou que as garotas fossem transformadas em pedra, incluindo ela, a garota que ele um dia tinha amado... Ou pelo menos gostado. Quase matou o homem que lhe criou com todo amor do mundo.

Tentou mata-los com a magia que deveria ser usada para proteger. Quando voltou ao normal e soube disso tudo descobriu que ainda tinha um coração, mas não por muito tempo, porque o coração que ainda estava ali, bem escondido para não se machucar mais, esfarelou-se. E enquanto corria pelas ruas de Magnólia ao lado de Juvia em busca daquele imbecil, uma retrospectiva de seu tempo com ele correu em sua mente.

E quando disse a maga azul que Laxus era uma pessoa que ela conhecia a muito tempo, sentiu-se mentirosa, porque não conhecia aquele homem. Nunca doeu tanto notar o quanto ele havia mudado, a Fairy Tail era o lar deles, o único lar que ELE havia conhecido... O que raios tinha de errado com aquele lugar que acolheu tantos outros órfãos como ele?

A batalha na Catedral Kardia findou-se e então sentiu a dor de imaginar que nunca mais o veria de novo. Só que nem teve de se afundar mais no lamaçal onde já estava atolada porque veio o exame classe S, seu último exame. Lucy prometeu que faria dela uma maga Classe S para que assim pudesse ficar, mas Cana sinceramente não acreditava nisso.

E quando teve a menor perspectiva de ganhar viu o quão monstruosa poderia ser deixando os amigos para trás, deixando Lucy para trás. Podia ser uma das pessoas que tinha mais tempo de guilda, mas com certeza tinha muito o que aprender com aquela loirinha que amava a Fairy Tail mais do que podia compreender.

Foram atacados vilmente, viram seus mundos desmoronarem diante dos olhos, chegaram perto da morte, mas tão perto que sua sensibilidade de Cartomante praticamente gritou que a morte suspirou em cima deles. E quando tudo parecia bem, quando finalmente conseguiu contar aquilo que estava lhe atrapalhando durante toda a vida, quando tudo parecia que melhoraria... As asas da morte se abriram sobre as fadas mais uma vez.

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Um rugido apagou suas existências durante sete anos.

E a última coisa que viu foi o rosto dele, desta vez sem estar trincado, ou com uma expressão dura... Era a expressão que ela conhecia, a expressão que ela amava... Ou melhor, amou, porque hoje Cana Alberona não podia mais amar.

Ironicamente, ao abrir os olhos para descobrir que sete anos haviam passado, foi uma cicatriz de raio e olhos cinza a primeira imagem que encontrou. Ouviu algo parecido com “você está bem?” antes de um abraço de urso de Gildarts lhe envolver. Não olhou para trás porque não queria encontrar novamente aquele homem, não importava mais se agora ele tinha voltado ao que era, afinal, ela já não era mais a mesma pessoa.

A dura realidade de sete anos ausentes só foi realmente bater quando tiveram que enfrentar uma guilda minúscula e a falta de respeito do resto do mundo. Mas como eram a Fairy Tail enfrentaram isso a sua própria maneira, entre festas, brigas e superação. Os jogos mágicos vieram e Cana realmente se surpreendeu ao ouvir da própria Mavis Vermelion que ela era forte e especial, duas coisas que jamais acreditou.

9999 foi o número marcado pelo medidor de magia que explodiu. A plateia e o apresentador foram ao delírio, ela sentia as boas vibrações ao seu redor e naquele momento pela primeira vez em muito tempo sentiu-se especial e até mesmo útil para sua guilda e só kami sabia o quão bem isso lhe fez.

Quando estava saindo para encontrar os amigos seu olhar bateu no camarote onde estava o time B e ela sentiu sobre si um olhar orgulhoso e um meio sorriso nos lábios. Sinceramente não acreditou quando sentiu o coração bater descompassado, afinal, tinha certeza absoluta de que ele já tinha caído fora a muito tempo, chacoalhou a cabeça, deveria ser só impressão.

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O Projeto Eclipse II foi um grande problema, novamente a Alberona se viu a beira da morte e como para ela aqueles sete anos não haviam passado era como quase morrer três vezes em quatro meses. Céus, por que aparentemente só ela estava emocionalmente exausta? Será que nenhum dos amigos se dava conta de que em um curto período de tempo haviam quase morrido TRÊS vezes? Talvez o fato de ser levemente sensitiva a deixava um pouco mais sensível a isso, mas Kami, Cana olhava para os lados e não via nenhum resquício de ninguém mais estar parecendo se dar conta disso.

A morena só conseguiu rir deixando as pessoas ao seu redor confusas. Mesmo doze anos após ter chegado ainda se surpreendia com aquele bando de loucos. Saiu de fininho deixando para trás uma das maiores festas de arromba que já tinha visto, digamos que juntar a Fairy Tail com as outras guildas para uma festa era sinônimo de bagunça elevada a décima potência.

Através da escada de incêndio do bar alugado chegou a laje do telhado, a cidade a noite era muito bonita. Entretanto, a morena não teve muito tempo de apreciar a vista, pois antes de chegar a metade da laje avistou uma figura escorada no parapeito ouvindo música em fones de ouvido com spikes.

Novamente o coração disparou, não sabia o que fazer. Então fez o que de melhor sempre fez na vida: fugir.

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Definitivamente, Laxus já estava ficando irritado com aquela situação. Ele esperava uma reação intempestiva, imaginou que ela talvez jogasse coisas nele ou gritasse, mas ficar fugindo daquela maneira era realmente muito pior do que todas aquelas coisas juntas.

Haviam voltado para antiga sede mesmo ainda estando sobre reforma e entre poeira e som de martelos e furadeiras Cana Alberona o ignorava descaradamente, evitando qualquer tipo de contato. Ela não ficava satisfeita enquanto não houvesse uma distância mínima entre os dois de dez ou quinze metros.

Era compreensível que ela ainda talvez guardasse um pouco de rancor, afinal, eles haviam tido toda uma história juntos e além de transformá-la em pedra, Fried havia machucado-a bastante, mas não parecia que havia raiva. Ela não deixava de falar tranquilamente com os Raijinshuus e não havia hostilidade para com ele, Cana apenas corria e se escondia.

Duas coisas que ela sempre fez muito bem.

O que ele não entendia era se aquilo queria dizer que ela não sentia mais nada ou se significava exatamente o contrário.

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Era final de noite no salão da guilda, quem ainda não estava inconsciente devido ao álcool, estava por causa de alguma briga. Mirajane estava atrás do balcão secando as últimas canecas da noite e Cana estava do outro lado do balcão bebendo tranquilamente uma caneca de cerveja. Ambas em silêncio.

- Cana... – Chamou a albina –

- Sim, Mira?

- Por que você vem evitando o Laxus?

- Nani? – os olhos violetas piscaram duas vezes –

- Por favor, Cana, eu passo o dia todo atrás desse balcão, se tem uma coisa que tenho conhecimento é das relações de vocês, e definitivamente, você tem evitado o Laxus como se ele fosse uma praga.

- É impressão sua, Mira, não interajo com ele porque não temos nada em comum. – disse bebendo um gole de sua bebida –

- Não, não é isso... O que eu não entendo é que aparentemente você não tem nada contra o Fried, o Bixlow ou a Evergreen. Na verdade, semana passada você até os ajudou a dar um porre no pobre do Fried... Se é mágoa pela Batalha da Fairy Tail, por que só com o Laxus?

- Eu não guardo mágoa nenhuma daquela idiotice, somos todos amigos, Mira... Pare de procurar chifre em cabeça de cavalo.

- Ele mudou, Cana, não há motivo para ser hostil. Eu sei que é difícil perdoar uma pessoa que nos agride, mas rancor não leva ninguém a lugar nenhum, se foi capaz de perdoar a tribo do trovão, por que não estender a gentileza ao Laxus também?

- Mas que droga, Mira, eu já disse que estou pouco me lixando pro Laxus! Eu não tenho droga nenhuma de problema com aquela idiotice! Só que isso não quer dizer que eu tenha que sentar para beber com ele!

- Cana...

- Eu já vou! Boa noite!

A morena saltou de seu banco e deu as costas a garçonete que suspirou. Com certeza ela tinha sim algum problema com o Dreyar, mas a Alberona era reservada demais com seus sentimentos para pedir ajuda a alguém. Os olhos azuis seguiram para o segundo piso onde havia um homem de camisa roxa escorado no parapeito e pelo olhar dele, tinha muito mais história escondida.

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Uma missão atrás da outra foi a solução que a mulher encontrou para escapar do olhar de Mirajane e de qualquer contato com Laxus. Naquele instante, estava sentada no telhado da guilda, da mesma maneira que fazia muitos anos atrás. Magnólia era linda a noite e as estrelas eram outro show a parte. Deitou-se contra as telhas e uma infinidade de memórias entraram em sua mente. Sua infância com a mãe era quase um borrão, seus dias na Fairy Tail muito cheios de cores e sons, o inicio da adolescência com Laxus e o restante negro da adolescência do qual não tinha o menor orgulho hoje.

Dizem que o fomos ontem ajuda a entender quem somos hoje, mas vendo quem era antes, a única conclusão possível de chegar é a que ela é uma grande vadia por escolha própria. Talvez a única diferença é que de uma vadia fraca, passou a ser uma vadia forte. Uma melhoria de qualquer modo.

Realmente não era uma filha que daria orgulho ao pai, mas bem, ele não tem muita moral para lhe julgar nesse sentido. Ouviu som de gente se aproximando, mas não achou que realmente alguma alma viva tivesse intenção vir para o lugar onde estava. E obviamente que a pessoa que se aproximou era a última pessoa com quem queria compartilhar algum tipo de proximidade.

Laxus Dreyar.

Se já não estivesse suficientemente alcoolizada, provavelmente sairia correndo, entretanto com aquele nível de álcool no sistema acabaria caindo e como se achava muito jovem para morrer resolveu apenas fingir que não o notava. Colocou um braço sobre os olhos e suspirou.

Sentiu-o sentando-se ao seu lado e ficando quieto durante algum tempo.

- Até quando vai ficar me ignorando?

Aquela foi realmente direta.

- Não sei do que está falando.

Foi tudo o que conseguiu responder no momento sem o risco de não parecer convincente.

- Eu te conheço a tempo demais para saber quando está mentindo. Ainda é por causa da batalha da Fairy Tail?

- Não, Laxus. Não tem nada a ver com aquela idiotice.

- Então por que toda vez que estou perto você desaparece pelo lado oposto?

- Não seja tão tendencioso, meu mundo não gira ao seu redor.

Mentira. Ele era muito mais importante no mundo da Alberona do que poderia imaginar. Não que ela fosse contar isso a alguém e principalmente a ele.

- Muito me surpreendeu que não tenha saído correndo quando notou que era eu.

- Viu, mais uma prova de que é coisa da sua cabeça.

Um meio sorriso formou-se na face masculina.

- Não, isso só prova que está alcoolizada demais para correr estando em cima de um telhado.

Touché.

- Dane-se, Laxus. Já faz tempo demais, esqueça qualquer que seja a idiotice que está pensando, hoje já não faz mais diferença.

Dito isso a mulher levantou-se tomando todo o cuidado que podia para ir embora. Não estava em condições de lidar com ele hoje, principalmente com o álcool tão diluído em seu sangue. Provavelmente terminaria falando besteiras. Já fazia tempo demais.

Um tempo em que era outra pessoa, onde as coisas eram mais simples e seu coração ainda estava inteiro.

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Nada como uma faxina de primavera para ajudar a recomeçar.

Cana tinha acordado com uma estranha disposição para limpar, e com certeza isso não acontecia com frequência. Sinceramente, essa coisa de faxina podia muito bem se estender para ela mesma. Uma nova vida, escapar da morte três vezes, com certeza queria dizer alguma coisa.

Até ali não podia dizer que era uma pessoa da qual se orgulhava, todavia isso não queria dizer que não podia mudar. Da mesma maneira que podia persistir no erro, podia sair do circulo vicioso. Já estava passando da hora de assumir as rédeas da própria vida.

Foram horas e horas de limpeza, arrastando móveis, jogando coisas fora, esfregando o que estava sujo, mudando as coisas de lugar. No final da tarde estava exausta, mas satisfeita consigo mesma. Sua casa parecia um outro lugar, e com certeza um lugar melhor. Tomou um banho demorado de banheira com muita espuma e uma garrafa de gim para acompanhar.

Completamente relaxada e ainda de roupão, fuçava em seu guarda-roupa, e terminou por achar algo que não procurava, uma caixa. Estava perdida debaixo de um monte de outras coisas que haviam sobrevivido à faxina. Sinceramente não lembrava do que havia ali, na verdade, nem lembrava daquela caixa. Deveria ter uns vinte centímetros de altura com o mesmo comprimento. Carregou-a até a cama onde sentou-se para abrir.

E qual não foi sua surpresa ao descobrir o que tinha ali.

Um sorriso triste pintou a face feminina, aquela era uma caixa de recordações. Estavam guardadas ali todas as lembranças de sua relação com Laxus. Logo depois de ter levado o fora que quebrou seu pobre coração, tinha juntado tudo que lhe ligava a ele e enfiado naquela caixa  jogado-a no fundo do guarda-roupa porque nunca conseguiu se desfazer.

A primeira coisa encontrada foi uma jaqueta de couro preta que com certeza não serviria no loiro hoje, era da fase em que ele ainda não era tão musculoso; achou um colar que havia ganhado no aniversário de quinze anos com pingente de raio, tão clichê... Havia também uma garrafa de gin vazia de uma tiragem especial que ele ganhou junto com o cachê de missão, com certeza uma das bebidas mais deliciosas e raras que já tinha provado, e oh céus estavam ali as pulseiras e braceletes que havia ganhado nos aniversários de 12, 13 e 14 anos dele.

Sem dizer a quantidade absurda de fotos que estavam ali. Passagens de trem das viagens que fizeram juntos já que sempre namoraram em cidades vizinhas. Os bilhetes que vieram junto com toda aquela horda de mimos. O cartão Call Laxus que nunca chegou a usar.

Tinha fotos ali da época em que chegou a guilda junto com seu cachorrinho, Macao, Wakaba e ele... Na verdade, tinha fotos de todas as idades até pouco antes dos dezessete anos em que Laxus sempre estava presente. Sem dizer as fotos que tiraram quando estavam em algum festival em alguma cidade próxima. Por Mavis, quantas centenas de lembranças uma simples caixa podia guardar?

Lágrimas começaram a escorrer, eram tantas de lembranças de uma época que era feliz. Mesmo sem contar ao pai de sua existência, ainda sim era tão feliz com sua amizade e namoro. Não sentia aquele vazio horrível no peito, nem a vontade de usar o álcool para afogar os problemas. Bem lá no fundo, debaixo até das fotos, encontrou uma caixinha preta com um par de alianças de prata. Nunca chegaram a usá-las.

Laxus ganhou a prata em forma de um colar num trabalho, um material raro, tinha traços de Etherano e podia absorver magia de seus portadores para guardar uma lembrança. Muito usada em tempos antigos nos casamentos entre magos, afinal, em períodos de guerra as vidas eram perdidas tão facilmente que a capacidade de guardar uma lembrança especial para sempre consolava os casais. Sorriu amarga, lembrava-se perfeitamente do dia em que ele as trouxe dizendo que era para usarem quando fossem assumir o relacionamento para toda a guilda.

Era um Hanami, estavam debaixo de uma sakura arco-íris e o loiro tinha voltado a pouco de uma missão que quase o matou. A essa altura não conseguia mais conter as lagrimas. Tantas lembranças! Tantas malditas lembranças de uma mentira! Nunca tinha chorado pelo fim daquele relacionamento. Chorou por sentir-se sozinha e abandonada, derramou incontáveis lágrimas de raiva e frustração, mas nunca pela relação que terminou com tão poucas palavras.

Logo depois de uma noite juntos, nessa época o relacionamento já não ia muito bem, Laxus andava muito agressivo com o mundo e com ela não estava sendo  exceção, a raijinshuu tinha acabado de formar no formato que conheciam. Naquela noite os toques foram ásperos e sem emoção nenhuma, quando terminaram simplesmente foi deixada sozinha na cama e sem nem lhe olhar o mago falou que estava acabado, não podiam mais ficar juntos porque tinha outros planos e  ela não se encaixava neles por ser fraca. Ficou tão chocada que nem conseguiu falar alguma coisa, levou dias para assimilar o acontecido. Foi meio como que ser rasgada em diversas partes, um pedaço de sua alma com certeza deixou de existir depois daquilo.

Por mais que tentasse negar, Laxus era uma parte tão importante de sua vida que quando foi abandonada algo se quebrou tão radicalmente dentro de si mesma que se quer conseguia reconhecer-se no final. Jogou todas aquelas coisas no chão e deitou na cama em posição fetal. Encolheu-se o máximo que podia, a sensação de estar quebrando voltou com força total. Estava se partindo novamente. Toda a dor que não sentiu naquela época agora estava ali.

Todas as lágrimas que não derramou estavam descendo.

Nunca havia chorado por ter perdido uma parte tão importante de si mesma, e agora, muitos anos depois estava sentindo o resto de seu coração doendo. Não tinha certeza de que poderia voltar a sorrir de novo. Tudo eram nuvens negras. Encolheu-se ainda mais cobrindo o rosto com o edredom, não queria ver a luz que vinha do dia de primavera. Sentia-se sombria e solitária, precisava de escuridão para combinar com seu estado de alma.

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Durante três dias, Cana mal saiu da cama para comer e banhar-se, seu mundo estava ruindo. Doía tanto que a dor chegava a ser física. Estava prestes a ficar doente quando alguém bateu em sua porta, no primeiro momento, apenas jogou um travesseiro sobre a cabeça. Não queria ver ninguém. Mas, feliz ou infelizmente a pessoa não desistiu e sua porta terminou desmantelada em cubinhos, coisa que só descobriu mais tarde.

- Cana, filhinha... Você está aqui?

Aquela voz... A morena jogou o travesseiro para o lado e quando ergueu o tronco viu a grande e robusta figura de seu pai na entrada de seu quarto com olhos de preocupação que só pioraram quando ele forçando a visão, pois estava escuro, viu os olhos vermelhos e inchados, o nariz vermelho e a expressão acabada de sua pequena.

- Pai? – disse um pouco confusa –

- O que está acontecendo? – em dois passos ele chegou perto da cama pisando em algumas das coisas que foram atiradas no chão – Por que está tão escuro aqui?

Sem pensar duas vezes puxou a cortina deixando a luz do sol  adentrar o recinto em todo seu esplendor quase cegando a pobre maga deprimida que instintivamente voltou a se encolher cobrindo o rosto.

- Feche isso, velho! Essa luz me da enxaqueca...

O mago crash não cedeu, deixou a cortina aberta. Sentou-se na beirada da cama e tirou com todo cuidado que conseguia o travesseiro visualizando melhor o estado de sua filha, definitivamente, ela estava horrível.

- O que foi, Cana? Faz três dias que cheguei e você não apareceu na guilda...

- Não foi nada! – mentiu ainda escolhida de olhos fechados –

O mago não sabia muito bem como lidar com aquilo, então resolveu agir como seus instintos mandaram agir. Usando uma das mãos tirou todo o cabelo castanho que estava sobre a face de sua pequena. Ela estava sofrendo por algum motivo.

- O que foi, filha? Te fizeram alguma coisa? Porque se alguém te fez alguma coisa eu vou matar, fazer picadinho, triturar de maneira dolorosa!

- Não me fizeram nada, pai... Pelo menos não agora, já faz muito tempo.

- Coração partido, filha?

O velho homem tinha experiência de vida suficiente para saber que poucas coisas derrubam tão fortemente um coração jovem quanto desilusões amorosas. Não se lembrava da filha tendo algum relacionamento, na verdade, tinha se certificado de assustar todos os marmanjos da guilda. E ela parecia estar sofrendo tanto...

- Não se pode partir o que não existe...

Na juventude as coisas são tão intensas que Gildarts sinceramente teve vontade rir, mas não porque achava engraçada a dor de sua pequena, e sim porque ela ainda estava começando a viver e já achava que não tinha um coração. Na Juventude tudo ocorre em rompantes, todos os sentidos são maximizados, coisas pequenas parecem ser o mundo e o futuro algo palpável.

Acreditava sim que ela estava muito machucada, entretanto, tinha a mais absoluta certeza de que o tempo curaria as feridas dela. Passou a mão pelos cabelos castanhos num gesto carinhoso para depois trazê-la para um abraço. Crianças precisam ser acolhidas e aconselhadas.

- Você é tão jovem, minha filha, calma...

- Mas está doendo tanto, parece que vou me partir!

- Não, não vai... Essas coisas passam...

- Já faz muito tempo e não passou... Feche a janela, por favor...

- Não, a janela vai ficar aberta, você precisa de luz do sol!

- Eu só quero ficar aqui até parar...

- Ficar sozinha no escuro não vai fazer nada mudar!

- Velhote, é sério... Obrigada por ter vindo, mas não quero sair daqui!

- Não vou deixar minha filhinha se afundando! Levante, Cana! Vamos fazer alguma coisa para te animar!

- Nem pensar, vou ficar por aqui mesmo!

- Você vai sim, Cana!!

O Clive pegou a filha no colo e de alguma maneira a jogou no ombro como se fosse um saco de batatas! A morena arregalou os olhos e se debateu inutilmente sendo devidamente ignorada. O pai a colocou no banheiro e foi taxativo fitando-a.

- Se arrume que vamos passar um dia juntos!

- E vamos fazer o que?  - arregalou a sobrancelha –

- Coisas que meninas gostam de fazer, compras e coisas assim! – disse –

- Isso é bizarro! Não vou fazer compras com você!

- Isso não é uma opção, eu disse que vamos e você vai! Obedeça seu pai!

A morena realmente tremeu na base e engoliu saliva, Gildarts era um homem tranquilo por natureza, só que quando se impunha, não tinha quem fosse contra. Deu um passo para trás e fechou a porta. O Clive suspirou, por alguns segundos achou que não conseguiria, e sinceramente não sabia o que fariam, mas precisava tirar a filha de casa. Ela precisava sair para o mundo e se situar novamente. Corações partidos só se curavam voltando a viver.

Sabia disso por experiência própria. Caminhou de volta ao quarto e fitou a caixa caída, não era como se estivesse invadindo a privacidade dela, as coisas estavam caídas no chão a vista de qualquer um que estivesse ali. Abaixou-se e pegou algumas fotos que foi o que achou que talvez lhe ajudasse a resolver aquela incógnita.

Surpreendeu-se ao ver que em todas havia a figura loira de Laxus. Não era preciso ser genial para saber que culpado por aquele estado terrível de sua menininha era aquele pirralho. Sempre gostou muito dele, particularmente, sabia que no fundo era um bom garoto e que só precisava de um tempo para achar seu lugar no mundo. Sinceramente nunca imaginou que tivessem tido um relacionamento até porque ninguém da guilda nunca comentou nada e o pessoal da Fairy Tail tinha tudo, menos discrição.

Passou a mão rapidamente pelas outras coisas vendo as pulseiras, braceletes, colar, jaqueta, bilhetes, passagens de trem. Uma infinidade de coisas que com certeza tinham todo significado para sua filhinha, teve que respirar profundamente para manter a calma e não sair dali naquele momento e dilacerar um certo Dreyar.

Aquelas coisas demonstravam que o relacionamento dos dois foi muito mais do que um amor de verão...

Concentre-se, Gildarts. Concentre-se.

O foco agora era ajudar Cana , bater em imbecis quebradores de coraçõezinhos podia esperar até que ela estivesse melhor. Afastou-se das coisas e se dirigiu para sala, onde alguns minutos depois a Alberona apareceu usando um jeans e uma camisa amarrada acima do umbigo e óculos escuros.

- Olha aqui, velhote... Só estou fazendo isso... Droga, nem sei porque estou fazendo isso!

- Apenas relaxe, e deixe o resto com o papai!

A morena só conseguiu rir.

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Aquele com certeza foi o dia mais bizarro da vida de Cana. O pai a levou para o centro da cidade onde acreditem se quiser, fizeram compras. Todas devidamente bancadas pelo papai urso. Ela bem que tentou pagar as próprias compras, mas Gildarts foi inflexível, segundo ele, havia um débito de anos com ela e que eram presentes. Se não aceitasse, ele ficaria muito chateado.

Mas o pior era nele tentando dar pitaco nas combinações junto com as vendedoras. A obrigou a experimentar todos os looks para que ele visse. Na loja de sapatos tinha que admitir que se soltou, comprou sem nem ponderar, e o velho parecia absurdamente feliz com isso. No final do dia estavam carregados de sacolas com todos os tipos de coisa.

Por fim, entraram no centro de estética, onde a jovem maga teve o tratamento de princesa com direito a massagem, cabelo, unha, tudo o que se podia pensar! Quando estava indo para a área reservada riu sinceramente do pai se acomodando na recepção junto com todas as sacolas e pegando uma revista que era provavelmente de fofocas para ler. O lugar tinha uma pegada muito cor de rosa e Gildarts não se encaixava.

Só que ainda não tinha terminado. Quando sua massagem terminou e foi direcionada para o corte de cabelo encontrou seu pai sentado em uma das cadeiras rosa, com um avental de zebra rosa em volta do pescoço, com uma toca de cabelo rosa de bolinhas e estava conversando animadamente com uma mulher muito bonita de meia idade que estava na cadeira do lado fazendo o cabelo.

Seu pai estava flertando em um salão de beleza, enquanto usava uma vestimenta inusitada e aparentemente tinha feito amizade com todas as esteticistas. Tudo o que conseguiu foi ter uma crise de riso. Sério, por mais deprimida e baixo-astral que estivesse, não tinha como não rir.

- Yo, filhinha!!! – ele acenou e se levantou – Nossa, parece até mais bonita! – a abraçou de lado e deu um beijo no topo da testa – Elena essa aqui é minha filha de quem estava te falando, ela não é linda?

Céus, coisas assim só aconteciam  com ela.

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Gildarts deixou a filha em casa depois de um jantar e quando teve certeza de que ela estava melhor. A fez prometer que iria a guilda no outro dia. Seguiu seu rumo a passos firmes para a Fairy Tail, com cabelos hidratados e esvoaçantes, precisava acertar umas coisinhas com um certo maguinho pirralho.

Era a função de um pai proteger a honra e o coração da filha.

Entrou pelas portas duplas e visualizou sua vitima bebendo com os amigos. Pobre criatura que não sabia o que lhe esperava. Laxus notou a aproximação sombria do velho Clive e ergueu uma sobrancelha, seus instintos lhe avisaram que algo de ruim estava para acontecer.

- Algum problema, Gildarts? – indagou tranquilamente –

Viu uma mordida nos próprios dentes, um olhar maligno e punho poderoso acertando-o bem no queixo e fazendo-o voar a pele menos quinze metros de distância. Todos ficaram estáticos e de olhos arregalados sem entender patavina nenhuma. O Clive marchou a passos longos até onde o loiro ainda estava zonzo e o puxou pelo colarinho para fora guilda, teria uma conversinha com aquele quebrador de corações de filhinhas dos outros.

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Por mais curiosos que estivessem todos, ninguém teve coragem de sair para saber o que aconteceu. Laxus levou mais alguns golpes no torpor do momento, mas depois conseguiu se defender. Tinha que admitir que apesar de estar na casa dos cinquenta, Gildarts ainda era muito bom briga.

- Oe, Velhote, mas que droga é essa?

Disse enquanto segurava um punho repleto de magia que veio em sua direção.

- Seu pirralho ridículo e mimado! Vou te ensinar a não brincar com o coração da minha menininha!

- Nani?? – o loiro quase levou uma rasteira enquanto processava a informação –

- Se eu pegar minha filhinha chorando de novo por sua causa, eu vou arrancar sua cabeça e fazer um troféu com ela!

- Velhote, está batendo no cara errado! Eu não tenho nada com a Cana a alguns anos!

- Eu vi as coisas dela com lembranças suas, e ela me falou que faz muito tempo! Seu moleque desgraçado, eu sempre te tratei como um filho e você faz uma cachorrada dessa com a minha menininha!

- Oe, oe, Gildarts, eu não sei realmente do que está falando!

Os dois pararam, ofegantes devido a briga.

- Nunca, é bom que nunca mais eu encontre a Cana do jeito que eu encontrei hoje por sua causa! Porque isso acontecer eu vou matar você, moleque!

- É sério, velho... Ela nem fala mais comigo, não sei como pode ser minha culpa!

- Você sabe sim, pirralho, se não soubesse não estaria discutindo comigo! Você não faz o tipo que entra em discussões a toa!

O mais velho ajeitou a postura e passou a mão nos cabelos.

- Nunca mais, Laxus, nunca mais ouse machucá-la. Dá próxima vez eu não vou nem te dar a chance de ver o que te acertou!

E foi embora para o salão da guilda, Laxus ficou parado massageando o maxilar dolorido do primeiro golpe. O que Gildarts quis dizer com encontrar Cana como encontrou? Tinha notado que ela não apareceu na guilda nos últimos dias, achou estranho, mas nunca imaginou que ela pudesse estar mal.

Sabia que ela ainda não tinha engolido aquela história de anos atrás, mas também havia sido um cafajeste de marca maior com ela, terminar a relação como terminou não era algo do qual se orgulhava.

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No outro dia, Cana acordou um pouco melhor, ainda não estava completamente recuperada, mas com certeza a fase pior já tinha passado. Tinha prometido ao pai que apareceria na guilda, então teria de fazê-lo, mas isso não queria dizer que ficaria, afinal, ele disse para ir, não quanto tempo tinha que ficar. Levantou tranquilamente pisando nas coisas que estavam jogadas no chão.

Olhou para tudo aquilo com um sorriso triste.

Apesar de tudo eram lembranças boas aquelas...

Abaixou-se recolhendo tudo e voltando a guardar, sabia que um dia teria de se desfazer daquelas coisas, mas hoje ainda não estava pronta. Deixou a jaqueta sobre a cama, iria usá-la, estava frio e bem... Não era como se aquilo fosse muito mais do que um pedaço de couro. Guardou a caixa no armário e foi tomar um banho quente.

Vestiu-se com uma das roupas que comprou no dia anterior, nada como uma roupa nova para levantar a moral de uma garota. Escolheu um vestido branco curto e jogou a jaqueta por cima dobrando as mangas até os cotovelos, calçou suas pulseiras habituais, sandálias e resolveu tomar café na guilda.

Por sorte o pai tinha consertado sua porta antes de ir embora.

Caminhou até a agremiação um pouco nervosa, não sabia qual seria sua relação ao ver Laxus depois do que aconteceu. No fundo, desejava que ele tivesse pegado uma missão e que ficasse assim... Um mês fora pelo menos. Só que óbvio que não teria essa sorte. Ao entrar na guilda a primeira pessoa que viu foi ele, sentado em uma mesa mais afastado com sua raijinshuu, coisa normal. A novidade foi o lado esquerdo do maxilar roxo. Estava dando para ver de longe.

Decidiu não ficar encarando muito para não chamar atenção e foi direto para o balcão onde Mira a cumprimentou alegremente.

- Já estávamos preocupados, Cana! Então... Roupa nova... O que aconteceu?

- É bom variar as vezes, Mira... Então o que tem para o café?

- Hum, panquecas.

- Pode ser e de preferencia bastante chocolate! Estou precisando... Mas então, o que aconteceu aqui nos últimos dias? Perdi alguma coisa? Ah e um café bem forte!

- Um minuto, vou buscar seu café...

Cana olhou para os lados e viu que a guilda ainda estava tranquila, deveria ser porque ainda era razoavelmente cedo.

- Aqui está seu café e suas panquecas... – ela colocou a bandeja sobre o balcão – Então, namorado novo?

- Er... Não... – disse tomando um gole de café –

- Então de quem é essa jaqueta? – perguntou inquiridora –

- Minha oras!

- Essa não é uma jaqueta de mulher, Cana.

- Tsk... Não enche, Mira. A jaqueta é minha... Mas então e as coisas por aqui?

- Oh nada demais, as brigas de sempre... Não, ontem teve uma coisa interessante! Seu pai bateu no Laxus só Kami sabe o motivo!

Cana engasgou com a panqueca que mastigava.

- Na-na-Nani? Como assim?

- Bem, o Gildarts chegou ontem a noite e acertou o Laxus e depois arrastou ele para fora da guilda e ao que parece brigaram mais.

Kami-sama não podia gostar tão pouco dela. Por que diabos o pai bateu em Laxus? Ele nem sabia... Se bem que sua caixa de recordações tinha ficado jogada no chão, será que ele tinha visto as fotos? Não, não... Não podia ter acontecido! Não podia! Não queria que mais ninguém soubesse disso!

Tentando manter as aparências empurrou o prato e virou sua caneca de café. Levantou do balcão e foi para a área externa traseira da guilda. Obviamente que Mirajane ficou com a pulga atrás da orelha deixando sua imaginação fértil voar. Seu olhar gatuno se direcionou ao Dreyar que não tinha tirado os olhos da Alberona.

---

---

Não, não, não! Aquilo não podia ter acontecido! Gildarts não podia ter batido em Laxus! Céus, o que tinha feito de errado para Kami-sama? Tudo o que desejava era seguir sua vidinha em paz, mas é claro que não podia! Onde é que tinha um buraco para pular e se enterrar? Decidiu caminhar na praia até arranjar coragem suficiente para voltar e fingir que nada aconteceu.

Arrancou as sandálias e deixou a areia branquinha tocar a sola dos pés tentando relaxar. O céu estava azul e sem nuvens acima de sua cabeça... Fechou os olhos e inspirou a brisa marítima sentindo uma boa sensação. Primavera com certeza era uma ótima época para ficar deprimido, afinal, é bem mais fácil seguir em frente em dias límpidos. Dali um mês seria Hanami de novo... Nossa, parecia que o último mal tinha passado.

Resolveu voltar quando notou estar chegando no limite para a Hills e obviamente que para sua felicidade, insira ironia nesse contexto, visualizou Laxus sentado nas escadas que davam para a praia com seus fones ao redor da cabeça. Balançava o pescoço no ritmo do rock que ouvia, decidiu que não iria sair correndo, seria praticamente como gritar um atestado de culpa.

E bem, apesar da vergonha, não era como se fosse culpa dela. Não falou em nenhum momento o nome dele para Gildarts, sem dizer que ele mereceu pelo jeito que terminou aquele relacionamento. Não era hora de pensar naquela noite fatídica. Pensou em passar direto, entretanto a mão do Dreyar se fechou em volta de seu tornozelo direito, sem dizer nenhuma palavra, Cana entendeu o recado.

Suspirou pesadamente e recuou, terminando por sentar-se no degrau ao lado dele a uma distância segura que naquele momento era encostada no extremo do degrau.

- A Mira me falou o que aconteceu ontem...

- Pois é, não foi um bom dia para mim.

Eu tive uma dezena de dias horríveis, então estamos quites. Pensou ironicamente e se surpreendeu com a resposta dele que parecia ter lido seus pensamentos.

- Eu sei que você acha, no fundo, que foi bem feito!

- Não, não acho... Foi idiotice do velho...

Mentira. No fundo gostava de saber que Laxus tomou uma sova.

- Do jeito que acabou nossa relação... – ele riu tenso – Eu tomar uma sova do Gildarts era o mínimo que poderia desejar.

- Eu mereci aquilo, você não mudou do dia para noite, se eu tivesse sido mais esperta teria pulado fora antes de chegar naquele nível.

- Eu era muito apegado a você e aquilo estava atrapalhando meus planos... Eu pensei que ia terminar terminando comigo, mas a gente sempre se acertava...

- Esquece isso, todos temos uma fase ruim.

- Cana, eu não deixei de pensar em você, não fiz aquilo porque não gostava mais...

- É sério que estamos tendo essa conversa agora? – indagou desanimada –

- A gente tem que falar...

- Olha, eu realmente queria falar que não precisa, mas depois dos últimos dias é claro que ficou mal resolvido.

- Eu estava tão cego que não vi coisas que estavam na minha frente, demorei muito para aprender o que meu avô queria ensinar...

- Bem, todo mundo sabe que você é uma grande idiota, até você assume isso o que é muito bom sabe... Só que o importante é que encontrou o caminho de volta, Fairy Tail é um lugar para segundas chances. Sobre a gente... o problema é que nunca lidei com quando acabou. Ou seja, uma hora ia ter que acontecer...

- Eu não podia ter te tratado daquele jeito.

- Não, não podia.

- Não era para ter terminado assim...

- Não, não era.

- Eu amava você...

- Que bom... Olha, vamos esquecer isso. Você errou, eu errei, as coisas saíram de controle, mas agora podemos seguir em frente! Daqui alguns dias vou estar como se nada tivesse acontecido e o passado que fique para trás, morto e enterrado!

- É impossível sair de uma relação como se nada tivesse acontecido, porque algo aconteceu.

- Mas sempre podemos fingir, e sabe como é... De tanto repetir uma coisa a gente acaba acreditando!

A morena levantou e saiu.

Corações partidos nunca mais são os mesmos e sim, ela sabia como era isso!

***

Laxus não estava satisfeito com aquela situação.

Desde aquela conversa alguns dias haviam passado e Cana parecia estar se reestabelecendo como sempre foi, só que ele sabia que era mentira. Ela não estava feliz e muito menos com aquele bom humor, ver aquela cena estava definitivamente acabando com ele. Sentia-se um grande bastardo. Por que ela não podia ser como as pessoas normais e viver o momento de luto? Não ela tinha que ser teimosa e se machucar fingindo que nada estava acontecendo.

Obviamente que o mau-humor do Dreyar não passou despercebido a sua Raijinshuu. Afinal, é plausível quando seu chefe está cuspindo maribondos desde a hora que acorda até a hora que vai dormir, sete dias na semana. Até que tentaram descobrir o que estava acontecendo, mas ele lhes assustou o suficiente para simplesmente darem um pouco de espaço.

O grande roxo no queixo ainda estava protuberante e dolorido, mas não estava exatamente ligando muito para isso. Nesse instante encarava descaradamente a morena que estava em alguma das mesas rindo e bebendo com alguns novos membros da guilda.

Notou que ela percebeu e aparentemente se intimidou levemente encolhendo os ombros.

***

Cana chegou em casa sentindo o mundo girar devido a todo álcool que tomou. Abriu a porta e foi arrancando as sandálias pelo caminho. Tirou a jaqueta branca atirando-a  num canto qualquer. O próximo alvo foi o cinto de coraçõezinhos... A calça estava bastante larga...

Empurrou a porta e sem prestar atenção em mais nada e caiu sobre a cama se remexendo para tirar as capris que caíram no chão. Enrolou-se no edredom e quando fechou as pálpebras visualizou uma figura sentada na poltrona e mesmo alcoolizada ergueu o tronco num pulo e acendeu a luz do abajur. Laxus estava sentado com uma caixa que ela sabia bem qual era no colo.

- LAXUS!

- Você não mudou o lugar onde põe a chave reserva.

- Mas que droga é essa? Isso é invasão de domicilio!

- A gente tem se acertar!

- A gente não tem droga nenhuma!!! Saia da minha casa e largue as minhas coisas!

A Alberona se levantou e quando notou que estava  semi-nua puxou as cobertas para se enrolar.

- Eu sabia que conhecia aquela jaqueta...

- SAI DA MINHA CASA, LAXUS!

- Para com isso, você tá acabando com nós dois... Vamos começar de novo...

- Começar de novo? Começar o que? Esquece essa droga... Seu remorso não é problema meu! Entende uma coisa... Eu odeio você, odeio a droga de relação que tivemos, odeio me lembrar que um dia eu gostei de você! Some da minha vida!!

- Não você não odeia!

Cana abriu e fechou  a boca algumas vezes sem encontrar uma resposta. Por isso deu as costas e se jogou na cama numa tentativa de ignorá-lo. Maldito loiro babaca!!!

- Eu sei disso, eu gosto disso, mas não pelos motivos que você acha... Sinto sua falta, sinto falta da gente, realmente gostaria de recomeçar. Você tem todos os motivos do mundo para me odiar, se não odeia deve querer dizer alguma coisa.

- O meu grau de burrice!?

- Não... – o mago ajoelhou ao lado da cama – Me aceita de volta. A gente era ótimo junto... Até chegar naquele ponto horrível...

- Você tentou me matar! Eu não vou cometer o mesmo erro duas vezes!

- Eu fui um cafajeste naquele fim de relação, mas admita, eu era um bom namorado... Todo mundo merece uma segunda chance.

Silêncio...

- E o que eu faço se você pirar de novo e virar um megalomaníaco outra vez?

- Manda um recadinho pro seu velho que ele vai ter todo prazer do mundo em limpar o chão comigo...

A morena se virou no próprio eixo ficando rosto com rosto. Não era como se já não o tivesse perdoado a muito tempo, mas assumir uma relação de novo parecia o cúmulo da burrice. Concordava com o fato de que até virar um salafrário dos infernos Laxus foi um bom namorado e que atualmente ele parecia estar em uma fase muito boa da vida.

Ele a queria de volta e isso por mais vergonhoso que fosse estava imensamente feliz com isso...

- Tudo bem, a gente pode tentar outra vez.

O Dreyar sorriu de uma maneira que ele realmente não costumava fazer com frequência, mas foda-se a fama de mal, ele tinha enfiado o pé na jaca com aquela mulher, ou melhor, derrubado a jaqueira inteira e ela o estava aceitando de volta, tinha o direito de ficar feliz.

Se aproximaram e trocaram um beijo que ia muito bem obrigado até a mandíbula ainda avariada dele doer. Cana começou a rir e o loiro franziu o cenho.

- Não importa quanto tempo faz que te perdoei, não sinto pena do velho ter te acertado...

- Eu sei disso... Chegue para lá, eu preciso dormir, amanhã cedo tenho uma missão na cidade vizinha com a tribo do trovão.

***

Já era noite e Cana estava na guilda bebendo como de costume, entretanto era quase palpável a mudança de comportamento dela. A morena estava meio que voltando a ser como era antes daquela bagunça toda da batalha da Fairy Tail. Isso não passou despercebido aos olhos atentos de Mirajane que preferiu manter só observando até ter mais informações.

A morena parecia ter recuperado a velha confiança.

Laxus entrou no salão da guilda com sua guarda pessoal e um grande livro com capa de couro trabalhada debaixo de um dos braços. O grupo acomodou-se numa das mesas e logo foi servido pela garçonete que aproveitou para roubar um beijo do namorado que ficou vermelho.

O mago do trovão correu os olhos pelo lugar e encontrou a namorada, para seu desgosto, sentada na mesma mesa que Wakaba e Macao que pelas caras tinham acabado de perder dinheiro para ela devido a alguma aposta tosca. Apostar contra Cana era muito complicado, ela tinha uma afinidade tremenda de dedução e sorte, sem dizer que sabia roubar muito bem.

Levantou pegando o livro e sua caneca de cerveja, caminhou até onde ela estava sentada sentando-se ao seu lado sem maiores cerimonias. Ignorou completamente os velhos para o bem da integridade física deles, passou o braço direito sobre os ombros dela que corou violentamente, não esperava nenhuma demonstração tão explicita de carinho.

- Hey, vem comigo, tenho uma coisa para você...

- La-laxus... As pessoas estão olhando...

- Que bom, assim eu vou evitar rachar alguns crânios, vamos venha... vai gostar da minha surpresa.

Um olhar psicótico para a dupla masculina da mesa que viu a morte passar diante dos olhos e saíram para a área externa da guilda. Cana sentou-se sobre uma das mesas ali e o loiro parou a sua frente colocando o grande livro de couro ao seu lado.

Ele abriu o casaco e tirou dos bolsos internos coisas que Cana conhecia muito bem e estavam em sua caixa de lembranças até da última vez que teve notícias. O loiro pegou os braços da namorada e tirou as pulseiras e braceletes e que ela usava substituindo-os pelos que ele lhe dera ao longo dos anos.

- Eu dei essas coisas para você usar, não para ficarem dentro de uma caixa...

- Errado, você me deu essas coisas para marcar território, queria eu sempre lembrasse de você. Os braceletes foram presentes de retaliação contra algo que o Gray havia me dado no meu aniversário.

- Presentes não são coisas que damos as pessoas para que elas se lembrem da gente?

Se defendeu colocando as pulseiras nos pulsos da morena.

- Yare yare... Mas por que essas coisas estão com você?

- Quando eu cheguei a sua casa não tinha muita coisa para fazer e bem... Gildarts tinha falado de umas fotos.

Deu os ombros.

- Que coisa mais meiga... – ironizou – Nunca ouviu falar em privacidade?

- Partindo do ponto que são recordações nossas, quer dizer que me pertencem também.

- Certo, não vou discutir... Mas então o que queria comigo?

Pegou o grande livro de capa de couro e pôs no colo da Alberona e fez um sinal para ela abrir. Ergueu uma das sobrancelhas e alisou a capa em alto relevo com a ponta dos dedos e ao abrir não podia ter ficado mais surpresa. Todas as fotos, bilhetes, cartas e até mesmo coisas que não faziam parte de sua coleção organizados em ordem cronológica.

Uma sequência de colagens  coloridas que contavam a história deles.

Olhou para o mago que esperava uma reação com os olhos querendo se encher de lágrimas.

- Laxus... Isso...

- Assim fica mais fácil de lembrar o que cada coisa representa...

- Quando... Quando fez isso? Não estava em missão?

- Bem... – ele coçou a nuca – Eu meio que botei a Ever e o Fried para fazer as colagens enquanto batia numa lagartixa gigante com o Bixlow. Não levo muito jeito para essa coisa de colagens...

- Oh Kami... Você colocou as nossas lembranças na mão daqueles dois? Você quer que a guilda inteira saiba?

- Eu ameacei devidamente para que ficassem quietos... E também a gente não é mais criança para ficar namorando escondido.

- De qualquer forma é lindo!! Muito obrigada...

A maga levantou-se dando um abraço apertado nele que retribuiu. Podia ouvir o som das batidas do coração e adorava isso, na verdade, essa foi uma das coisas que sempre gostou... Afinal sempre foi menor do que ele, então sempre que se abraçaram podia ouvir aquele som.

- Senti tanto a sua falta... – apertou mais os braços ao redor dela – Acho que preciso de uma overdose de você... – sorriu mostrando um dos caninos – Sem dizer que tenho que  conferir se tudo está do mesmo jeito que lembro...

- Você não presta... – riu tentando se afastar –

- Não é minha culpa se consigo demonstrar melhor fisicamente o que sinto...

Realmente com isso a Alberona tinha que concordar, afinal, naquela última noite que passaram juntos Laxus demonstrou bem fisicamente todo o desprezo que sentia por ela naquele momento. Lembrava-se perfeitamente daquela noite...

O loiro notou que sua piada infame não tinha surgido o efeito esperado, na verdade, a namorada parecia estar pensando em alguma coisa longe...

- Oe... No que está pensando?

Ela demorou alguns segundos para se situar e deu um sorriso amarela se separando do abraço dele.

- Realmente, você demonstra perfeitamente o que está sentindo fisicamente.

O mago ficou confuso até a ficha cair a respeito do que ela estava falando. Droga! Droga! Droga! Realmente essa era a última coisa pela qual queria ser lembrado por ela. Aquela foi uma de suas piores faces e não queria que ela tivesse presenciado... Ele não era mais aquele homem e não queria ser visto como se fosse.

- Cana, espera... – disse a segurando pelo braço –

- O que foi?

- Não pense em mim daquele jeito, eu não sou assim, infelizmente você presenciou uma das minhas piores fases...

- Esquece essa droga, não é como se eu não já não tivesse te perdoado.

Puxou-a num abraço apertado, nada do que dissesse mudaria o passado, mas agora seria diferente. Nenhum dos dois eram as mesmas pessoas, só que ainda sim estavam entranhados um no outro, não conseguiam viver bem separados.

Deu um beijo no topo da cabeça dela.

Owari...


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Notas finais do capítulo

Muahahahhahahha, sim, eu terminei a história aqui. Sabe, eu queria fugir um pouco do final felizes e perfeitos para sempre. Bem, eles se gostam, mas tipo... Vão ter que reconstruir essa relação. E não eu não me esqueci das alianças, bem... Fica a vontade da imaginação de vocês como eles passaram a usá-las...

Então Re-chan, o que achou do seu presente?

Obrigada minhas queridas por sua atenção e carinho, são seus comentários que me fazem ficar cada vez mais criativa.

Kisskiss, Anny Taisho

PS: Gildarts no salão foi Maraaaaaaaaaaaaaa, admitam!