A primeira coisa que lembre foi de quando vi Clove pela primeira vez. Já era de noite, estávamos na última semana de férias e tinham poucas pessoas no centro de treinamento. Nunca tinha visto ela antes, provavelmente estudava e treinava em casa. Ela era diferente, tinha cabelo escuro, nem era marrom, era preto e seus olhos eram verde escuro, difícil de distinguir de longe.

  Achei engraçado o que ela estava tentando fazer. Estava com um machado, tentando decapitar um boneco, mas nem ao menos conseguia erguer a arma. Queria poder ajuda-la, mas nem conseguia me mexer, então o único treinador que estava no centro naquele momento veio falar comigo:

   -O nome dela é Clove – provavelmente o cara percebeu que eu estava apreciando a novata – Ela tem 7 anos, estudava em casa com a mãe e nunca treinou.

   -Então o que está fazendo com aquele machado, tinha que começar com uma arma menor, e porque resolveu treinar agora? – tantas perguntas... O treinador até ficou chocado, pois eu nunca tinha ficado tão interessado em uma garota.

   -Ela pediu pra treinar sozinha sem ajuda e sem dicas. A mãe dela morreu a duas semanas, seu irmão esse ano vai para a primeira colheita dele, seu pai passa o dia inteiro fora trabalhando e não liga para os filhos. Clove esse ano vai ter que começar a frequentar a escola e o centro de treinamento. Por mais que ela não queira um dia seu nome pode ser sorteado.

   -Nossa! Com certeza a vida dessa garota deve estar bem difícil. Espero que ela se de bem com isso tudo, vai ter que ser forte para aguentar os próximos dias, anos...

   -Sim, vai ter que ser forte. E você o veio fazer aqui? Quer treinar o que?

   -Não sei, eu ia treinar luta corporal, mas acho que vou pra casa, meu pai pode estar precisando de ajuda e... Tchau

   -HAHAHAHAHA! Okey pode ir, te espero amanha. – Sim, ele percebeu que não queria treinar só por causa de Clove por que vai que eu erro um golpe e ela fica rindo da minha cara que nem ele. O cara também não precisava ter tido aquela crise de riso.

   Naquele dia, a única coisa que fiz antes de ir para casa foi comprar pão para o café da manhã. Quando cheguei em casa deixei o pão na cozinha e fui pro meu quarto. Eu morava na aldeia dos vitoriosos, pois meu pai ganhou a 48ª edição dos Jogos Vorazes. Meus pais trabalham na montanha central do Distrito 2 (OBS: pra quem leu A Esperança, essa montanha é a Noz). Naquela noite pensei muito em Clove, senti pena, mas tinha certeza de que era uma garota forte. Ela foi a primeira garota que mexeu com a minha cabeça de verdade, eu não parava de pensar nela, mas tinha que me concentrar pois na semana que vem teria aula.

(Uma semana depois)

   Bom, o primeiro dia de aula chegou e estava muito animado, reencontrei meus antigos amigos e criei novas amizades. Quando cheguei à sala estava aquela bagunça toda. Tinha papel voando, pessoas conversando, musica alta... Até que o professor chegou e já saiu gritando e dando ordens

   - Vocês ano passado foram a pior turma do colégio – Nisso ele tinha razão – mas com a minha ajuda e a dos outros professores esse ano vocês vão melhorar, agora todos sentados e com o caderno aberto porque vam...

   - Desculpa professor, é que hoje é meu primeiro dia de aula e eu não sou muito acostumada então – Clove! Sim, era ela, toda atrapalhada cheia de material na mão, chegou atrasada e interrompeu a aula do professor mais chato da escola inteira.

   - Não quero saber a sua historia nem nada, senta logo aqui na frente e vê se presta atenção porque é matéria nova.

  Ela sentou na primeira fileira, bem de frente para a mesa do professor e pelo que eu percebi prestou bastante atenção na aula. Já eu passei a aula conversando com meus amigos. Até ai estava tudo bem, mas no intervalo fui pro meu armário e vi Clove correndo direto pro banheiro, chorando muito. Não se passou nem um minuto e o meu grupinho veio falar comigo

   - Cato! Você não vai acreditar, a gente estava passando no corredor e a novata veio perguntar pra gente qual era a próxima aula, como se ela fosse do nosso grupo e falasse frequentemente com a gente. HAHAHAHA! – Ah que raiva, eu quase matei eles.

   - Vocês não precisavam fazer isso também, era só falar que era aula de português, nada de mais! – retruquei

   - Que isso Cato, calma irmão. Agora vai ficar defendendo o cotoco?! – Cotoco? Como assim, ela mal chegou à escola e já está sofrendo bulling?

   Saí bufando pra perto do banheiro feminino e esperei o sinal tocar, mas não vi Clove saindo. Tive que ir pra aula e ela também não estava na sala, era só o que me faltava. Se ela for pega pode acabar com trabalho extra e várias outras coisas, ainda bem que a gente não esta na idade pra ir pra colheita porque se não o nome dela poderia ser colocado lá como punição.

   Na verdade não sei por que estava pensando tanto nela, era só uma garota comum como qualquer outra. Nunca me preocupei com ninguém, nem com meus amigos e estava me preocupando com Clove. Alias eu nunca tinha dado nem um “oi” pra ela, a tinha visto apenas a uma semana atrás.

   Eu não sabia se me aproximava dela para tentar no mínimo uma amizade ou se eu me afastava e tentava esquece-la. Eu então resolvi esperar, e ver o que aconteceria sem forçar nada.