Quando eu tinha seis anos minha mãe me matriculou numa escola de ballet famosa da região. Ela era realmente difícil de ser aceita e, no fim das contas, fui o tesouro da mamãe quando recebemos a carta de confirmação dizendo que, sim, sua filha foi aceita. Minha mãe estava radiante aquele dia, saímos para comprar coisas novas, roupas, sapatilhas, enfim. Foi o melhor dia da minha vida. E era tão bom ver o quanto ela estava orgulhosa de mim, daquele dia em diante prometi que faria de tudo para ver aquele sorriso novamente. Aquele sorriso de orgulho e que era só meu.

Nós nos divertíamos muito repassando tudo o que aprendia na escola de noite, era nosso tempinho a sós do meu pai, de trabalho, de qualquer outra coisa que pudesse nos interromper. Éramos só nós duas e o salão que papai havia construído no mesmo ano para eu poder ensaiar em casa.

Nossa família era particularmente muito bem de vida. Não erámos milionários, mas podíamos nos considerar ricos. Papai ganhava extremamente bem na empresa em que trabalhava e mamãe tinha uma linha de roupas voltada para mulheres decididas e confiantes da socialite americana. Tudo era extremamente perfeito.
Tirando talvez pela minha professora de ballet ser uma megera. A partir dos meus dez até a época – com meus catorze anos – ela só consegue e tem um propósito em sua vida: infernizar-me.

Ela gosta de me lembrar constantemente o quanto sou inútil no ballet e o quanto estou gastando o precioso dinheiro de minha família pra nada porque isso não vai dar em nada e eu deveria perceber isso o quanto antes. No começo foi um choque de ouvir isso porque antes ela vivia dizendo o quão boa eu era e o quanto teria um futuro brilhante pela frente, mas de repente isso mudou e eu honestamente não entendo o que aconteceu, apenas sei que a cada dia mais ela me pressiona para ser melhor do que já sou.

É claro que foi um tapa bem dado em sua cara quando o dono da Academia me escolheu para fazer o papel principal em Lago dos Cisnes que é considerada a mais difícil e também a mais concorrida da Academia. Mas ela não desistiu tão cedo. Fazia questão de me falar o quanto eu iria falhar no papel e que faria minha família passar vergonha na frente de todos os conhecidos e amigos e que minha mãe ficaria tão decepcionada comigo que provavelmente me mandaria para um internato.

Obviamente ela não se conteve em dizer isso só para mim e foi envenenar a cabeça de minha mãe com essas ideias absurdas. Logo lá estava mamãe me ameaçando de ir para um internato se eu não melhorasse minha postura na dança e fizesse o papel mais perfeito visto da história de Lago dos Cisnes. Era pressão sobre pressão.
Pra piorar ainda mais, por causa dos longos ensaios de ballet, minhas notas na escola estavam baixando e se minha mãe soubesse disso ficaria furiosa. Papai quase não se metia nesses assuntos de escola e ballet. Ele pensava que tudo isso era trabalho de mãe e que ele não deveria se intrometer. Às vezes eu queria que ele tomasse alguma atitude. Seria bem bacana, ele era o mais legal dos dois.

Às vezes eu tinha vontade de fugir de casa. De largar o ballet e ir embora. De nunca mais falar com meus pais e com minhas amigas e deixar essa vida toda para trás. É claro que no fim eu não fazia nada disso, porque sei que não saberia viver sem minha mãe. Mas eu cogitava essa ideia. Ia dormir pensando em como fazer e criando milhões de planos. De como minha mãe iria ficar quando descobrisse, da felicidade que minha professora teria ao constatar que eu, finalmente, desisti do ballet e do meu pai, provavelmente culpando minha mãe, afinal era trabalho dela me educar e cuidar de mim.

É claro que isso tudo mudou em uma fria noite de Abril quando um homem resolveu que não estava assim tão bêbado para dirigir e saiu às ruas. Mamãe estava atravessando a rua para chegar ao teatro onde eu estava com o pessoal da Academia fazendo uma apresentação. Ela morreu na hora. Minha vida tomou um rumo completamente diferente, eu já com quinze anos na época, me vi sem mãe e com um pai amargurado que não sabia mais o que fazer comigo. Quem iria me criar agora que mamãe estava morta? Quem iria cuidar da casa e dos empregados? Tudo estava um desastre e então veio o choque. Papai havia decidido que não conseguiria mais ficar em uma cidade onde minha mãe praticamente governava. A linha de roupas dela continuou, é claro, foi passada para minha tia e ela fazia um trabalho excelente, mas ainda assim.

E então com meus 17 anos, após dois anos da morte de minha mãe, nós nos mudamos para a California, era uma cidadezinha onde papai havia crescido chamada Huntington Beach. E tudo o que eu conhecia havia ficado para trás. Sem amigos, sem mamãe e, por decisão própria, sem ballet.