E então, Gokudera Hayato foi mais um vez vencido pela insônia. Justo ele, que era do tipo que apenas deitava a cabeça no travesseiro e caía em sono profundo, e só era acordado no outro dia se um meteoro atingisse seu apartamento. Agora, ele não se lembrava mais qual havia sido a última vez em que conseguira dormir direito. Ou que pelo menos foi se deitar sem ter que chorar por horas a fio. Olhou o relógio, eram três horas da manhã de um belo domingo. Pegou o celular e foi para a sacada, tomar um ar fresco.

O céu ainda estava lotado de estrelas. Acendeu um cigarro e ficou ali parado, apenas observando enquanto a solidão e o barulho do vento gelado faziam-lhe companhia. Ele jamais imaginaria a falta que o outro faria. E jamais imaginou que sofreria tanto da maneira como estava agora. Justo ele, que era do tipo que esquecia das coisas e das pessoas logo no dia seguinte. Ele, cujos relacionamentos não duravam mais que uma noite. Ele, que não se apegava a ninguém, e achava que sua própria companhia era mais do que suficiente. Agora ele sentia. Agora ele entendia a dor daquele cujo coração ele partira tantas vezes. Pegou o celular, trêmulo, e discou aquele número tão conhecido. "Eu devo estar ficando louco", pensou. Ficou esperando chamar, e esperou bastante tempo, mas não desistiu. E quando finalmente a outra pessoa havia atendido, ele começou a falar.

– Alô? Me desculpe, eu sei que não deveria estar ligando, não depois do que aconteceu, e nem depois de tanto tempo. Sei que a essa hora você deveria estar em um sono profundo. Aliás, seu sono sempre foi mais pesado que o meu. Você se lembra quando eu só consegui te acordar depois de te jogar um balde de água fria? Foi engraçado, você acordou assustado e depois começou a rir. Mas enfim, eu estou mal, muito mal mesmo. Não consigo dormir, e passo a maior parte da noite chorando. Aliás, nesse exato momento eu também estou chorando. Eu sei, sou um idiota, mas é que simplesmente minha vida não consegue seguir em frente desde o dia em que você foi embora. E isso me assusta, porque eu nunca fui assim. E adivinha? Estou fumando mais do que nunca. E voltei a beber. Na maioria das noites eu saio e passo a madrugada toda bebendo. Antes eu fazia isso casualmente. Hoje faço isso porque é muito mais fácil suportar a ressaca no dia seguinte do que o vazio que você deixou aqui.E nos dias frios os cobertores simplesmente não me bastam. Parece que em cada canto há um pedaço de você, e isso dói. Porque não quero apenas pedaços, quero você por inteiro.E eu não paro de ouvir as músicas daquela sua banda favorita desde o dia em que você foi embora e esqueceu todos os seus CDs aqui, mesmo você tendo um péssimo gosto musical. E assistir filmes de terror na madrugada não faz mais sentido quando você não está ao meu lado assistindo junto e morrendo de medo.

"Lembra quando assistimos aquele filme e você me perguntou se poderia dormir aqui porque não queria dormir sozinho na sua casa? Aquilo rendeu boas risadas o resto do final de semana. Lembro quando você me fazia assistir aqueles jogos idiotas de baseball o dia inteiro porque na sua casa não tem TV à cabo, e eu ficava irritado mas no final acabava me empolgando com o jogo junto com você. E os seus olhos brilhavam de uma maneira tão intensa que era impossível ficar irritado por muito tempo. Tudo parece tão sem cor quando você não está aqui. Parece tão vazio e sem vida. Você que sempre foi tão simples, vivia sorrindo e não tinha preocupações. Eu simplesmente não consigo recordar de como eu era antes de você aparecer. Eu, que sempre me achei auto-suficiente, me sinto tão perdido e sem chão. E isso está me corroendo, Yamamoto, está me enlouquecendo aos poucos e você não faz idéia. Só queria ser o mesmo de antes, e apenas lembrar de você como uma simples lembrança feliz e poder voltar para a minha rotina. Mas tudo fica mais difícil quando eu me deito e sinto o cheiro do seu perfume impregnado no travesseiro. E minhas lembranças de você voltam a tona como uma avalanche e quando percebo, estou eu aqui, de pé na sacada do meu quarto, chorando e sentindo frio enquanto ligo para você de madrugada. E eu nem sei se você está prestando atenção nesse monte de besteiras que estou dizendo, porque você é um idiota e provavelmente está com sono demais para prestar atenção em qualquer coisa. Não é como se eu ainda sentisse algo por você ou coisa parecida e...

– Hayato –Yamamoto disse, e Gokudera prendeu a respiração. – Tudo bem se eu passar o resto da noite aí?

– Sim. Mas venha logo, seu maníaco do baseball.

– Ok.