Black Stories escrita por kaori-senpai, Thai


Capítulo 1
Black Doctor


Notas iniciais do capítulo

"A existência humana pode ser ceifada por qualquer coisa. Seja por uma doença, um acidente ou um assassinato. A única pessoa que tem o poder para prolongar uma vida a beira da morte, é um médico. Sempre acima dos princípios, um médico deve salvar a vida do seu paciente, custe o que custar."



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No renomado hospital geral da capital da Inglaterra, o caos estava estabelecido naquela manhã de quarta-feira. Os pacientes faziam filas para serem atendidos e a ordem só era respeitada por conta da educação britânica de todos. Certamente se estivessem em qualquer outro lugar do globo, uma mera fila não seria considerada na hora do desespero.

Sentado em sua sala, alheio à multidão que aguardava atendimento, o doutor Sebastian lia calmamente seu jornal. Fazia três anos desde que conseguira uma vaga de médico no hospital e ocupava aquela sala. Era um local acolhedor que lhe transmitia paz. O mesmo não se pode dizer do resto de seu local de trabalho. Era entediante tratar de doenças corriqueiras, ele queria algum desafio.

No entanto, aquele parecia ser um dia comum, se não fosse pelo incomodo que mudou toda a trajetória do jovem médico. Uma jovem de cabelos vermelhos entrou desesperada em sua sala segurando uma imensa papelada que se desmanchou no chão quando a garota tropeçou nos próprios pés. Sebastian a ignorou desde o momento que ela entrou até os milhares de pedidos de desculpas. Só voltou a prestar atenção no que ela dizia quando a palavra “dinheiro” chegou aos seus ouvidos.

- Repita desde o começo, Mey Rin.

- C-certo! O senhor tem um novo caso! Parece que ele sofreu um acidente ou algo do tipo, porque está machucado! Não sei dizer ao certo… - Ela vasculhou o chão procurando alguma pista do estado do paciente, mas a ficha dele já tinha se misturado a milhares. – P-parece que a família está disposta a pagar pelo senhor!

- Pagar por mim? Eu sou bem caro…

A jovem ficou completamente vermelha com o olhar sedutor do médico, então entrou outra ruiva vestida inteiramente de vermelho, mas esta tinha um ar bem superior ao da primeira.

- Me diga seu preço! Não hesitarei seja ele qual for! – Ela aproximou-se do jovem exibindo uma pose imponente e roupas caras. Aquilo agradou Sebastian.

- Posso saber o que é tão precioso a ponto de gastar sua fortuna, madame?

- Meu sobrinho. Você o conhece, doutor. Na ficha médica dele consta claramente que você o atendeu há dois anos quando ele sofreu um acidente. Sua reputação me permite presumir que o senhor é o único capaz de tratá-lo.

Acidente? Sebastian lembrava-se daquele episódio. Lembrava muito bem de como o garoto estava magro e desidratado quando chegou ao hospital e, mesmo assim, distribuía chutes e xingamentos a todos os enfermeiros que tentavam tirá-lo da maca. Até a primeira conversa deles foi estranha. O garoto ainda estava se debatendo na maca, Sebastian simplesmente tirou sua luva para checar a temperatura daquela criança, só não contava que ele iria ficar paralisado. Talvez o fato de ver sua tatuagem tivesse o deixado perturbado. Os ferimentos que ele apresentou não foram de um acidente de carro, como foi divulgado na televisão.

- Hum… Já que se trata de um pedido tão cordial, me vejo obrigado a aceitar. Mas podemos conversar sobre a doença de seu sobrinho?

- Certo.

Mey Rin puxou uma cadeira para a mulher e ela pôs seu queixo por cima dos punhos fechados, deixando bem a mostra seus seios pelo imenso decote seu vestido.

- O comportamento dele mudou depois do acidente. Ele gritava ordens para todos e começou a dormir com facas afirmando que estavam tentando matá-lo. Tive que tirá-lo da escola quando ele atacou um funcionário. Os médicos da minha família diagnosticaram esquizofrenia, mas não teve remédios capazes de contê-lo. Estou usando você como última saída. – Ela levantou antes mesmo de terminar o discurso e quando estava praticamente fora do escritório finalizou: - Eu não irei medir recursos para ver meu sobrinho feliz de novo, então trate de curá-lo.

Sorrindo de forma sádica, Sebastian se levantou e foi orientado pela enfermeira de cabelos vermelhos onde o menino estava. Entrou no quarto e encontrou o garoto de olhos avulsos sentado na cama com a cabeça enfaixada e o braço engessado.

- O que aconteceu?

- Sua incompetência resultou nisso! Espero que esteja satisfeito!

- Como?

Sebastian recorreu para a ficha médica do menino, ela dizia que a medicação foi suspensa por não fazer efeito algum. Então ele deveria estar no auge do sua alucinação e o médico fazia parte dela, só restava saber qual era sua função na cabeça do garoto.

- Você ouviu, seu inútil! Você chegou atrasado! Se eu não tivesse preparado, estaria morto agora!

- “Preparado”? O que aconteceu?

- Se eu não tivesse pulado a janela, ele teria me matado!

O médico suspirou. Era bem claro que o garoto teve uma alucinação frequente de pessoas com esquizofrenia, por isso estava tão machucado. Então o menino levantou-se e olhou sério para o mais velho. A postura dele lembrava muito a tia, mesmo em um estado tão decadente, o jeito de nobre não saia.

- Tenho impressão que ele está roubando as cartas que a Rainha me envia! Investigue sobre isso!

- A Rainha?

- Você está surdo?! Como o mordomo dos Phantomhive, você deveria ser mais prestativo!

- Sim… Como desejar. – Seu rosto permanecia impassível mesmo estando confuso. O sobrenome do garoto era mesmo aquele, mas quando foi que ele, um grande médico, foi rebaixado a mordomo de um moleque?

- Não estou com vontade de tomar chá, mas traga bolo de chocolate.

Ainda sem entender o que se passava, Sebastian assentiu e tratou de sair do recinto. Aquele garoto estava com um caso grave e, antes dele, o jovem médico não lembrava nenhum outro caso que tratou de doenças mentais. Esse era o lado bom de não ter diploma: poderia ser médico de qualquer coisa. Ele foi para sua sala, onde três enfermeiros o esperavam. Finny, Bart e Mey Rin não eram o que se podia chamar de profissionais exemplares, mas eram obedientes.

- Mey Rin, qual a situação do pirralho?

- Bom… Aqui consta que ele acha que é um conde do século 19 e recebe ordens da rainha para “limpar” as ruas. Ele quase matou o jardineiro da escola com o aparador de grama e acusa o mordomo da tia de ser um assassino. Remédios não funcionam com ele.

- Até parece! Não é culpa dos remédios se não souberam dizer a doença certa! – Dizia o loiro com um cigarro na boca.

O moreno olhou para o enfermeiro que fumava sem receio em sua sala. O que ele disse estava certo. Remédios não falhavam, pessoas sim.

- Vejam a cabeça do pirralho. – Levantou e vestiu seu sobretudo preto. – Quero isso pronto antes das três.

Os enfermeiros saíram correndo fazer os exames e Sebastian foi à doceria mais próxima comprar um bolo de chocolate. O garoto poderia se tornar agressivo caso fosse contrariado. Voltando ao hospital, pegou emprestado o carrinho que as criadas usavam para servir os pacientes e foi para o quarto do menino. Chegava a ser ridículo incorporar a personagem daquela forma, mas não sabia qual era o tipo de tratamento que se fazia com pessoas naquele estado.

- Senhor, o seu bolo de cho…

O médico não sabia se deveria acreditar no que estava vendo. Os seus três enfermeiros estavam brincando com o paciente o qual parecia incomodado com o barulho.

- O que está acontecendo? – Sebastian estava sorrindo, mas sua voz denunciava a raiva descomunal. Logo os três fizeram continência e se desculparam repetidas vezes. – Se vocês tem tempo para brincar vão fazer seu trabalho! – Os três correram para se livrar do olhar de reprovação do maior. – Sinceramente…

- Eles são muito animados e me dão dor de cabeça. Mas seria um risco deixá-los na mansão com aquele assassino.

- Senhor… Acho que estamos aqui por causa de seu estado e não por conta do assassino.

- Sim, mas logo que me recuperar, vamos voltar e acabar com aquele miserável! Ele e todos pagarão pelo que me fizeram sofrer.

- Acho que essas lembranças deveriam ser deixadas de lado, o senhor tem uma vida inteira pela frente. – Tudo que Michaelis falava era um mero chute de como uma resposta decente deveria ser. Ainda estava nebuloso demais entender a cabeça do jovem.

- De forma alguma! Eles devem sofrer o mesmo que eu sofri! Agora eu sou o único herdeiro do nome dos Phantomhive. Então, eu, Ciel Phantomhive, devo orgulhar meus antepassados limpando nosso nome!

Sebastian apenas assentiu e serviu o bolo à Ciel. Agora o “mordomo” sabia que o menino desejava vingança pelo o que sofreu e logo presumiu que isso tinha relação ao acidente quando o garoto era mais novo. Ele recebia ordens da rainha para matar suas desavenças e era um nobre cuja família inteira tinha morrido. Era um bom começo. Depois do lanche, Ciel ordenou que todos os seus compromissos fossem desmarcados e o maior estava dispensado por hora.

Quando se viu livre do pirralho, o mais velho foi correndo até sua sala para saber dos resultados dos exames. Apenas Finny estava lá e ele mesmo falou que não tinha aparecido nada de anormal para seu estado. Para descobrir mais sobre sua saúde mental, somente com o psicólogo do hospital. O chinês era um excelente profissional, fora sua dependência pelo ópio. Lau sabia como lidar com qualquer paciente, desde dementes até psicopatas, logicamente um mero diagnóstico de esquizofrenia não iria assustá-lo. Como o hospital não sabia que Sebastian estava tratando exclusivamente do novo paciente, a consulta com Lau não poderia ser oficial, por isso a marcaram às oito da noite do dia seguinte.

Como combinaram, ele apareceu pontualmente as oito acompanhado de sua irmã e assistente, Ranmao. Todos os três entraram no quarto de Ciel e este pareceu perturbado com essa visita.

- Sebastian! Eu disse que deveria desmarcar todos os compromissos de hoje!

- Sinto muito, jovem mestre. Mas eles insistiram e disseram que era importante.

Contrariado, o menino aceitou conversar com o chinês apesar de não ter ido com a sua cara. Sebastian foi obrigado a servir chá e ainda escutar reclamações pela escolha do sabor.

- Estou aqui para falar de um assunto que lhe interessa, meu caro. – Começou Lau com ar dramático.

- Estou certo que sim, apenas isso para que eu permita essa visita.

- Soube que tem buscado informações sobre seu acidente há dois anos. – Ciel ergueu o tronco da cama para ouvir melhor. – Creio que as respostas não estão nesse lugar, você deve voltar para onde tudo começou.

- Eu sei que as resposta que procuro não estão aqui, estou apenas descansando aqui por ser um local seguro.

- Seguro? Eu não diria isso com tanta convicção, jovem. O inimigo sempre está por perto.

Ciel fez uma expressão de desgosto. Sim, ele sabia que era uma questão de tempo até sua localização ser descoberta. O menino virou e fitou a paisagem da janela por alguns instantes.

- Eu sei, mas o Sebastian está comigo. – Nesse momento, o médico ficou paralisado, mas logo lembrou que a doença o fazia falar coisas sem sentido. - E ele sempre estará comigo.

- Como desejar, jovem mestre.

- Hum… Vejo que a relação de vocês é mais forte do que eu imaginava… Bom, ele será um forte aliado, mas espero que você saiba a quem ele serve de verdade.

Com essa última frase, Lau se retirou e Sebastian foi com ele para saber o que tinha descoberto sobre Ciel. A resposta não poderia ser mais decepcionante.

- Ele é completamente louco.

- Isso eu sei! Não há nada que nos leve a outra doença? Pois os remédios não funcionaram com ele.

- Entendo… Mordomo, eu vou te contar uma história. – O jovem médico sentiu uma veia saltar de sua cabeça quando ouviu o “mordomo”. – Uma mulher se perde na estrada e pede carona a um motorista de ônibus que transportava outras mulheres. Quando chegam ao destino, ela pede para usar o telefone, mas a convencem de que ela precisa comer. Quando ela tenta de novo, falam que está na hora de dormir. Nisso se passa meses e a família dela fica desesperada e se descobre onde ela está. Porém, por mais que ela grite a verdade, ninguém acredita em suas palavras. Você sabe onde ela está?

- Num hospício.- Sebastian continuou sério, mas entendeu o que Lau tentava dizer com aquilo. – Então está supondo que ele talvez não seja louco? Foram os médicos que o fizeram?

- Hum? Não, ele é louco sim. Só estava contando o roteiro de um filme.

O jovem cobriu o rosto com a mão para tentar se acalmar, era difícil estar cercado de incompetentes e aquele em especial, lhe irritava mais do que todos os outros. Virou de costas e girou a maçaneta, mas antes disse:

- Obrigado pela ajuda, Lau.

Uma vez dentro do quarto, viu Ciel abraçando os próprios joelhos. A criança obviamente estava assustada. Sebastian se aproximou e sentou ao seu lado esperando o consentimento para fazer algo mais por ele. Então o menino deitou e disse:

- Fique comigo até eu dormir, Sebastian.

- Sim, jovem mestre.

- Fique comigo para sempre.

- Como o senhor desejar.

Então a criança dormiu serenamente, mas só depois de uma longa coleção de minutos Sebastian decidiu ir embora. Ele tinha se transformado em um ótimo mordomo em menos de dois dias, no entanto aquilo não era algo que se orgulhava, pois mesmo com toda essa dedicação, não estava nem perto de saber o que Ciel tinha. Chegando em casa, pesquisou a noite inteira sobre casos parecidos.

No dia seguinte, a primeira coisa que fez foi gritar com os três enfermeiros que usavam sua sala como dormitório. E infelizmente nenhum deles conseguiu informações novas sobre a enfermidade do menino, a única coisa que sabiam era que ele realmente era louco.

- Talvez seja psicose. Existem muitas variações dessa doença. – Disse Mey Rin com pilhas de material de estudo lhe cobrindo.

- Mas se fosse isso, ao menos um dos remédios contra esquizofrenia teria funcionado.

- Mas, Bard… Nem sempre isso acontece. Há várias doenças que não se tratam com o mesmo remédio mesmo com sintomas parecidos.

- O Finny está certo. – Disse Sebastian. – Ele pode ter os mesmos sintomas, mas com soluções diferentes… - Com isso, uma luz acendeu no interior do médico. Talvez ele tivesse achado a resposta. – Descubram os nomes de todas as doenças que os sintomas batam! Quero uma lista pronta hoje!

- Sim, senhor! – Disseram os três em uníssono.

- Droga! Já são sete e meia! O moleque deveria ter acordado há 30 minutos!

Sebastian saiu correndo e baniu a garota que iria servir o café da manhã do quarto de Ciel. Era de vital importância que ninguém tivesse um contato desnecessário com ele. Ao entrar no recinto, suspirou de alivio ao ver que o jovem ainda não tinha acordado. Mas não durou por muito tempo, logo o médico tratou de despertar o menino.

- Jovem mestre, deixei o senhor dormir até tarde, mas pelo jeito se continuar, não acordará mais hoje.

- Hunf… Do que adianta meia hora a mais de sono? Era melhor ter me acordado no mesmo horário de sempre.

- O senhor deveria agradecer pela minha compreensão. O jovem mestre teve um dia longo.

- É meu terceiro dia aqui… Estou curioso para saber como você tem se disfarçado.

- Ah, estou trabalhando como médico. De que outro jeito eu poderia entrar a qualquer hora aqui?

- Bem pensado. E aqueles três? São seus assistentes?

- De certa forma… Mas eles não deveriam ficar aqui o tempo todo, se isso acontecer lhe peço que me avise para que eu os repreenda.

- Certo. Já descobriu alguma coisa sobre aquele assassino?

- Não… Fica bem difícil descobrir algo quando tenho que ficar aqui 24 horas por dia.

- Então vou contar o que eu sei sobre ele.

- Ah, isso seria de grande ajuda. – Disse em um tom sarcástico, o qual Ciel não notou.

- Ele trabalha como mordomo de minha tia e tem a total confiança dela, por isso está acima de qualquer suspeita. Mas já o peguei conversando com quem deveria ser seu chefe, eles pareciam não se dar muito bem.

- Então ele é um assassino contratado?

- Aparenta ser. Tenho a impressão que Madame Red tem conhecimento disso, mas…

Ciel parou de falar quando a acusação lhe pesou na consciência. Sebastian sabia que deveria ser difícil desconfiar da última pessoa de sua família, mesmo no estado debilitado que o menor se encontrava, a família sempre era um porto seguro. Sebastian saiu quando lhe foi dada a ordem e se dirigiu a recepção. Estava interessado nas visitas que a tia do garoto tinha feito, mas não ficou surpreso quando descobriu que ela só veio no dia do internamento e nem ao menos se despediu do sobrinho.

Era suspeito uma pessoa que pagou tão caro pelo melhor tratamento, não se dignar nem a ver como seu dinheiro estava sendo gasto. Mas por outro lado era melhor assim, dessa forma ela não poderia acusar Sebastian de estar alimentando a ilusão do menino. Voltando a sua sala, mal reconheceu seu espaço favorito. Os três enfermeiros tinham enchido aquele lugar de livros e notebooks, parecia mais um quarto de um universitário do que um escritório médico.

- Quando eu mandei pesquisarem doenças… O que os fez supor que poderiam usar minha sala?

- Aqui já é o nosso quartel general! – Disse Finny animado segurando um livro extremamente grande.

- “Nosso”? Certo, por hoje acho que está tudo bem. Mas é melhor arrumarem tudo depois.

- Sim!

Sentou na sua cadeira depois de jogar todos os livros no chão. Pegou um deles e foi ler sobre doenças mentais pela primeira vez na vida. Forçava sua cabeça tentando lembrar sintomas que Ciel apresentava enquanto os seus ajudantes mais brincavam do que procuravam.

(…)

- No final essas listas não serviram pra muita coisa…

- Desculpa, Sebastian! – Gritaram os três enfermeiros.

- Não tem problema, não foi uma boa ideia desde o começo…

As soluções estavam ficando escassas. Já tinha dois dias que procuravam doenças para explicar a enfermidade do garoto, mas nenhuma se encaixava. Até Sebastian estava ficando impaciente e ainda por cima tinha que cuidar daquele moleque.

As sete, o médico foi despertar seu paciente, mas pela primeira vez, ele estava bem acordado. Talvez estivesse entediado com aquela vida, pois sua única distração eram os livros. Ele olhava a paisagem do seu quarto que dava para o jardim do hospital o qual provavelmente ele nunca tinha pisado.

- Aconteceu algo, jovem mestre?

- Não. Apenas não imaginava que seria tão chato ficar aqui.

- O senhor pode andar pelo hospital ao invés de ficar no quarto.

Ciel voltou para cama e tirou a faixa da cabeça, a ferida já estava cicatrizada. Para ele, não fazia mais sentido continuar no hospital, queria enfrentar seus inimigos e fazê-los sofrer. Continuar ali só os faria pensar que ele era covarde.

- Sebastian, vamos sair daqui. Prepare tudo.

- Não será possível, jovem mestre. Com o braço quebrado o senhor não seria mais do que um estorvo para mim, além daqueles três. Aqui posso cuidar melhor do senhor.

Sebastian tentava manter seu rosto inexpressivo, mas era difícil, pois se o garoto insistisse, teria que acabar com o teatrinho. Mas não foi isso que aconteceu. Ciel encolheu-se ao ouvir a última frase do mordomo aparentando estar um pouco envergonhado.

- Está certo… Mas ainda é torturante ficar aqui.

- Se é este o caso, siga-me, por favor.

Ciel acompanhou o maior até o lado de fora do prédio. O jardim era lindo e estava completamente florido. Por ser um hospital, poucos apreciavam sua beleza, mas a partir daquele instante, Ciel se tornou o visitante mais pontual daquele pequeno Éden. Exatamente às cinco da tarde, sentava em um dos bancos e ficava até seu mordomo lhe chamar para o jantar.

Assim, passou-se duas semanas sem maiores avanços sobre a condição do menino, mas ninguém da equipe estava preocupado com a demora. Não tinham recebido um prazo para descobrir o problema e o paciente não estava correndo risco de vida. Era um dos casos mais tranquilos que havia ido para as mãos de Sebastian. Mas não estava relaxado por causa disso, aliás, ele trabalhava muito por culpa daquele garoto louco e mimado, que exigia doces e mais doces. E sempre perguntava quando voltaria a sua vida cotidiana e sobre uma fábrica de brinquedos.

Em um dia que parecia ser como qualquer outro, Sebastian estava indo acordar o garoto, mas apareceu alguém para tirá-lo dessa rotina. Ele se apresentou como Grell Sutcliff e era um jovem calado. O médico não viu razões para proibir a visita, por isso logo depois que o menino tomou o café da manhã ele anunciou o rapaz. Ciel nem ao menos perguntou quem era, apenas queria se livrar da monotonia de seus dias. Só não esperava que fosse aquele homem.

- Sebastian! Como pôde deixá-lo entrar?! Tire-o daqui! Mate-o!

O menino subiu na cama e sacou a faca que estava na bandeja da refeição que acabara. Sebastian ficou confuso, mas optou por tirar a visita de perto do paciente para o bem de todos. Quando já se encontravam a uma relativa distância do recinto de Ciel, o médico começou as perguntas.

- Posso tomar a liberdade de dizer que o senhor trabalha para a tia de Ciel?

- Oh, como sabia? Na verdade comecei o serviço há três meses, mas ainda estou me adaptando. Porém tudo ficou mais fácil sem o garoto.

- Eu imagino… A sua senhora veio?

- Não, ela mandou suas sinceras desculpas pela sua indelicadeza por não vir visitar o sobrinho, mas ela acha que ele ficara melhor sem vê-la.

- Por que ela acha isso?

- Ultimamente, o jovem Ciel tem acusado a tia de tramar matá-lo. Isso a consome muito, por isso ela prefere se ausentar até ele estar totalmente curado.

Sebastian preferiu o silêncio. Aquela mulher era ridícula. Ela encarava sua ausência como uma simples indelicadeza? Mesmo que ele a acusasse de tal crime, ela deveria ir todos os dias convencê-lo do contrário. Talvez se ela visse a expressão daquela criança ao falar daquele assunto, saberia a atrocidade que estava fazendo.

- Eu ainda não sei seu nome…

- Sim, isso sim foi uma indelicadeza. Meu nome é Sebastian, senhor Grell.

O médico não permitiu que aquele rapaz entrasse novamente no quarto de Ciel. Pessoas esquizofrênicas costumam implicar com desconhecidos, mas não gostou daquele mordomo. Algo lhe dizia que o garoto poderia não estar totalmente louco, talvez o rapaz lhe tivesse feito algum mal. Só poderia saber aquilo perguntando diretamente a Ciel, mas teria que ser com todo cuidado do mundo.

Entrou no quarto do menino, onde ele esperava com a mesma faca que apontou para Grell, mas ao ver quem se tratava, abaixou a guarda e Sebastian pôde se aproximar ficando ao lado de sua cama.

- Jovem mestre, desculpe pela inconveniência de hoje. Juro que não tornará a se repetir.

- É melhor que seja verdade.

- Desculpe por me intrometer, mas quando o senhor deixou de frequentar a escola?

- Há quatro meses. Logo depois que aquele jardineiro tentou me matar com o aparador de grama! Sabia que eles estavam infiltrados na escola!

- Perdão, mas… Ele realmente tentou lhe agredir com o objeto?

- Claro! Ele levantou e tentou golpear-me várias vezes! Foi sorte ter conseguido tomar das mãos dele!

Sebastian ficou sem saber em quem acreditar. Ciel não estaria louco o suficiente para inventar uma mentira daquelas, mas ficou com medo de aceitar aquela verdade. Respirou fundo e continuou com sua aproximação sorrateira.

- O senhor Grell começou a trabalhar para sua tia logo depois disso?

- Sim. Eles conseguiram invadir minha casa, mas confesso que eu não desconfiei no começo. Apenas quando ouvi a conversa percebi o perigo que corri durante aquele tempo.

- Claro… E ele… Não fez nada com você?

- Ele tentou me matar, se é isso que quer saber. Aliás, foi por isso que vim para cá, lembra? Pulei da janela, seu estúpido.

- Jovem mestre, ele lhe machucou com alguma parte dele?

Ciel ficou completamente vermelho ao ouvir aquela pergunta. Era óbvio o que Sebastian estava insinuando e qualquer garoto de doze anos saberia do que se tratava. Porém era vergonhoso ter aquela conversa com seu mordomo, por mais íntimo que fosse.

- É claro que não, seu idiota! Eu nunca permitiria!

O maior se aproximou ainda mais do paciente, quase o puxando pela roupa, mas conteve sua impaciência. Apenas se curvou para olhá-lo nos olhos.

- Não minta para mim, jovem mestre. Se aconteceu algo dessa natureza com o senhor, não poderei perdoar o responsável.

- Calado! Não estou mentindo! E por que está tão incomodado com isso?!

O mais velho não soube responder. Realmente não sabia o que o fazia agir daquela forma, afinal, nunca foi de se preocupar com o próximo. Usou a desculpa de ser um mordomo e zelar pelo nome de seu mestre, mas não convenceu Ciel e muito menos a si mesmo. Aquele assunto foi esquecido logo, não tinha porque insistir naquilo. Sebastian deixou o quarto do menino enquanto ele pegava um livro. Queria saber mais da vida do garoto e talvez a tia fosse a única pessoa que saberia lhe dizer todos os detalhes.

Saiu do hospital e seguiu o endereço deixado na ficha de Ciel. Encontrou um belo casarão construído à moda vitoriana. Ele foi recebido pelo rapaz que visitou o menino pela manhã e ele parecia bem acanhado, mas Sebastian interpretou isso como uma reação surpresa a sua presença.

A tia de Ciel estava e prontamente recebeu sua visita. Sebastian foi conduzido até uma sala onde eles tomaram chá por alguns minutos antes dele poder começar suas perguntas.

- Madame Ann, sinto muito, mas minha vinda até sua residência é pelo trabalho.

- Compreendo, pode ficar a vontade para perguntar sobre Ciel.

- Obrigado. A primeira coisa que eu gostaria de saber é quando ele deixou de tomar os remédios.

- Há mais ou menos dois meses. Ele vinha acusando meu mordomo de tentar matá-lo e que eu seria sua cúmplice, então não vi sentido em continuar com a medicação.

- Mas ele não demonstrou nenhuma melhora enquanto estava sendo medicado?

- De certa forma não. Ele deixou de ser tão obsessivo com essa história da rainha, mas continuou com um comportamento agressivo e atacando as pessoas.

- E fora a história do conde, das cartas da rainha e da mania de perseguição, ele tem alguma outra alucinação?

A mulher ficou séria. Isso deu ao médico um péssimo pressentimento. A de vermelho pousou sua xícara na mesa e pôs as mãos sobre os joelhos fitando seriamente o homem.

- Sebastian, o motivo que lhe escolhi para ser o médico responsável pelo meu sobrinho, não foi apenas o fato de você ter tratado dele no primeiro instante após o fático acidente. Parece que você foi uma presença muito forte para Ciel e ele insistia em dizer que você estava por todos os cantos. Há pouco tempo, eu o ouvia falando sozinho e citando seu nome como se o senhor estivesse presente.

O médico ficou assustado por um instante e isso foi visível pela sua expressão. De fato ele estranhara desde o início a casualidade com que Ciel o tratava. Eles eram completos estranhos, mas o menino falava como se conhecesse Sebastian há anos. Ficou abismado com a ideia de que uma simples medição de temperatura e uma ordem para que os enfermeiros se afastassem tivessem marcado aquele jovem. Porque para o médico, aquilo não significou nada.

- A senhora está dizendo que eu era uma das fantasias de seu sobrinho?

- Talvez a mais frequente delas.

- Isso esclarece várias coisas. – Eles ficaram mais um tempo em silêncio respeitando a seriedade daquela informação. Até que o rapaz se pronunciou. – Senhora, uma última coisa que eu gostaria de fazer antes de ir embora é ver o quarto do menino.

- Claro, qualquer coisa que for ajudá-lo na cura dele. Segunda porta a direita.

Sebastian não se incomodou por ela não ter a intenção de acompanhá-lo, era melhor ter a liberdade de ir lá. Quando abriu a porta, viu um quarto que poderia muito bem ter sido usado por um jovem da aristocracia inglesa e por uns instantes quase entendeu a alucinação de Ciel. Vários móveis decorados como no século 19 e, o móvel mais suspeito era uma mesa de estudos. Parecia que ninguém tinha permissão de entrar ali do contrário teriam arrumado aquela bagunça de papeis. A mesa ficava de frente para uma enorme janela, onde supostamente Ciel teria se jogado.

Ao examinar os documentos da mesa, viu que se tratava de desenhos de brinquedos. Todos tinham a assinatura de Ciel Phantomhive e o nome de sua fábrica de brinquedos: Funtom. Sebastian ignorou. O menino era inteligente, com certeza não teria deixado algo importante sobre a mesa, porém, não foi nesse dia que o médico descobriu a peça chave para curar o jovem.

Voltou para o hospital um pouco desolado e confuso pelas palavras de Angelina. Não foi encontrar Ciel nesse dia, apenas ficou o fitando de sua janela enquanto o menino passeava pelo jardim. Até seus três assistentes perceberam o clima estranho no escritório do jovem doutor, tanto que nem dormiram.

No dia seguinte, as seis da manhã todos se reuniram costumeiramente no escritório. Sebastian levou o quadro que usavam para ligar as doenças aos sintomas e começou a teoria que martelou sua cabeça a noite toda.

- Certo, senhores. Ciel tem esquizofrenia e isso é incontestável, mas sua tia alega que os remédios não surtiram efeito. Porém, ela mesma me disse, numa visita que fiz ontem, que o menino deixou de falar em condes e cartas da rainha no período que estava sendo medicado. Logo, suponho que os medicamentos tenham sim controlado a doença.

- Mas… Ele continuou agressivo e atacando pessoas. – Disse Mey completamente vermelha pela postura séria de Sebastian.

- Talvez ele tenha duas doenças! – Gritou Finny. – Então erramos quando fomos procurar os sintomas!

- Seu pensamento é certo, Finny. Se fizermos o que é óbvio, iremos procurar doenças mentais que tenham como sintomas mania de perseguição e mudança de comportamento.

- Então o que estamos esperando?! Vamos pesquisar! – Bard se levantou em uma pose heroica sendo aplaudido pelos outros dois.

- Esperem. Acho que devemos procurar o jardineiro que ele atacou e o mordomo da tia para sabermos melhor o que aconteceu. Sinto que estão nos escondendo alguma coisa.

Todos concordaram com a ideia. Marcaram para ir a escola no dia seguinte para pegar o contato e o endereço do faxineiro, mas por hora, Sebastian tinha que acordar seu jovem mestre. Porém, entrando no quarto encontrou Lau junto a Ciel acordado em uma discussão acalorada.

- Sebastian! Até que enfim! Tire este louco da minha sala!

- Calma, jovem conde. Negócios são apenas negócios. – Disse Lau se levantando antes que Sebastian o fizesse.

- Não sujarei o nome da minha família me juntando com algo tão sujo! Suma daqui!

Não foi preciso mais nenhuma palavra para que o chinês se retirasse e obviamente ele não escapou do olhar furioso do médico.

- Calma, mordomo. Eu não fiz nada ao seu mestre, apenas lhe preguei uma peça.

- O que você fez exatamente?

- Eu perguntei se ele gostaria que eu lhe livrasse de seu fardo. Estava apenas falando do gesso que já está na hora de ser trocado.

- Ele não precisa mais dos seus serviços, então o senhor pode parar de visitá-lo. É de meu conhecimento que o senhor tem passado algum tempo naquele quarto.

- Hum… Você não tem graça alguma.

Sebastian entrou no quarto de Ciel novamente e o garoto não estava em seu melhor humor. Pudera, afinal aquele homem tirava a paciência de qualquer um.

- Ele lhe incomodou, jovem mestre?

- Não é a presença dele que me incomoda agora. – Disse raivoso sem ao menos virar o rosto para seu médico.

- Suponho que eu lhe desagrado?

- Parece que pelos menos uma vez você acertou no palpite.

- Desculpe se algo em minhas atitudes foi contra seu gosto, jovem mestre. Estou dando o meu melhor para ajudá-lo.

- Não parece! Quem mandou você se ausentar ontem?!

- Se este é o motivo de sua raiva, posso lhe confortar dizendo que estava investigando sobre o mordomo de sua tia.

Ciel ficou branco. Por um instante recordou da última vez que esteve naquela casa. A forma que Grell chegou oferecendo chá logo antes de agarrar seus pulsos tentando cortá-los. Era para parecer um suicídio. Talvez se a janela estivesse trancada, teria morrido naquele dia. Foi bom não ter pensado duas vezes antes de pular.

- O-o que você descobriu?

- Realmente há algo muito estranho ali. Vou procurar saber mais amanhã.

- Ótimo. Dessa forma você deixa de ser tão inútil.

Moleque maldito, não me surpreende que queiram te matar. Sebastian concordou e se retirou o mais rápido que pôde, evitando dar um soco no paciente. Nunca tinha pisado em uma faculdade de medicina, mas bater num doente deveria ser errado. Com passos fortes e assustando todos no corredor, foi até sua sala e encontrou além dos três estorvos de sempre, um quarto tomando chá.

- Senhor Tanaka, a que devo a honra?

- Hohoho!

- Sebastian! Quem é ele?! – Perguntaram Finny e Mey assustados com o intruso.

- Não se preocupem, ele é o diretor do hospital. Mas não está na sua melhor forma.

- Como assim?! – Dessa vez foi Bart, o qual estava tão confuso que deixou seu fiel cigarro cair de sua boca.

Então o velhinho que estava apenas tomando chá levanta-se e encara Sebastian. Parecer outra pessoa era pouco para a transformação que Tanaka sofria quando queria falar sério.

- Sebastian, eu não queria ter que lhe reprimir, por isso esperei tanto tempo, mas saiba que estou ciente do seu novo paciente. Ele não é de qualquer família burguesa que conseguiu um pouco de dinheiro. Ele descende de uma longa linhagem de condes e seu nome está em evidência desde o acidente de seus pais.

- Eu sei disso. Então eu acho que não há ninguém melhor para tratá-lo.

- Espero que você realmente saiba com o que está lidando.

Ao falar isso, voltou a sua forma pequenina e inofensiva. O jovem médico deu meia volta para voltar ao quarto de seu paciente, pelo jeito, aquele se tornou o único lugar no hospital inteiro onde conseguia pensar. Passou o resto do dia conversando com Ciel sobre algo relacionado a Rainha, não prestou atenção no que o menino disse, apenas deu respostas prontas.

Nunca quis que o dia seguinte chegasse tanto. Quando finalmente tinha chegado a hora de coletar informações, Sebastian e seus três ajudantes foram até a antiga escola de Ciel. Era um casarão gigantesco e antigo, típico lugar de uma escola para riquinhos. Pelo o que entenderam, o homem pediu demissão logo após o incidente. Sebastian começou a desconfiar de tantas coincidências e com um pouco de jeito, convenceu a secretária a passar o endereço do ex-jardineiro.

No mesmo dia, eles foram até a casa do tal Ronald Knox. O cenário não poderia ser mais estranho, afinal, que pessoa sem nenhuma qualificação conseguiria morar em um prédio tão moderno?  Aquele bairro era talvez, o mais nobre da cidade, o que significava não poder contar com os vizinhos para saber os movimentos do suspeito. Ao entrar na recepção do prédio, se depararam com outra secretária os impedindo de continuar, mas esta também não se opôs quando Sebastian apresentou os motivos da visita.

A desconfiança crescia em cada um deles, entretanto Sebastian preferiu ir sozinho até o apartamento. Mesmo que fosse perigoso, ter aqueles três como aliados não era exatamente uma vantagem. Tocou a campainha imaginando que tipo de pessoa o receberia.

Suas expectativas foram destruídas quando um garoto com o cabelo mais estranho que tinha visto na vida surgiu. Para melhorar, o menino estava apenas com uma toalha lhe cobrindo as partes de baixo.

- Hum? O que foi?

- Senhor, desculpe se cheguei em má hora, mas sou um médico do hospital geral e tenho alguns assuntos pra tratar com você.

Ronald não fazia ideia de que Ciel estava internado, desde que pediu demissão, não ouvira falar no moleque, entretanto, se tivesse conhecimento dessa informação não teria permitido que Sebastian entrasse. Eles sentaram na sala e o rapaz de cabelos loiros e pretos ofereceu biscoitos ao médico, depois de uma mordida, Sebastian começou suas perguntas.

- Soube que o senhor teve um acidente de trabalho há algum tempo.

- Ham? Acidentes acontecem o tempo todo no meu trabalho e geralmente não são acidentes, sabe?

- Suponho que esteja se referindo ao jovem Ciel que tentou atacá-lo com seu instrumento de trabalho, correto?

O loiro pareceu pensar um pouco sobre aquela questão, parecia até não lembrar o ocorrido. Mas do nada seu rosto mudou de expressão e ele deu a entender que tinha recordado daquele assunto.

- Claro! O moleque me pegou de jeito! Não é qualquer um que consegue baixar minha guarda, mas ninguém imagina que um menino tão bonitinho vai te atacar!

- Então o senhor ficou distraído com a beleza de um menino?

- Não! Eu não dei tanta importância à ele porque me pareceu inofensivo.

- Eu poderia saber como o senhor conseguiu este imóvel de alto luxo?

- Ahh… Eu… eu… Estou dividindo com um amigo! – Sebastian ficou muito desconfiado com aquela resposta, principalmente porque o rapaz parecia ter pensado nela há poucos segundos.

- Poderia me apresentar seu colega de quarto, por favor?

- Claro! Will, vem aqui, por favor!

Em poucos instantes um rapaz jovem apareceu na sala trajando um terno e um olhar surpreso para a visita. Sebastian estava acostumado àquele olhar porque era assim que as pessoas reagiam ao vê-lo, mas sentia alguma coisa a mais naquele rapaz. Algo como reprovação por sua presença.

- Bom dia, senhor. Qual o assunto que tem para tratar?

- Sou médico do Hospital Geral e gostaria de obter algumas informações sobre meu atual paciente se isso não for incomodo.

- Não sabia que algum parente meu estava internado.

- Na verdade é o jovem Ciel, o garoto que agrediu o senhor Ronald em seu antigo emprego.

- Então acho que não temos nada a ver com isso.

Por um instante, Sebastian sentiu que aquele homem ia matá-lo apenas com o olhar. William fazia o tipo jovem empresário e não parecia ter paciência para as perguntas do médico, mas não era por isso que Sebastian iria desistir.

- O jovem Ciel sofre de esquizofrenia e não para de falar nesse ataque como se o senhor Ronald tivesse o iniciado. Logo tive que vir analisar todas as possibilidades.

- Se ouvi direito, o menino tem alucinações, então o suposto ataque foi algo da cabeça dele, ou o senhor está insinuando que meu colega tenha realmente o agredido?

- Não é algo impossível, o senhor deve saber.

- Se tem alguma queixa, vá a delegacia. Eu tenho que ir trabalhar, alguém tem que pagar as contas dessa casa. – Lançou um olhar direto para o seu companheiro de apartamento e saiu sem ao menos dar satisfação à visita.

Depois disso Sebastian também foi embora muito desconfiado da inocência daquelas pessoas, só que não pôde contar isso aos seus ajudantes pelo bem de sua sanidade. Mas ele sabia. Quem não deve não teme, logo aqueles dois estavam escondendo alguma coisa e tinha que descobrir pelo bem de Ciel… Ou melhor, de seu emprego e seu título como melhor médico da Inglaterra.

O dia seguinte foi seu dia de folga, deixou Ciel previamente avisado de sua ausência e tentou o máximo manter sua mente ocupada para não pensar no assunto, mas a imagem do pequeno sempre voltava para sua cabeça. Sua doença foi a primeira que conseguiu deixá-lo ocupado por tanto tempo. As peças não se encaixavam. Uma hora estava doente, outra curado apenas de certos sintomas para depois voltar a ficar doente, o que causaria tantas mudanças.

Traumas psicológicos certamente não faltavam para o jovem. Seus pais morreram em um acidente o qual ele saiu gravemente ferido e sabe-se lá Deus o que mais aconteceu. Supostamente sofreu tentativas de assassinado, a última delas teria resultado na internação. Ele tinha esquizofrenia, mas o quadro diminuiu enquanto estava sendo medicado, então deveria ter outra doença que afetasse sua personalidade e o deixasse agressivo. Transtorno bipolar? Talvez sim se já não tivesse descartado essa hipótese.

Já passava das dez quando Sebastian pensou em algo novo. Ciel poderia ter várias doenças, incontáveis para tudo o que já sofreu, mas e se tivesse apenas esquizofrenia? Assassinaram seus pais e por pouco ele saiu da emboscada com vida, talvez estivessem tentando terminar o que não conseguiram fazer na primeira vez. O mais rápido que pôde, o jovem médico seguiu para o hospital, esperando estar terrivelmente enganado em suas suposições. O local já estava vazio, exceto por um outro médico, guarda ou faxineiro que fazia plantão ou estava terminando seu turno.

Certamente ninguém que estava ali poderia ter detido ou feito a pessoa de cabelos vermelhos pensar duas vezes antes de entrar pela janela e seguir calmamente até o quarto onde o pequeno Ciel dormia tranquilo com a faca que sempre deixava embaixo da cama. Essa pessoa já sabia o dia de folga do irritante médico que o impedira de terminar seu trabalho antes, porém, esse serviço interminável acabaria.

- Está fora do horário de visita, senhor Grell.

- Ahh, Sebastian… Toda mulher adora homens que reparam quando ela muda o penteado, sabia?

- Mulheres fúteis a esse ponto não me interessam. Posso saber o motivo de sua visita inesperada?

- Sebastian, você é um homem muito esperto, por isso está aqui, justo no seu dia de folga. Você deveria descansar mais, sabia? Uma vez por mês vai acabar te matando de cansaço.

- O trabalho me distrai. E creio que o senhor é quem irá me matar de tanta curiosidade pelo motivo da visita.

- Sim, meu querido, em uma coisa você está certo. Eu realmente vou lhe matar.

Com isso Grell sacou uma espada e atacou o médico que desviou dos golpes rapidamente. Sebastian tinha praticado a maioria das lutas, mas um combate daquele nível estava acima do seu nível, além é claro, da desvantagem de estar desarmado.

- Sebby, meu bem, eu sabia que não seria uma presa fácil, mas está me surpreendendo!

- Obrigado. Não tenho interesse em morrer esta noite.

- Nem eu pretendia matá-lo. Por isso mesmo escolhi seu dia de folga! – Grell colocou as mãos na cintura reclamando com o médico e balançando seus cabelos. – É um crime matar um homem tão bonito.

- Se quisesse realmente me matar, teria usado uma arma de fogo. Por que não acaba logo com isso?

- De forma alguma! Não há nada de belo em uma arma! Faz um furo de nada e sai pouco sangue! Eu gosto das curvas das espadas, o toque dela na carne humana, dos gritos de horror… Muito mais bonito do que uma arma! Seja romântico, Sebby!

Durante o discurso, Sebastian aproveitou para dar um soco de direita na barriga do mordomo, mas não surtiu o efeito que esperava. O homem ruivo começou a rir com prazer doentio e olhou para o médico ainda mais animado com a situação.

- Foste o primeiro homem a me tocar durante um combate corpo a corpo, Sebby! Espero que assuma a responsabilidade!

Com isso esfaqueou o braço do médico, que ficou tonto com a dor que sentia. Sebastian se apoiou na parede e se deixou cair olhando o assassino se aproximar com um sorriso imenso.

- Não vê? A dor não é linda? Ela faz até um homem como você se ajoelhar perante a mim. Não há como não amá-la! – Se aproximou do rapaz caído e ficou olhando aqueles olhos transbordando de ódio. – Não fique chateado, Sebastian, negócios são negócios. O seu é salvar vidas, o meu é tirá-las, não há como nossa história ter um final feliz.

- O que está dizendo, seu doente?

- Até Shekespeare lamentaria nosso destino. Não é uma bela história de amor? Mas... “De tanto te acariciar, podia até matar-te. ‘Adeus’, calca-me a dor com tanto afã, que ‘boa noite’ eu diria até amanhã”. Boa noite, meu amado Sebastian!

Quando ele levantou sua espada para tirar a vida do médico, ouviu-se um disparo de arma e a expressão do assassino finalmente mudou. Não era de dor, mas certamente ficou surpreso com o ataque.

- Eu lhe disse que era perigoso, Sebastian. – Foi apenas isso que o diretor disse antes de dar meia volta e caminhar para sua sala. Sebastian não conseguiu impedir o sorriso em seus lábios.

- Que morte feia… - Sussurrava Grell, por cima de Sebastian completamente ensanguentado. – Logo eu que sempre odiei armas de fogo, serei morto por uma delas. Não é o mais trágico?

- A morte lhe cai tão bem quanto o vermelho. Devia estar feliz com a junção dessas duas coisas… A Lua deve estar verde de inveja.

- Só você mesmo para tornar isso algo belo. Sebastian, “risca teu nome e, em troca dele que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira”.

Sebastian levantou e jogou o rapaz sobre si ao chão de forma brusca, mas não ouve reclamação. Mesmo com a roupa coberta de sangue e a dor lhe torturando, precisava ver se Ciel estava bem. Sem mais delongas, entrou no quarto e fitou o pequeno conde dormindo tranquilamente, alheio a tudo que estava acontecendo. Sebastian acabou sentando em frente a porta e dormindo ali mesmo, completamente ensanguentado e com um remédio de esquizofrenia em mãos.

O médico acordou com Ciel lhe encarando com uma mistura de horror e preocupação, mas estava paralisado, provavelmente algum trauma com sangue. O mais velho levantou, sorriu, passou o remédio para o pequeno e se retirou. Aquele menininho receberia alta na próxima semana, Sebastian falaria para a tia do ocorrido e nunca mais se veriam. Talvez ela o levasse para o exterior para ter mais segurança, talvez ela, como o menino dissera, estivesse envolvida nos crimes e deixaria o menino ser visto como um doente irreparável que morreu devido às suas alucinações. No entanto, uma coisa era certa: eles nunca mais se veriam.

O que ocorreu depois que Ciel foi embora nem sequer passou pela cabeça de Sebastian. A sua tia Angelina lhe internou em uma clínica psiquiátrica. Provavelmente não tinha tempo para uma criança problemática entre tantas festas e convenções sociais. Logo depois disso Sebastian largou o emprego no hospital mais renomado de Londres sem apresentar justa causa. Mas disso Ciel não soube de imediato.

Sim, agora o pequeno conde andava entre as paredes monocromáticas brancas acompanhado de duas enfermeiras. Olhava para os lados e via aquelas pessoas estranhas que não conseguiam nem ao menos falar e negava-se a acreditar que estava no mesmo estado que elas. Ele sabia que tinha esquizofrenia e estava se tratando, tinha consciência da realidade e da fantasia, não precisava estar ali. Então olhou para frente e viu um homem alto também de branco, mas com cabelos pretos. A única coisa que se destacava naquele cenário. Foi apenas aquele homem lhe olhar que Ciel deu um pulo para trás.

- A quanto tempo, jovem Ciel. Você cresceu?

- Não… O que está fazendo aqui?

- Trabalhando, oras. É bem mais tranquilo que o hospital, entende? Quase morri salvando a vida do meu último paciente.

- Não foi culpa minha! – Disse Ciel fechando o rosto e olhando para o lado. – Ainda dói onde ele te feriu?

- Apenas uma pequena cicatriz para contar a história. Preocupado?

- De forma alguma! – Ciel passou pelo médico fitando o chão fracassando em esconder o rubor de seu rosto. – Não vai gostar daqui, nunca acontece nada.

- Quem sabe, não é? – Sebastian sorriu da forma mais peculiar de todas. Levantando apenas as extremidades dos lábios e abaixando um olhar. Uma pessoa normal pareceria um maníaco ao fazê-lo, mas não Sebastian. - Gostaria de me acompanhar no chá da tarde?

O pequeno o olhou por cima do ombro calculando se o convite representaria algum perigo. Meio segundo depois, bufou e disse:

- Só se tiver bolo de chocolate.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo é um presente para a aniversariante de hoje, a Lirium-chan. Feliz aniversário~
Espero que todos tenham gostado da primeira one-shot. Haverá várias outras, só lembrando que foram inspiradas nos plots feitos pela Toboso em cada volume do mangá.
~Kissus~