I Need... escrita por Aurora


Capítulo 1
Capítulo 1- Anneliese "I need to be perfect"


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.



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Era a última sexta-feira das férias de Verão. As pessoas que passeavam pelo parque da cidade gozavam o agradável calor do final de tarde estendidas na relva, passeando crianças. Havia cães a correr, rapazes a jogar à bola, crianças a brincar na caixa de areia, mães a empurrar carrinhos de bebé no caminho junto ao lago. No auditório ao ar livre localizado longe do rebuliço do caminho principal do enorme parque central ouvia-se o afinar dos instrumentos e as pessoas começavam a ocupar os seus lugares. A academia de dança e a orquestra da escola de música da cidade apresentariam nessa noite um espectáculo de angariação de fundos. Nos bastidores, Anneliese Murray, a mais recente estrela da academia de dança, vestia-se sossegadamente a um canto. O maillot cor-de-rosa claro bordado a fio prateado e pontilhado por pequenas pérolas que abria como uma flor numa saia de tule cor de rosa era perfeito para o papel de Clara em "O Quebra-Nozes" que ela iria dançar em breve e assentava-lhe maravilhosamente. Mas por qualquer razão Anneliese não olhou para o espelho enquanto o vestia.

POV Anneliese

Estava a apertar cuidadosamente as sapatilhas de ballet quando as ouvi chegar. Amber e as suas amigas. Elas iriam dançar o ballet das fadas e riam alto dizendo piadas e trocando dicas de maquilhagem. Tentei ignorá-las sem sucesso tal como tinha feito todos os dias desde que pusera pela primeira vez os pés na academia de ballet no início do Verão. Molhei ao de leve os lábios na minha garrafa de água e aumentei ligeiramente o volume do meu mp3. Tentei concentrar-me na música de Tchaikovsky que em breve teria de dançar enquanto apanhava os meus caracóis castanhos-claros num delicado coque na nuca tentando que não me escapasse nenhum mas na minha mente surgiram as recordações daquele primeiro dia.

Flashback On

Tinha chegado à cidade há apenas dois dias. O trabalho da minha tia obrigara-nos a mudar novamente de casa. Gostava desta casa, gostei do meu quartinho cor-de-rosa assim que desempacotei as minhas coisas e ele voltou a parecer o meu quarto. A minha tia tinha cumprido o prometido e tinha-me inscrito na academia de ballet antes de nos mudarmos. Apesar de nervosa lá enfrentei o dia solarengo e dirigi-me para o edifício que durante todo o Verão faria parte da minha rotina. Felizmente não me perdi e cheguei a horas à aula. Todos os nervos, toda a ansiedade, todo o medo por estar numa nova cidade, numa nova turma por ter de enfrentar a sensação de ser a miúda nova outra vez se desvaneceram no instante em que a professora de ballet clicou no botão de "play" e ordenou que nos agarrássemos à barra e começássemos osbattements. Já não era a Liese, era a bailarina. Estava no meu elemento.

No final da lição a professora corrigiu toda a turma mas elogiou-me. Senti as faces a arder um misto de nervosismo e contentamento. Mas percebi que nem toda a gente tinha ficado satisfeita com os elogios. No balneário, Amber uma loira encurralou-me e deu-me a entender que a ali a bailarina principal era ela. E que se eu estava com ideias de lhe roubar esse lugar era melhor pensar duas vezes. Porque como ela salientou até podia dançar bem mas não passava de uma criaturinha sem graça, feia e além disso gordinha que nunca poderia fazer o papel principal. Depois empurrou-me e ela e as amigas saíram a rir.

Flashback Off

Mas Amber enganara-se. Eu fora mesmo escolhida para o papel principal embora não tivesse emagrecido tanto quanto desejaria durante o Verão. E isso só aumentou o ódio que ela sentia por mim. Todos os dias, o Verão inteiro, ela arranjara maneiras diferentes de me atormentar. Se calhar podia ter desistido, mas eu amo ballet de uma maneira que não amo mais nada. Dançar, praticar é a minha maneira de manter o equilíbrio de ainda ser eu. Eu não conseguia não dançar ballet. Como a minha tia diz, está-me na alma. Mas hoje nada disso importava a Amber neste momento não importava. Dentro de minutos eu não seria mais a Liese assim que a música começasse eu iria dançar e transformar-me na Clara. A protagonista d'O Quebra-Nozes.

POV Nathaniel

Todos os anos desde que me lembro venho assistir ao espectáculo de angariação de fundos das academias de música e dança da cidade. De facto, tendo herdado há poucos anos a fortuna do meu avô sou um dos maiores benfeitores da organização contra os maus-tratos infantis para quem reverte o dinheiro angariado.

Sento-me no meu lugar e tento abstrair-me de que provavelmente a minha detestável meia-irmã protagonizará novamente o espectáculo da Academia de Dança. Mas ao abrir o programa que anuncia que o espectáculo dessa noite é “O Quebra-Nozes” reparo que o nome da bailarina que vai fazer o papel de Clara é Anneliese Murray. Parece que o espectáculo vai ser melhor do que eu esperava.

Os meus olhos vagueiam pela plateia e descubro o meu pai e a minha madrasta na primeira fila. A minha madrasta parece um pouco descontente provavelmente por a sua preciosa filhinha não ter o papel principal. E só faz com que o meu sorriso aumente. Detesto aquelas duas e não tenho problemas em admiti-lo.

Mas esqueço-me de tudo quando a orquestra faz soar os primeiros acordes de Tchaikvosky e o bailado começa. A tal Anneliese é perfeita para o papel, tem um ar doce e inocente, e dança com uma delicadeza e uma elegância como eu nunca tinha visto. Fico preso aos seus passos, os seus movimentos são tão naturalmente graciosos que penso que normalmente ela não deve andar mas dançar. Eu aprecio ballet mas nunca bailarina alguma prendeu assim os meus olhos ao palco, nunca me tinha sentido de tal modo envolvido na história sem palavras que é um bailado.

Para mim o bailado acaba depressa demais…nem dei pelas horas a passar, nem pela suave luz do crepúsculo que agora banhava o auditório. O público aplaudia de pé o fim do espectáculo e a directora de ambas as academias felicitava a actuação de todos os alunos e informava os espectadores da fantástica verba conseguida com aquela iniciativa.

Depois todos dispersaram. Lentamente, levantei-me do meu lugar e fui andando pelo parque. A minha casa fica num dos extremos do parque, num sítio sossegado, é uma velha mansão familiar recentemente reabilitada. Fica mais perto da cidade do que pode parecer mas tem um certo isolamento que aprecio. E tem a vantagem de por ter pertencido às pessoas que ordenaram a construção do parque ter uma discreta porta de acesso directo para o mesmo. E era por essa entrada que tencionava entrar hoje especialmente porque precisava da calma caminhada pelo parque agora relativamente silencioso para deixar que o feitiço em que o bailado me mergulhara se desvanecesse lentamente.

Já estava a chegar a casa quando ouvi um barulho no meio dos arbustos. O som desagradavelmente familiar do vómito e um choro convulsivo. O meu instinto médico fez-me correr para o meio dos arbustos onde me esperava um espectáculo inesperado. Reconheci-a imediatamente. A graciosa figura que vira em palco ainda há pouco estava agora debruçada sobre si própria a forçando o vómito e enquanto as lágrimas lhe escorriam em catadupa pelas faces. Por um momento, nem me consegui mexer tamanha foi a surpresa. Acho que nunca na minha vida tinha visto algo tão parecido com um anjo caído. E depois corri para a ajudar…

POV Anneliese

Estava ajoelhada em frente a uma árvore num canto qualquer daquele parque, a esvaziar o estômago. Pela milésima vez naquele Verão. Na minha mente só passavam em repetidamente as palavras de Amber. “Eu ouvi a minha mãe e o presidente da câmara a comentar que se ela fosse mais magrinha o espectáculo seria muito mais melhor e que nunca tinham visto uma Clara tão rechonchuda. Ele estava mesmo a dizer que não percebia porque é que eu não tinha ficado com o papel que certamente me assentaria muito melhor.” Só quis fugir, correr até ficar cansada e esconder-me onde ninguém me visse. Tirei o fato de ballet o mais calmamente que consegui e depois vesti-me à pressa. Assim que me vi livre no parque comecei a correr na direcção exactamente oposta à minha casa. Não que importasse…a minha tia só voltava daqui a dois dias, não estava ninguém à minha espera. Eu não era assim tão importante.

Nunca devia ter comido aquela sandes…devia ter-me ficado só pela maçã. E eu sabia que toda aquela água que eu tinha bebido me ia deixar inchada. Já só saía bílis mas eu tinha de ter a certeza de que tinha acabado, que já não havia nem mais um pedacinho de comida dentro de mim.

Senti duas mãos sobre os meus ombros agarrando-me delicadamente. Virei lentamente a cabeça e acho que vi um anjo, porque o luar reflectiu-se num rapaz de cabelos loiros. É a última coisa de que me lembro porque tentei levantar-me e de repente…ficou tudo muito escuro.


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Notas finais do capítulo

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