Downtown Girl escrita por VivianeCahill


Capítulo 4
A escola infernal


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, mais um capítulo para vocês, espero que gostem XD



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Três semanas. Esse foi o tempo máximo para o autocontrole de Piper. Trancada por se recusar a conhecer algo interessante sobre sua nova “casa”, a garota vinha sendo vítima do tédio diariamente e esse mesmo tédio vinha minando suas barreiras contra o país uma por uma. Para uma pessoa criada na parte mais agitada de Londres, frequentadora – e muitas vezes anfitriã - das maiores festas, ficar presa em casa três finais de semana seguidos era pior do que tortura. E foi por isso que num sábado à noite, com sua blusa dos Rolling Stones, uma jaqueta de couro e o orgulho ferido, ela abriu a janela do quarto e esgueirou-se para fora da mansão.

Sabia que Carlos tirava folga aos sábados, então teria o carro da avó à sua disposição. Não pretendia ir muito longe - sabia que provavelmente se perderia novamente se tentasse – só queria se ver livre das paredes da mansão por alguns momentos. Não é como se fosse se apaixonar pelo país apenas por dar algumas voltas no quarteirão.

Ela andou cautelosamente pelo jardim bem cuidado, evitando lugares onde sabia que o alarme a delataria, e se dirigiu até a garagem. As chaves queimavam no bolso da sua calça jeans e as mãos suavam. Apertou o botão do controle para abrir a porta e olhou por algum tempo o carro reluzente dentro daquela garagem bem cuidada. Até parece que nunca fez isso antes Piper, ralhou consigo mesma e obrigou-se a andar até a porta dianteira do carro. Desativou o alarme e sentou no banco do motorista em seguida. Hesitou em pegar o volante por alguns instantes, mas depois agarrou-o com a determinação que costumava ter e ligou o motor, que não fez barulho suficiente para acordar alguém na casa.

A sensação de estar fora da mansão foi de extremo alívio. Piper sabia que não eram as conhecidas ruas de Londres que estava percorrendo, mas estar no volante de um carro que não lhe pertencia era reconfortante e familiar. Não possuía carteira, mas costumava pegar um dos carros do pai sempre que queria andar pela cidade. Ele ficava uma fera quando ela voltava, mas a garota se sentia satisfeita pelo resto do dia, apesar do sermão que recebia. Ou da tentativa de um.

E assim, ao descobrir que gostava de andar por aquelas ruas de madrugada, passou a fazer isso com mais frequência, aventurando-se a ir cada vez mais longe. Quase fora pega por policiais uma vez, mas conseguira despistá-los a tempo. Isso ajudava a se esquecer da tortura que passaria a sofrer em alguns dias, quando as aulas malditas começariam. Na sua cidade natal seria uma veterana, conhecida por praticamente toda a escola; aqui, apenas mais uma aluna no meio de tantos. Esse pensamento a fazia apertar o volante com força, até os nós dos dedos ficarem brancos.

***

– Acorda, flor do dia. - Piper grunhiu, colocando a cabeça embaixo do travesseiro para impedir que fraca luz do sol que entrava pela janela recém-aberta perturbasse o seu sono. - Vamos, acorda Piper. Você não quer se atrasar para a escola, não é?

Sentiu a avó acariciar seu cabelo, mas recusou-se a levantar. O dia que tanto odiava chegara mais rapidamente do que pensava. Choramingou algo incompreensível contra o seu travesseiro, enquanto batia as mãos na cama, irritada. Sentou-se, contrariada, com a animação de um zumbi. Há alguns dias esse entusiasmo vinha sendo frequente no cotidiano da garota e ela pegou-se pensando se não tinha se transformado em um zumbi sem perceber. Já estava no Brasil a um interminável mês, esperando o começo das aulas como um animal esperando a hora do abate. Não se atrevia a fazer mais coisa do que pegar emprestado o carro da avó e sair dirigindo. E se começasse a tomar gosto pelo país? Não, melhor manter-se isolada de toda aquela brasilidade mesmo.

Olhou ao redor, grogue de sono, analisando o quarto e vendo que o sol ainda estava baixo. Observou o relógio do celular e viu que eram cinco e meia. Bufou e passou as pernas para fora da cama, calçando suas pantufas que imitavam a cara de um diabinho. Tinha comprado para combinar com o país, que, para ela, era o próprio inferno. Se não fosse, por que teria escolas que começavam as aulas de madrugada? Bom argumento, pensou ela, talvez eu o use quando minha avó tentar me fazer sair de casa de novo.

Andou até o armário e pegou uma toalha para tomar banho, seguindo para o banheiro logo em seguida. Fechou a porta com o pé, encostando-se a ela inconscientemente e fechando os olhos em seguida. Apenas se deu conta que estava tentando tirar um cochilo ali quando acabou por cair no chão do banheiro. Não se pode nem tirar um cochilo sem se machucar hoje em dia, pensou. Levantou-se com um suspiro, apoiando-se na pia para olhar o seu estado no espelho.

— Mas que porra é essa? – assustou-se ao ver o cabelo cheio de nós e amassado. Não tinha jeito, teria que lavá-lo hoje de manhã.

Entrou no chuveiro, praguejando quando se esqueceu de ligar a água quente. Era impressionante como fazia frio pela manhã cedo e ao meio dia já estava um calor dos infernos. Esse país não é normal, sério. Secou o cabelo até que ele parecesse apresentável, e andou de roupão até as portas duplas com o símbolo dos Rolling Stones que era o seu closet.

A decoração do quarto a tinha distraído pelas primeiras duas semanas. Sua avó tinha dado carta branca para que ela fizesse o que quisesse, coisa que conseguiria a muito custo com o pai. Não perdeu tempo e tratou de encher de pôsteres de suas bandas preferidas, cores fortes e detalhes que só ela entenderia. Com muito custo, a avó a convenceu a colocar uma mesa de estudos, mas Piper decidira que serviria apenas de enfeite. O closet era maior do que o que tinha em Londres então, mesmo colocando todas as suas coisas nele, ainda sobrava algum espaço. Preciso de mais roupas e sapatos para preencher isso, a jovem pensou, enquanto olhava distraidamente os cabides tentando achar algo para vestir.

Escolheu uma camiseta de alguma banda que não se deu ao trabalho de identificar, uma calça jeans rasgada e uma ankle boot preta de tachinhas. Era o seu primeiro dia na escola infernal e, apesar de tudo, precisava ser notada. Não entendia como existiam pessoas que não gostavam de chamar a atenção. Para quê passar a vida toda sendo mais uma na multidão? Você tem mais é que fazer as pessoas lembrarem o seu nome, se lembrarem de você. Passar a vida toda sem ser notada é o mesmo que não ter vida, pensou consigo mesma ao vestir-se. Pegou uma bolsa carteiro, jogou um caderno, seu estojo, e mais um monte de coisas lá dentro que pretendia colocar no seu armário.

Pegou um chapéu Fedora e um cachecol fino que pareceram completar a roupa perfeitamente. Poderia guardá-los no armário depois quando o tempo esquentasse. Desceu as escadas em direção à cozinha para comer alguma coisa. Alimentou-se, entrou no carro e colocou seus fones de ouvido, apertou o play e escutou alguma música aleatória soar em seus ouvidos. Não se preocupava em cantar junto ou sequer identificar a música, apenas queria distrair-se antes de chegar à escola sobre a qual a avó falava-lhe constantemente.

O prédio parecia ser grande e bem cuidado. A fachada era azul, branco e verde e alguns alunos uniformizados conversavam distraidamente na calçada em frente à escola. Piper engoliu em seco ao lembrar-se que teria que usar uniforme a partir de agora. Respirou fundo, dizendo a si mesma que já tinha enfrentado coisas piores, e abriu a porta do carro. Bastou colocar os dois pés para fora do carro, para o motorista dar partida e ir embora. Nossa, também te amo Carlos, pensou ironicamente, enquanto arrumava a bolsa no ombro e entrava na escola.

Por dentro, a escola conseguia ser bem maior do que parecia. Não tinha quase ninguém na entrada além dos poucos alunos na calçada, mas logo que Piper entrou no prédio principal, pôde notar muitos alunos andando para lá e para cá ou sentados conversando em algum lugar do pátio. E o que a assustava mais, por mais que odiasse admitir estar assustada, era que todos eles, sem exceção, usavam uniforme. Pelo jeito ela teria que, sozinha, iniciar a revolução contra aquele uniforme esquisito.

Não fazia ideia de onde era a sua primeira aula, então resolveu passar na secretaria para perguntar. Andou de cabeça erguida pelo meio dos alunos, ignorando os cochichos por onde passava. Já estava acostumada com isso. Entrou numa sala que tinha uma placa dizendo “secretaria” em letras garrafais e se direcionou até o balcão.

— Com licença – a garota falou, ainda com um sotaque inglês forte para a mulher com um rabo de cavalo atrás do balcão. – Eu querer meu horário. Piper Hollbrooke.

— Nós divulgaremos o horário das aulas em cada sala, não se preocupe.

— Mas eu preciso da horário para saber qual sala ir. – falou revirando os olhos, retirando os óculos. – E também da número do meu armário e senha. Por falar nisso, onde estar os armários? Eu não vir eles em lugar alguma.

— Ah, você deve ser a novata britânica.

— Correto. E agora o novata britânica precisa do horário, do armário e do senha. – Piper deu um sorriso cínico, enquanto a mulher começava a rir.

— Você está muito longe de casa, florzinha. – ela continuava a rir, mas parou quando Piper lhe lançou um olhar mortífero.

— Eu parecer um florzinha para você? – a jovem retrucou apoiando-se no balcão e viu a mulher negar ligeiramente.

— Aqui não temos armários, senhas e nem horários diferenciados para cada aluno, senhorita Hollbrooke.

— Sem armários? E como eu guardar meus coisas? Eu ter que trazer um mochila com todos os livros do dia? – a garota falou em tom de deboche, a mulher deu de ombros e Piper bufou irritada. – Holy shit. Era só o que me faltava.

— Você dobra aqui à direita e logo vai achar uma escada. Suba e vai dar num corredor. É a última porta. Tenha um bom dia. – a mulher falou sorridente enquanto a garota dava meia volta recolocando os óculos, irritada.

Ouviu a mulher comentar o quanto tinha sido hilária a sua pergunta com os companheiros de sala, mas não deu importância. Tinha coisas melhores para se preocupar. Tipo, como aqueles sapatos não pareciam ser feitos para subir escadas. Nem rampas. Quem projeta essas escadas e rampas não pensa nas pessoas que usam salto alto não?, pensou cansada, enquanto finalmente chegava até o último degrau. Não aguentaria subir aquelas escadas todos os dias. Tirou o cachecol, guardando-o na bolsa e caminhou até a sala, sem dar a mínima para os olhares que todos no corredor lhe lançavam. Até parece que nunca tinham visto alguém bem vestido. Tirou os óculos do rosto, pendurando-os na blusa e entrou na sala.

Assim que entrou, notou que todos pararam de conversar. Acompanharam com os olhos Piper se sentar na quarta cadeira da fila da parede, pendurar a sua bolsa no gancho do assento e tirar o telefone novo da bolsa, mexendo nele enquanto a aula não começava. Ignorou todos, até que a sala começou a encher e consequentemente, pessoas vieram sentar ao seu redor. Levantou os olhos e notou que estava sentada bem no meio de uma rodinha de garotos. O que estava ao seu lado a olhou longamente, desviando a atenção para frente assim que a professora entrou. E ela pensava que não podia piorar.

Era uma senhora de meia idade, de cabelos pretos, lisos, presos em um rabo de cavalo e algumas sardas no rosto. Tinha um sorriso simpático, mas até o “Bom dia” que ela dizia parecia irônico para a jovem. Afinal, o que tinha de bom naquele dia? Nada. Não tinha nada de bom. Último ano numa escola nova que não tinha armários, onde alunos usavam um uniforme sem graça, e onde as secretárias adoravam rir das dúvidas dos alunos. Aquela escola era um inferno, assim como o país. Acalme-se Piper, só mais alguns meses e você estará livre disso, tentou consolar a si mesma, repetindo isso como um mantra. Apenas quando o garoto ao seu lado cutucou o seu braço, percebeu que a professora tentava chamar a sua atenção.

What? – Piper respondeu sem querer em inglês e se puniu mentalmente. – Quer dizer... Sim?

– Como você se chama?

– Piper. Piper Hollbrooke.

– Desculpe?- a professora perguntou confusa e Piper revirou os olhos.

– Piper. P-I-P-E-R.

– Onde você estudava antes de vir para cá, Piper? – ia começar tudo de novo. Todo aquele teatro que faziam com os novatos. Respirou fundo antes de responder.

– Londres. – a garota respondeu laconicamente. As sobrancelhas da professora se ergueram em surpresa.

– Percebi pelo seu sotaque que não era daqui. Então, porque veio para o Brasil?

– Eu não acho que isso seja da conta de ninguém nesse sala. – falou prontamente, enrolando o fio do seu fone e colocando-o ao lado do estojo.

– Parece que alguém acordou de mau humor hoje. – a professora falou e a turma riu. – Bem, a senhorita deve ter sido informada que chapéus não são permitidos na sala de aula.

– Bem, eu gostar de pensar que os regras existem para ser quebrados.

– Você quer quebrar as regras? Tudo bem. Mas faça isso em outra aula, na minha não. – a garota encarou a mão estendida da professora e, contrariada, entregou o Fedora a ela. Pegou seu caderno dentro da bolsa. Que diabos de escola era aquela em que não se podia nem usar um mísero chapéu?

A professora continuou com as perguntas aos novatos, que não eram muitos, e começou a sua aula. Ela ensinava português, e pelo que Piper viu nessa primeira aula, era uma matéria muito, muito chata. Assim como todas as outras três até que finalmente chegou o intervalo. Piper soltou um suspiro de alívio, pegou o telefone recém-devolvido a ela e entrou no twitter. Com fone de ouvido, óbvio. Não queria ninguém puxando papo com ela.

– Er.. Oi. – a jovem fechou os olhos, contando até dez mentalmente para se acalmar. Por que aquele indivíduo que estava ao seu lado estava tentando falar com ela? Será que ele não entende que quando uma pessoa está com fones de ouvido não quer ser incomodada?

– Oi. – falou sem nem ao menos tirar os olhos do aparelho.

– Hum... Blusa legal.

– Obrigada.

– Hum...Você vai comer? Eu e os meninos estávamos indo até o refeitório e você podia ficar com a gente...

– Estar de dieta, obrigada. – A garota deu o sorriso mais plástico que pôde para o rapaz, e voltou a olhar o celular.

– Mas você não precisa de dieta – o garoto falou de um jeito que Piper detectou como sendo uma cantada. Não importa em que parte do mundo você esteja, que idioma eles falam lá, você sempre vai conseguir distinguir uma cantada de um comentário normal. Ela levantou os olhos do telefone, analisando o garoto com um meio sorriso.

– Bom... Isso ser eu quem decide. – falou convicta e viu o sorriso presunçoso do garoto sumir e ser substituído por outro meio envergonhado.

– Ok então. A gente se vê por aí. – o rapaz passou a mão pelo cabelo nervosamente, se levantando e andando até a porta onde um grupinho de uns três rapazes observava tudo. Pelo rosto deles, o garoto devia estar mandando uma mensagem como: “Abortar missão”, porque eles rapidamente desapareceram de lá.

Mais duas aulas intermináveis se passaram e o garoto à sua esquerda nem lhe dirigiu mais o olhar. Piper sentiu alívio ao perceber isso, porque poderia continuar sentada ali sem ser incomodada por ninguém. Era uma pena, porque o garoto era bonito, mas não iria dar certo mesmo. No fim do ano ela voltaria para a Inglaterra e namoros à distância nunca dão certo. Então melhor cortar relações desde cedo, antes que isso comece a criar raízes.

O sinal tocou, avisando o final das aulas e Piper jogou as suas coisas dentro da bolsa, lamentando por ter que usar uma mochila para vir para a escola agora. Aqueles livros pareciam pesados. Isso com certeza vai acabar com a minha coluna, pensou.

Saiu da sala, notando que fazia um calor propriamente infernal. Tirou o casaco, recolocou os óculos e se pôs a andar, com o casaco pendurado no seu braço. Assim que chegou ao corredor, viu que os alunos das outras salas estavam sendo dispensados também, o que fez com que ficasse cheio rapidamente. Conforme passava por aquela multidão, ouvia cochichos à sua volta e olhadas nada discretas. Piper apenas revirou os olhos por detrás dos óculos escuros e continuou a andar de cabeça erguida. Logo estava do lado de fora do colégio e nenhum sinal do Carlos.

– Onde aquele idiota se meteu? Já é uma da tarde!

Como uma boa inglesa, Piper odiava atrasos. Mas pelo tempo que permaneceu no Brasil, notou que era um costume deles atrasar nos compromissos. Se marcavam algo às 10h15min, chegavam de 10h30min, 11h. Nunca chegavam na hora marcada. E isso deixava Piper com os nervos à flor da pele.

Depois de intermináveis dez minutos esperando, o luxuoso carro da avó apareceu para buscá-la. Ela nem se importou que abrissem a porta para ela. Correu para o carro, abriu a porta da frente e entrou rapidamente. Tudo para sair o mais rápido possível de perto daquela escola.

– Finalmente. – Carlos riu ao ouvir o comentário dela, enquanto Piper colocava a cabeça perto do ar condicionado do carro que estava ligado. Já estava começando a transpirar de ter ficado debaixo daquele sol incontáveis minutos. Amanhã eu vou vir com um shorts. Quem sabe assim eu não sinta tanto calor, a garota pensou, enquanto encostava a cabeça no assento e observava o trânsito movimentado da cidade.


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