Risadas felizes...o sol de verão banhando nós duas...

–Ei! me empresta sua filhina?-ela perguntou

–Pode ficar...eu vou caçar borboletas!-dei de ombros sorrindo

Ela agarrou a boneca de pano e girou dando risadas infantis, o vestido impecavelmente branco girando e girando junto a ela, os cachos ruivos saltitado ao redor do rostinho de porcelana.

Olhei pra baixo, minha mãe iria me bater...meu vestidinho azul novinho...todo sujo de lama. Brincar de bolinho de terra não havia sido uma boa ideia. Olhei para minha melhor amiga. Ela era tão bonita...parecia uma de minhas bonecas de porcelana.

–Hey! vamos brincar de corrida?-perguntei já pulando de excitação.

–Não posso...vou sujar meu vestido e minha mãe irá me bater-ela fez beicinho

Me aproximei e dei um beijinho em sua bochecha. Ela corou e rimos juntas.

–Bem, vou apanhar de qualquer jeito...veja só o meu como está-apontei para a barra rendada toda empapada de musgo e lama.-Então não tem problema sujar mais!-gargalhei e comecei a correr, logo tropecei, caí no chão.

–Ollie!!!-um gritinho espantado. Ela veio correndo até mim assustada.

–Eu estou bem...-sorrio para ela

Os olhos dela se enchem d'água.

–Deixe de ser bebê chorão-começo a rir da cara dela

–Eu não sou um bebê...já tenho sete anos! sou mais velha que você! bebê é quem tem seis anos que nem você!-ela fica emburrada. Fica realmente fofa quando enche as bochechas de ar desse jeito.

Me sento de frente pra ela, olho meu joelho esquerdo, tem um pouco de terra e grama verdinha, dou uma leve espanada com as mãos -Ai!- exclamo -Acho que me machuquei...- Ela se abaixa e analisa meu joelho.

–Você machucou seu joelho! está ralado!-ela exclama os olhos castanhos se arregalando.

–Está tudo bem...só está ardendo um pouco...-reclamo parecendo séria mas meus olhos estão cheios d'água. Vou apanhar.

Ela se dobra para frente e lambe minha ferida. Dói mas é bom.

–O que está fazendo?-pergunto

–Meu avô me disse uma vez que uma cruz de cuspe sara machucado, como eu quero que você sare logo, em vez de fazer só uma cruz, eu lambi logo. Vai sarar rápido!-Ela sorri satisfeita.

Ela sorri satisfeita. Terminou o trabalho. Me olho no espelho. O corte de cabelo ficou mesmo bom. Afinal ela é boa mesmo nisso. No espelho meus cabelos lisos e escuros estão bem curtos agora mas ainda dá pra fazer rabo-de-cavalo, pego o elástico preto e amarro as mechas curtas no alto. Olho para o reflexo dela no espelho. Está varrendo as mechas grades que forram o chão do meu quarto.

–Angie...acha que devo pintar também?-pergunto

–Não...gosto do seu cabelo escuro...esse tom ressalta o verde dos teus olhos...causa um contraste bonito.-Ela me abraça por trás e sorri para o meu reflexo.

–OLÍVIAA!!! ÂNGELAAA!!! -o pai de Angie grita do andar de baixo.

–JÁ VAMOS PAAAI!!!-Ela responde.

Descemos as escadas. Tio Luís avisa que Davi está nos esperando na varanda. Nos encontramos com ele e vamos pro carro. Ele já tem um carro. Eu queria ter um também mas acabei de completar meus 16 anos então acho que vou ter que esperar mais. Davi é mais velho que nós 3 anos. Mas parece ter 17 assim como Angie. Ele tem cabelos lisos como os meus mas de resto é completamente diferente, ele é descendente de coreanos e tem aquele rosto tipicamente asiático.

15 minutos depois chegamos na colina. Eu, Angie e Davi conhecíamos o lugar desde os 10 anos, quando nos juntamos os três e nos tornamos inseparáveis.

Deitamos no chão mirando as estrelas.

–Ollie...seu cabelo está bonito...-Davi vira o rosto pra mim sorrindo e diz, está escuro mas posso vê-lo corar claramente sob a luz do luar.

–Obrigada...-sorrio de volta. Meus olhos caçam por Angie. Ela havia se levantado e sentado na beirada da colina. Estava tão linda na luz da lua. Mesmo no escuro seu cabelo grande, farto e cacheado brilhava seu laranja como chamas...me queimava por dentro...ela sempre me fazia sentir quente.

Conversamos a noite inteira...e eu não me cansava de venerar Angie com os olhos mas sempre algo me puxava de volta...o olhar de Davi que pairava sobre mim. Ele me irritava! como podia me olhar daquele jeito?!? será que não percebia que isso magoava Angie?!? será que não notava que ela o amava?!?

Fomos pra casa de madrugada...ela me levou para o quarto. eu iria dormir ali. Eu saí do banho vesti meu pijama e me deitei na cama auxiliar, Angie entrou no banho, podia ouvir a água fria evaporar ao tocar o calor de seus cabelos em chama. Olhei para o mural. Fotos de nós duas....com 2 anos, com 3, com 4...em todas as idades...Achei uma de nós duas com 12 anos na casa da árvore.

Ela tentava trançar meus cabelos mas eram lisos demais e a trança se desfazia sempre.

–Acha que hoje a noite na festa da Júlia o Davi vai me beijar no jogo da garrafa?- Ela perguntou. Apesar de eu estar de costas, podia ouvir o sorriso na voz dela.

–Não sei...quer mesmo que seja ele no seu primeiro beijo?-perguntei meio magoada.

Ela não respondeu então me virei de frente pra ela. O vento soprou. Fiquei olhando dentro dos olhos dela.

–Acho que...bem, melhor não, né? eu nem sei beijar mesmo...-ela parecia chateada

–Quer que eu te ensine? -prendi a respiração.

–Sim...-ela disse, a voz era um sussurro, abaixou o rosto envergonhada.

–Olha para mim.-sentenciei

Assim que ela levantou o rosto, eu a beijei...bem devagar e intensamente.

Virei para o lado...entra em meu campo de visão a porta do banheiro. Está entreaberta. Levanto e me aproximo. Espio o que há lá dentro. Posso ver a silhueta de Angie passando a mão nos cabelos através da vidraça embaçada do boxe. Ela desliga o chuveiro e estica a mão para abrir a porta do boxe. Me assusto e corro para minha cama. Logo ela saí do banheiro. Está com uma camisola curta e rosa...combina com ela...delicada.

–Ollie? já dormiu?

–Não...-me viro para ela.

–Pode pentear meus cabelos para mim?

–Ok...

Sento na cama dela...ela vira de costas e eu começo a passar a escova nos fios. Acabei mas ela pede para que eu durma na cama dela . Eu a abraço e ela parece adormecer.

–Boa noite Angie...eu te amo.

–Eu também te amo.

Me assusto e a empurro.

–Que foi?

–Achei que você estivesse dormindo.

–Não estava.