Provavelmente Jared disse aquilo para eu ficar pensando sobre, mas não me dei o trabalho. Não tenho nenhuma dúvida do por que resgatei Susan. Ela era uma humana indefesa, eu precisava salvá-la daqueles Buscadores. Tenho certeza que qualquer um por aqui faria a mesma coisa. Peg faria, Mel faria, talvez até Kyle. Jared eu não tenho tanta certeza depois do que me disse hoje. Mas acho que duvidei dele no momento em que ele hesitou ao ligar o carro e seguir a garota. Ele calcula cada passo que dá. Ele não poria sua vida em risco por causa de uma garota apenas pelo fato de ela ser uma humana. Ele mede os riscos antes de qualquer ação. Aposto que ele nunca saltaria para fora do carro em um plano incerto. Apesar do que me disse eu consigo entendê-lo, ou pelo menos posso tentar fazê-lo.

Agora estamos seguindo para a cozinha. Fico imaginando a reação do pessoal. Assustada? Com certeza. Animada? Sim, muito. Excitada em saber que tem mais humanos além daqueles que achamos alguns meses atrás? Sim. Mas será tão fácil assim? Com recepções amistosas e tudo isso? Duvido. Aposto que alguém irá se opor. Chamarão-me de idiota pela minha atitude, isso eu tenho certeza, mas acho que não será só isso, tão simples.

Já tomamos banho e agora estamos indo na direção do lugar onde imaginamos que estão os remanescentes. Peg segura minha mão e Mel segura a de Jared. Susan anda meio encolhida do meu lado. Nem quando ela consegue relaxar ela não relaxa realmente.

Chegamos ao refeitório. De fato todos estão comendo e mal percebem nossa chegada. Não perceberiam se Jamie não estivesse tão feliz de ver suas irmãs novamente. Susan está tremendo meio escondida atrás de mim.

– Voltaram! – Jamie gritou, assustando todos que estavam na cozinha. Ele saiu de seu assento e correu até Mel e Peg, pegando-as em um só abraço. Ao ver a cena percebi que Susan relaxou atrás de mim. Ela esticou um pouco seu pescoço a fim de vê-los com mais clareza. Desejei que aquilo a ajudasse a aceitar Peg. Talvez ajudasse, ela é uma boa pessoa.

– Vocês estão limpos, nossa - Jamie continuou com sua empolgação. Peg sorriu feliz em estar com ele em seus braços novamente. Aquele sorriso...

Percebi que não só eu, mas várias pessoas estavam sorrindo ternamente. Jared, Mel, Lily, Trudy. Quando me virei para o lado vi que até Susan estava sorrindo.

– Ele é o irmão delas? – ela usou o plural e eu gostei disso.

– Sim – respondi baixinho, como ela tinha feito.

– É realmente óbvio o amor deles.

– O mais forte daqui – concordei, mas então pensei melhor. O mais forte daqui? Não, mas é um dos. Não sabemos a intensidade do amor de cada um para poder falar, mas sem dúvida é muito bonito se ver o amor, como se ele fosse palpável.

– Chegamos de madrugada - respondeu Peg, interrompendo minha conversa.

– Sério? Nossa! E por que não acordaram ninguém? - perguntou Jamie parecendo aborrecido.

– Porque era tarde e queríamos que fosse uma surpresa - disse Melanie.

Pude ver que o corpo de Susan se tensionou ao ouvir a palavra surpresa. Ela era a surpresa.

– Calma, eles vão gostar de você - sussurrou Jared antes de eu poder fazê-lo. Isso finalmente chamou a atenção de todos para a garota. Todos a olharam com um olhar de especulação, até assustados, com sobrancelhas arqueadas. Susan se abraçou com medo, esperando gritos. Eu também esperei, mas eles nos ignoraram e voltaram a comer como se nada tivesse acontecido.

– Quem é ela? - sussurrou Jamie.

– É uma garota humana - Melanie falou. - Nós a encontramos na cidade e então a trouxemos para cá.

– Sério? Humana? Na cidade? Como? - Jamie perguntou encantado. O resto das pessoas da caverna permaneceu em silêncio. Isso estava me assustando mais que os gritos que eu esperava.

– É uma longa história - disse Jared.

– Conta - exigiu com os olhos brilhando.

O silêncio se seguiu.

– Ela estava na cidade, sozinha... - Peg começou. Poucos nos olhavam realmente. Kyle era um, Jeb e Doc também. Lily e Trudy encaravam a garota, tentando descobrir mais sobre ela. Susan relaxou com o silêncio, mas, ao contrário dela, meu corpo se tensionou. A ausência de fala nunca é um bom sinal. Lembra-me de quando Peg entrou nas cavernas e a presença dela incomodava a todos.

Houve apenas alguma lamúria quando Peg chegou na parte em que eu saí do carro para salvar Susan. Alguns arfaram, apesar de eu estar bem e vivo. Jeb se levantou nesse ponto e caminhou até nós. Não, não. Caminhou até mim. Suspirei pesadamente prevendo o que aconteceria.

– Ian - disse Jeb. - Por que você se arriscou dessa maneira? - ele estava muito calmo, a repreensão não exerceu nenhum peso sobre mim.

– Jeb - imitei-o. - Eu tinha que salvá-la. Ela é humana - Jeb suspirou desanimado. Apesar de tudo estávamos bem e vivos e não tinha nenhum Buscador nos perseguindo.

Claro, até Kyle entrar na conversa.

– Como você é idiota! - gritou ele se levantando e vindo em passos largos até mim.

– Aposto que você faria a mesma coisa - disse no mesmo tom. Contornei Jeb e me encontrei com ele no meio de uma passada.

– Mas não é você que sempre pensa? - perguntou-me, meio retoricamente. - Eu faria isso. É claro que sim. Eu não penso antes de fazer nada, por isso tenho reflexos melhores. Você poderia ter matado todos nós! Você poderia ter trazido Buscadores para cá, Ian, você sabe o que é isso? - fiquei chocado com sua posição. O que ele estava falando? Minhas mãos se fecharam em punhos ao lado de meu corpo.

– O que você está falando? Pelo amor de Deus! Eu não penso o tempo todo! Na verdade, naquele momento, eu pensei sim! Provavelmente você saltaria do carro e faria os Buscadores virem de de fato atrás de nós! - explodi. Todos sabiam como eu ficava parecido com Kyle quando estava irritado. A ira sempre me tirou dos eixos.

O punho dele atacou tão rápido que eu nem vi. Só senti o vento e depois o impacto na minha boca. Meu lábio começou a sangrar imediatamente. Cambaleei alguns passos para trás com a mão em meu rosto no lugar onde estava machucado. Minha boca se entreabriu de surpresa.

– Kyle! - gritou Sunny.

Eu estava furioso. Preparei meu punho. Ergui minha mão direita e joguei meu braço para trás, como uma alavanca. E então acertei seu nariz. Sangue espirrou pelo lugar.

– Ian! - Peg gritou horrorizada.

E então eu não precisei fazer mais nada. Kyle investiu contra mim e me deu uma chave de braço, como quando éramos menores e brigávamos por causa de um jogo de futebol; ambos sempre fomos muito competitivos. Desvencilhei-me dele e dei um giro, e em seguida, dei uma gravata nele. Ele socou o ar xingando. Ele tentou deslizar sobre meu braço, mas conseguiu somente ficar mais preso. Finalmente me deu uma cotovelada no estômago, me fazendo vacilar por um segundo, o bastante para ele se soltar e me dar outro soco. Eu não estava preparado, então o soco realmente me desestabilizou. Tropecei alguns passos para o lado e bati com a cabeça em uma pedra, esfolando um lado do meu rosto. Quando estava prestes a revidar seguraram meus braços, me paralisando no lugar. Aaron segurou Kyle. Todos estavam horrorizados com a briga. Eu podia ouvir a voz da Peg no burburinho. Retorci-me nos braços de Jared sem muito ânimo. Eu não queria mais brigar, ao contrário de Kyle que ainda me olhava furioso.

– Vamos Ian - Peg apareceu ao meu lado segurando meu braço. Olhei para seu rosto agoniado. Ela odeia brigas. - Vamos sair daqui - sua voz era um sussurro, que, com muito esforço, se dava para ouvir. - Por favor, agora.