Almost Human escrita por MsNise


Capítulo 13
Planejado


Notas iniciais do capítulo

Eu demorei pra postar. Eu sei, eu sei, eu sei. E me desculpem por isso.
Fiquei duas semanas com bloqueio criativo e então pra compensar fiz esse capítulo mais que gigante. Mas o tamanho desse capítulo tem outro motivo que eu vou explicar só nas notas finais.
Bom, na verdade foi praticamente a Ju que escreveu o capítulo todo, porque eu não conseguia pensar em nada, então ela me deu toda a luz pra minha inspiração voltar. Então, obrigada pra Wanderer e também pra MsAbel, sempre revisando pra mim ♥
Eu realmente espero que gostem e que eu consiga compensar a demora.
Leiam as notas finais. Nos vemos lá embaixo :*



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Meu trabalho já estava concretizado pela metade, só que conseguir concretizar a outra parte seria bem mais difícil do que eu pensava. Perdoar a mim mesmo? Que diabos é isso? Isso, pelo menos, é possível?

Entrei em um túnel aleatório, tentando pensar em qualquer coisa que pudesse me ajudar. Alguma luz. Tudo bem, eu sei que nesses túneis é difícil ter alguma luz, considerando que agora, por exemplo, eu não consigo ver nada, mas você sabe o que eu quis dizer.

Minha conversa com Kyle somente me provou que seria mais difícil eu perdoar a mim mesmo do que ser perdoado por outra pessoa. Eu acreditava que seria simples ele me perdoar, que eu tiraria de letra, que não teria nenhuma dificuldade, mas eu mal sei se chegamos a algum acordo no final de toda aquela conversa. Se foi difícil Kyle me perdoar por nada, como poderia eu me perdoar? Sinceramente, eu não entendi essa parte do pedido de Peg (Ora, mas é claro que foi Peg que pediu isso, foi apenas por intermédio de Melanie).

Se eu ao menos conseguisse entender o sentido de “me perdoar”...

Bato em alguma coisa. Não, em alguma pessoa. Uma mulher, posso ver pelo tamanho diminuto. Ela não é pequena como Peg, mas é ligeiramente mais baixa que Mel. Essa constatação me fez estremecer. Eu já fiz essa comparação antes.Não, não, por favor, que não seja Susan.

– Oh! – exclama a voz. Não consigo reconhecer, mas fico aliviado em saber que não é Susan. – Desculpe-me.

– Está tudo bem – respondo delicadamente.

– Ian? – a voz me pergunta. Como não consigo reconhecê-la?

– Sim?

– Ah, pensei que talvez fosse Kyle, mas ele não seria tão delicado e na certa já estaria me xingando – ela ri um pouquinho, mas é um riso triste. Não ácido, apenas com uma tristeza discreta preenchendo suas frestas. Não, são marcas de uma tristeza, não é atual, por assim dizer.

– Sim, com certeza – concordo acompanhando seu riso.

Ela suspira no escuro e a frase que diz em seguida primeiro me confunde, porque eu me sinto incapaz de compreendê-la, mas quando eu o faço, ela me surpreende.

– Eu achei seu ato muito nobre, Ian. De verdade. Não só eu, outros vários também acharam. Wes estaria completamente orgulhoso de você – ela se referia à minha coragem ao salvar Susan. E agora com esse final eu sei com quem estou falando.

Perco a voz diante de Lily e ela espera pacientemente por minha resposta.

Prendo-me na parte que ela fala “Wes estaria completamente orgulhoso de você”, porque não tenho tanta certeza quanto ela. Ele me repreenderia, por ser o belo amigo que era. Ele ficaria preocupado e talvez tivesse se juntado a Kyle para brigar comigo. Ele era como um irmão para mim, se não fosse a história do sangue.

Quando ele morreu, eu senti como se meu mundo fosse desmoronar. Eu o amava. Ele era meu melhor amigo, a única pessoa que sabia o que dizer na hora certa. Eu ajudei Lily naquela época, mas estava tão mal quanto ela.

Agradeci mentalmente por estar escuro. Meus olhos se encheram de lágrimas e se formou um nó em minha garganta. Respirei fundo e fechei os olhos, deixando as lágrimas escaparem e rolarem por meu rosto. Elas se confundiram na minha barba por fazer. Engoli o choro e respondi Lily, antes que ela começasse a desconfiar de meu silêncio.

– Você acha? – minha voz ainda estava embargada. Droga.

– O que eu acho? – perguntou Lily, ignorando deliberadamente o fato de eu estar afetado emocionalmente por causa de suas palavras.

Estava prestes a falar: “Que Wes estaria orgulhoso de mim?”, mas mudei a frase no último segundo.

– Que W... Que meu ato foi nobre?

Ela também ignorou meu erro, dessa vez educadamente.

– Mas é claro! – eu quase podia ver um sorriso terno em sua boca. – Ian, isso só prova mais o quanto você é corajoso e não tem medo de tentar. Muitos aqui na caverna que não tem nada ficariam longe, nem tentariam por medo de serem pegos. Você que tem Peg, Kyle e todos os seus amigos, tentou. Se arriscou por causa de uma simples humana que não acrescenta nada em nossas vidas. Por isso que eu disse que Wes ficaria orgulhoso de você, porque ele também tentaria. Porque ele é igualmente corajoso – não deixei passar o fato de ela ter deixado o verbo no presente. – Ian, você merece os parabéns de todos aqui presentes.

– Eu podia jurar que você não gostava de Susan – comentei depois de um tempo de silêncio tentando absorver as palavras dela.

– Isso não tem nada a ver com sua atitude – esquivou-se ela.

– Então você não gosta dela? – será que alguém está comigo nessa?

– Eu... tenho um pouco de medo por ela ter ficado tanto tempo lá fora sozinha. Mas todos têm. É somente questão de se acostumar – justificou-se ela rapidamente. Quase lamentei por ela não ter falado: “A odeio”.

– Claro, isso é normal – disse baixinho, com a cabeça em outro lugar.

– Ian, eu tenho que ir, me desculpa, mas eu tenho que lavar roupa – ela falou, se adiantando pelo túnel. Afagou meu braço antes de seguir seu caminho.

– Tudo bem – sussurrei quando ela já estava longe.

Como eu poderia me perdoar? Aliás, por que eu havia de me perdoar? Eu estou... bravo comigo? Sinceramente, eu não sei nem por onde começar. Talvez eu devesse apenas procurar por Peg e mentir para ela, tenho certeza que ela acreditaria. Mas então que caráter eu teria? Ela confia em mim e, mesmo que ela não saiba, eu terei quebrado essa confiança.

Respiro fundo e passo uma mão pelo meu cabelo preto, bagunçando-o num gesto nervoso.

Encosto-me na parede de pedra e me deixo deslizar até o chão. A pedra levanta minha camiseta e arranha um pouco minhas costas, mas eu não me importo com isso.

Olho em volta e consigo ver uma luz. Franzo o cenho e entorto um pouco minha cabeça para o lado, percebendo que eu conheço o ângulo dessa luz. Ilumina uma das paredes do túnel que eu estou situado e o faz ficar claro até certo ponto. Isso me traz uma lembrança velha. Surpreendo-me ao perceber o quanto ela é velha.

“Peg acabou de pedir para eu beijá-la.

Sinto que meu queixo está no chão com tal pedido. Seu olhar é agoniado.

– Você... o quê?

– Eu explico num minuto. Não é justo com você, mas... por favor. Apenas me beije.

Ela se drogou ou o quê?

– Não vai aborrecer você? A Melanie não vai perturbá-la?

– Ian! Por favor!

Mesmo sem entender nada, coloquei minhas mãos em sua cintura e a puxei para mim. Só fiz isso por causa de minha humanidade. Por humanidade me refiro ao desejo insano que o humano tem de um corpo do sexo oposto. Eu estava preocupado com a insanidade de tudo isso, mas ainda assim fechei meus olhos e colei delicadamente meus lábios aos de Peg. Apenas um selinho, e depois eu me afastei, preocupado.

– Não, Ian. Por favor, me beije de verdade. Como... como se estivesse querendoganhar uma bofetada. Está entendendo?

Alguém me explique, por favor, o que deu em Peg?

– Não. O que há de errado? Diga-me primeiro.

Cansada de esperar, Peg jogou os braços no meu pescoço e puxou meu corpo para o dela, colando nossas bocas. Ela estava completamente desajeitada, considerando que nunca precisou beijar ninguém. Tentei afastá-la com o último resquício de sanidade que ainda me restava, mas isso a fez pressionar mais seu corpo contra o meu e puxar meu lábio inferior com os dentes. Grunhi e a empurrei até a parede mais próxima, cobrindo-a com meu corpo, colocando uma mão em seu rosto e outra em sua cintura.

Eu a desejava. E desejava, principalmente, que, pelo menos por alguns minutos, ela gostasse de mim de verdade, como o homem que sou.

É engraçado como o corpo humano se deixa dominar tão rapidamente. Minha boca gritava pela dela assim como meu corpo. Mas não era recíproco. Em nenhum momento eu acreditei que fosse. Ela estava agoniada demais para querer isso por prazer. Sempre teve algum motivo por trás. E foi a frustração de não conseguir alcançar seu objetivo que a fez afrouxar seus braços.

Eu percebi na hora.

Separei nossas bocas, não sem antes lhe dar um último selinho, então deixei minha testa encostada à dela e levantei minhas mãos até a altura de seus ombros.

Seu rosto estava angustiado.

– Explique – pedi.

– Ela não está aqui – se eu não estivesse tão perto não conseguiria escutá-la. – Eu não consigo encontrá-la. Nem agora.

Minha cabeça automaticamente associou.

– Melanie?

– Eu não consigo encontrá-la! Ian, como posso voltar para Jamie? Ele vai saber que estou mentindo! Como vou dizer a ele que perdi a irmã dele agora? Ian, ele está doente! Eu não posso dizer isso! Vai perturbá-lo, dificultar a melhora dele. Eu...

Sua voz beirava a histeria. Pressionei meus dedos em seu lábio com o intuito de parar a enxurrada de palavras desesperadas.

– Shh, shh. Tudo bem. Vamos pensar. Quando foi a última vez que você a ouviu?

– Ah, Ian! Foi logo depois que eu vi... no hospital. E ela tentou defendê-los... e eu gritei com ela... e eu... eu a fiz ir embora! Desde então não a ouvi mais. Não consigo encontrá-la!

– Shh – eu tinha que pelo menos tentar acalmá-la. – Com calma. Certo. Agora, o que realmente você quer? Eu sei que não quer perturbar Jamie, mas, independentemente disso, sei que ele vai ficar bem. Então, pense só... não seria melhor, apenas para você, se... – eu sei que não é o melhor pensamento, mas isso facilitaria tanto as nossas vidas...

– Não! Eu não posso suprimir Melanie! Não posso. Seria errado! Isso faria de mim um monstro, também!

– Certo, certo! – fora fortemente reprimido por Peg e só queria a felicidade dela, então eu teria que tentar outra coisa. Eu odiava essa idéia, mas acho que seria perfeita para o caso de Peg. – Shh. Então temos de encontrá-la?

Ela assentiu.

Respirei fundo, tomando coragem.

– Então você precisa... realmente ser sobrepujada, não é?

– Não sei o que você quer dizer – e eu queria nunca ter dito.

Mas se comecei com esse plano estúpido, terei de concluí-lo.

– Eu já volto. Espere aqui.

Apertei-a contra a parede e saí correndo pelo túnel.

Isso só pode ser masoquismo. Alguns chamam de amor, mas o amor não pode ser dolorido, tão... incondicional. Não, não, isso é masoquismo. Nunca pensei que tivesse prazer em sofrer.

Meus passos largos me levaram de volta ao quarto de Jamie rapidamente. Eu bem que queria estender o momento por mais um minuto.

– Jared – chamei com a voz afetada.

Sua cabeça se ergueu automaticamente ao ouvir seu nome. Fiz um movimento com a cabeça para ele me seguir e continuei meu trajeto sem parar para ver se ele me acompanhava. Jeb me olhou com seus olhos perscrutadores. Ignorei-o deliberadamente.

Quando dei por mim Jared já estava caminhando a meu lado. Por que ele não resolveu ficar no quarto com Jamie?

– O que foi, Ian? – perguntou ele curioso.

– Você terá de beijar Peg – falar isso doeu no meu coração. Quem, em sã consciência, pede pra outro homem beijar a mulher que ama?

– Eu o quê? – gritou ele, parando no meio de um passo.

Dei um suspiro, mas continuei andando. Na verdade comecei a andar mais rápido, com um único desejo: terminar logo com essa tortura.

Já tínhamos andado um bom bocado e estávamos muito perto de nosso objetivo.

– Ian, quer me explicar? – Jared já havia me alcançado novamente.

– Apenas pense nisso como uma... uma experiência – disse simplesmente. Jared havia desacelerado o passo ao me alcançar, então eu tive que por uma mão em seu ombro e praticamente empurrá-lo.

– Você está louco? – Jared me perguntou. – Trata-se de alguma brincadeira doentia?

Ignorei o que ele falava.

– Por aqui – continuei empurrando-o, até chegarmos no lugar onde Peg se encontrava.

– Peg, que história é essa? – Jared perguntou.

Peg lançou-me um olhar com um misto de desespero e reprovação. Eu sequer sei que expressão estava em meu rosto.

– Eu perdi Melanie – ela sussurrou e encarou seus pés.

– Você a perdeu?!

Eu não precisava escutar mais nada.

Minha missão estava cumprida.

Dei meia volta e voltei meu caminho pelo túnel. Analisei a luz que vinha da praça nessa direção. Completamente diferente dos outros túneis. Ela reflete em umas das paredes, não deixando o túnel nem totalmente claro nem totalmente escuro. Apenas se você adentrasse muito que não conseguiria ver a pessoa.

Apertei o passo até sair do túnel, então corri para meu quarto. Não queria mostrar para ninguém o quanto me doía fazer Peg feliz.”

A luz... O ângulo da luz... Não, não posso estar naquele túnel. O que foi que eu fiz para merecer esse dia?

A dor está muito presente. É aquela velha dor, aquela velha culpa.

Apesar de o principal motivo de eu fazer tudo por Peg seja amá-la, tem outro motivo que muitos desconhecem.

Eu faço tudo isso para me redimir.

Para ser uma pessoa melhor.

Porque eu já errei demais e quero compensar o meu passado.

Por que a lembrança me machuca tanto? Deve ser o local que estou situado, nesse túnel que me faz querer chorar, porque foi aqui que eu entreguei Peg para outro homem por causa de uma quarta pessoa que estava ausente.

Mas não é apenas essa lembrança que me faz sofrer.

– Ian, você pode me explicar, por favor, o que está acontecendo? – pede Kyle que está parado na porta de meu quarto.

Ignoro-o e continuo escrevendo música e tocando violão, como se ele não quisesse conversar comigo.

– Você não vai me explicar mesmo, não é? – insiste ele.

– Se você não percebeu eu preciso de concentração para escrever música – retruquei irritado.

Ele caminhou pelo quarto e se sentou na minha cama de maneira brusca. Lancei-lhe um olhar de reprovação.

– O que está acontecendo? – perguntou preocupado.

Eu não queria lhe contar. Desejava que ele saísse do meu quarto e me deixasse fazer minha música baseada em todo o meu sofrimento. Em toda a minha perda. Em toda a minha dor. Em toda a minha culpa.

– Nada – sussurrei e desviei os olhos. Desisti de lutar contra o teimoso do Kyle, então joguei meu violão em minha cama de qualquer jeito e caminhei até a janela. Observei todas aquelas pessoas felizes com suas famílias e todos aqueles casais que se declaravam como se sempre fosse a primeira vez.

Era um dia ensolarado e a tarde estava quase acabando. O céu estava tingido com cores frias e quentes, todas misturadas. Era um misto de nuvens brancas, rosas e roxas e o céu estava de uma cor azul-bebê.

As pessoas aproveitaram o clima leve pra curtir o dia. Um casal em especial me chama a atenção. Presumo que eles tenham em torno dos 20 anos, mas se parecem com duas crianças enquanto um corre atrás do outro. A garota está com um vestido bege e rodado, ao mesmo tempo novo e antigo, e o rapaz está com uma camisa xadrez e usa óculos. Eles parecem felizes.

A garota corre em volta do lago rindo e ele a segue. Ele finalmente a alcança e a pega pela cintura. Ela solta um gritinho e tenta escapar se contorcendo nos braços dele, mas os dois estão rindo, então ninguém os leva a sério. Ela se vira para ele e sorri. Ele põe um dos joelhos no chão e estende uma caixinha de veludo para ela. As mãos da garota vão parar em sua boca em um segundo. Ela parece chocada, mas logo se ajoelha, ficando na altura do rapaz. Ignora a caixinha que está entre eles e o beija apaixonadamente, uma confirmação para o pedido que não foi feito.

Ver tudo isso apenas me tortura ainda mais. Saio da janela e me sento em minha cadeira que fica na frente da mesa do computador. Dou um longo suspiro.

– O que quer? – pergunto indelicadamente.

– Te entender – retruca Kyle.

– Ora, isso é muito complicado – dou uma risada ácida.

– O que aconteceu, Ian? – Kyle me pergunta. Giro em minha cadeira e dou de cara com meu irmão preocupado.

– Claire foi embora – digo. Temo que o choro escape de minha garganta.

– Claire... o quê? – ele carrega uma expressão mortificada no rosto.

– Exatamente isso que você ouviu.

– Mas... por quê?

– Ela me deu uma carta tentando explicar, mas é o fato de eu não conseguir acreditar no motivo que ela me deu que me faz ficar assim – explico. – Kyle... e se ela foi por minha causa? E se ela não me agüentou e quis ir embora? E se ninguém é capaz de me suportar e todos... – engasguei em minha última frase, porque eu não me referia mais à minha paixão não correspondida.

– Ian... – Kyle estava sem palavras para me consolar.

Agora ele me entendia. Agora ele sabia por que eu estava tão estranho nos últimos dias. Ele podia ver, porque no fundo ele também tinha esse sentimento. Girei em minha cadeira e senti meu coração encolher.

– Por que ela... – sussurrei antes de perder a fala.

– Isso não tem nada a ver conosco – Kyle tentou se convencer, me interrompendo bruscamente.

– Jura? – perguntei acidamente. – Porque eu não vejo nenhum outro motivo.

– Eu vejo. O...

– Não ouse pronunciar esse nome! – grunhi me levantando e jogando meu dedo na cara de Kyle. – Porque se fosse por causa disso não estaríamos aqui!

Ele ficou chocado com a minha atitude. Eu também, mas não estou com vontade de me redimir. Preciso ficar sozinho.

– Ian... – ele estava desnorteado.

– Saia daqui – pedi com uma voz mais calma. Dei as costas para ele e voltei a me encostar no batente da janela. Olhei para fora, mas nada vi. Meus olhos estava turvos de lágrimas.

Escutei quando a porta bateu e soube que estava sozinho e que podia finalmente sentir a minha dor. Procurei desesperadamente por algum objeto que eu poderia quebrar.

Havia um vaso de flores em cima da mesa de meu computador. Toda vez que eu olho pra ele eu me lembro de coisas que queria apenas apagar de minha vida. Talvez simplesmente esquecer bastasse. Não fará mal algum acabar com algumas coisas que me ajudam em meu sofrimento.

Pego o vaso com a mão direita e o analiso minuciosamente. Ele é comprido e fino. Na verdade ele é mais gordinho no final e vai afinando, então volta a ficar largo perto da boca. Nele está situada uma tulipa vermelha, que significa amor eterno, e uma rosa branca, que significa falta de amor.

Aperto minha mão em volta do vidro gelado e jogo meu braço para trás. Coloco meu pé esquerdo na frente e meu pé direito atrás. Uso meu próprio corpo como alavanca e espatifo o vaso na parede.

Vejo o vidro se estilhaçar e cair no chão de meu quarto. O vidro é meu coração que foi lançado longe e se estilhaçou em um segundo. Lágrimas de desespero, saudade e culpa escorrem por meu rosto. Deixo-me cair no chão junto com o vaso. Alguns cacos de vidro rasgam minha calça e entram em minha perna, mas a dor não é suficiente pra me fazer parar de sentir. Ou até mesmo esquecer.

Ergo minha calça na altura de meu joelho e passo a mão pelas cicatrizes que os cacos deixaram. Engulo em seco quando percebo que o choro está subindo de novo. Meus olhos já estão cheios de lágrimas.

Será que a Peg quer que eu perdoe a mim mesmo por causa disso? Por causa dessa culpa que ela nem sabe que existe? Ou ela acha que estou me importando por ter salvado Susan? Susan sequer ocupa meus pensamentos nesse momento. Não sei o que Peg quis dizer, mas irei fazer meu trabalho de acordo com as minhas necessidades.

Fecho meus olhos e me concentro em lembranças boas. Novas e antigas. Lembranças que me provam que eu não sou tão ruim assim.

– Eu amo a cor de seus olhos... - disse.

– Eu amo os seus olhos. Dizem que os olhos são o espelho da alma e perdoe-me pelo trocadilho - ela riu um pouco, mas só um pouco. Nos aproximamos lentamente, sem nenhuma pressa. Esse momento é nosso e não pode ser roubado por ninguém. Nossos lábios se roçam antes de se encontrarem totalmente. Finalmente fechamos nossos olhos, agora a nossa conexão passou para nossas bocas. Abraço o seu corpo pequeno com força e ela arranha minha nuca quando entrelaça seus dedos em meus cabelos. Nos beijamos lenta e deliberadamente, não querendo apressar nada. Quando o ar se faz necessário eu roço meus lábios em sua bochecha e a beijo lá. Sua boca está na altura de minha orelha.

– Eu amo você - ela sussurra. Um arrepio percorre minha espinha.

Não posso acreditar que isso aconteceu somente algumas horas atrás. Isso aconteceu quando o mundo ainda estava nos eixos.

– E então, em que está pensando?

– É muito clichê dizer que estou pensando em como uma pessoa pode encontrar a felicidade no amor?

– Não acho nada clichê.

– Então estou pensando em como alguém pode encontrar a felicidade no amor - ela sorri largo. Percebo que a insegurança passou e a vergonha também.

– Hmmm, a resposta não deve ser fácil.

– Não tem resposta. É uma pergunta retórica. Mas se houvesse resposta seria: "viva no amor e encontre a felicidade".

– Eu responderia que se você ama você é feliz.

– Essa também serve.

– Isso é bom - digo e me aproximo dela, juntando nossos lábios.

Pergunto-me como é para ela quando nos beijamos. Ela se sente como eu? Infinita? Ela sente como se nada mais existisse no mundo, só eu e ela, vivendo em nossa própria felicidade? Ela sente o amor se expandindo e escapando do peito, alcançando o céu e as estrelas? Ela se sente forte e vulnerável ao mesmo tempo; como se pudesse fazer tudo, mas para tudo dependesse de alguém? Ela me ama na mesma proporção que eu, ou com a mesma intensidade? Sim, seus olhos me respondem; sim, seu beijo me responde; sim, sua voz me responde.

Separo nossas bocas, um pouco ofegante, e a abraço apertado, lembrando que a tenho para o resto da vida.

– Eu te amo - ela sussurra em meu ouvido.

Lembrar desse tipo de coisa me faz bem, porque eu me sinto o que se pode chamar de ‘amado’.

– Você sabe o que é ser responsável por uma pessoa e essa pessoa extrapolar os limites que você sequer deu? – sua voz estava baixa, cheia de dor. – Você sabe o que é ser responsável por alguém?

– Você não é responsável por mim – murmurei, mesmo sabendo da verdade.

Ele fez um gesto desalento com as mãos e revirou os olhos.

– Não? – perguntou-me.

– Não – respondi fechando meus olhos.

– Quem que te consolou quando o passado nos deu uma rasteira? – perguntou. Senti um movimento na cama e soube que ele tinha se sentado. – Quem passou noites inteiras de guarda caso os Buscadores aparecessem? Quem te mandou parar de chorar e falou que tudo ficaria bem, mesmo quando ainda queria chorar e se entregar ao sofrimento que é tão difícil de ignorar? – ele estava sendo egoísta, é claro. Voltando o foco para si mesmo o tempo todo. O mais difícil era admitir que ele estava certo. Sim, ele era responsável por mim. Eu o fiz se sentir assim. Precisava dele. Meu mundo todo estava desabando, meu irmão era meu único pilar e eu me segurei nele com força.

O passado. Por que ele insistia em lembrar? Tive vontade de chorar.

Abri meus olhos e o encarei.

– E sabe o que é mais difícil? – sussurrou. – Saber que eu posso te perder a qualquer momento, quando eu também preciso de você.

E outra, antiga:

– Boa noite, mãe – digo.

Ela sorri ternamente.

– Boa noite, meu amor – ela beija a minha testa e me abraça. – Eu te amo, você sabia disso? Você é uma das pessoas mais especiais desse universo.

Sorrio.

Lembrar-me disso me faz sentir uma pontada dolorida em meu coração, então pulo pra minha lembrança mais recente.

– Eu achei seu ato muito nobre, Ian. De verdade. Não só eu como há outros vários que também acharam. Wes estaria completamente orgulhoso de você.

[...]

– Ian, isso só prova mais o quanto você é corajoso e não tem medo de tentar. Muitos aqui na caverna que não tem nada ficariam longe, nem tentariam por medo de serem pegos. Você que tem Peg, Kyle e todos os seus amigos, tentou. Se arriscou por causa de uma simples humana que não acrescenta nada em nossas vidas. Por isso que eu disse que Wes ficaria orgulhoso de você, porque ele também tentaria. Porque ele é igualmente corajoso – não deixei passar o fato de ela ter deixado o verbo no presente. – Ian, você merece os parabéns de todos aqui presentes.

E então eu finalmente entendi. Eu podia me perdoar – eu tinha motivos para fazê-lo.

As pessoas se preocupavam comigo e queriam somente meu bem.

As pessoas me amavam.

Perceber isso fez eu me sentir leve, como se um fardo tivesse sido tirado de minhas costas.

Então eu pude me perdoar, seja pelo o que fosse. Eu fazia Peg feliz, eu salvava vidas, eu tinha um irmão durão que conseguia se preocupar comigo e as pessoas se admiravam com minhas atitudes.

Não estava mais com raiva de Susan também. O motivo sempre fora eu. Agora que eu descobri por que Kyle brigou comigo e por que todos me olharam esquisito, eu não posso mais culpá-la. Não posso sequer culpar a mim mesmo. Agora estou orgulhoso de minha atitude e finalmente posso parar de sofrer e de chorar.

Sorrio e me levanto. Respiro fundo e volto a caminhar rumo ao quarto de Mel, onde Peg está.

Todos na caverna estão considerando minhas atitudes estranhas. Primeiro, salvar Susan. Depois, brigar com Peg e andar transtornado pela caverna. E agora andar feliz – ah, sim. Porque a felicidade é como a tristeza – pode-se ver de longe. Tenho vontade de rir da cara deles.

Em um segundo estou no entroncamento de túneis que leva ao quarto com biombo verde. Bato três vezes no biombo e escuto um “entre” calmo vindo de Mel.

Tiro o biombo do meu caminho e paro encostado na pedra, analisando as garotas que estão no quarto. Sunny, Mel, Peg e até Susan.

– Olá – digo com um sorriso torto.

Sunny e Susan me olham com uma cara que só pode indicar que estou louco, mas presto mais atenção ao orgulho explícito de Melanie em seu sorriso e da felicidade plena de Peg em sua carinha inocente.

– E aí, Ian? – diz Mel.

– Vou muito bem – retruco sorrindo. – Peg, podemos conversar? – peço delicadamente.

– Não sei – retruca, se divertindo. – Por que eu deveria? – ela entorta um pouco a cabeça com um sorriso sapeca no rosto.

– Ora, porque eu quero – finjo estar sério.

– Então, nesse caso eu não vou – ela empina seu narizinho de forma exagerada.

– Se você não for eu te carrego – ameaço.

– É um contra quatro – ela fala, toda convencida.

– Dois contra três – corrige Melanie, se pondo de pé ao meu lado. Seguro o riso.

– Você trocou de lado? – pergunta Peg, toda indignada.

– Ela está no lado da razão – dou de ombros, fingindo não me importar.

A carinha que Peg faz é tão engraçada que não consigo mais segurar minha fachada. Rio. Logo Mel e Peg começam a me acompanhar, ao passo que Susan e Sunny ficam nos olhando com caras chocadas.

– Vamos lá, Peg – repito.

– Tudo bem, mas não garanto nada quanto a nossa conversa – ela diz toda metida.

Pego em sua mão e estou prestes a sair do quarto quando me lembro de uma coisa.

– Ah! Sunny, Kyle me pediu para chamá-la. E Susi, desculpe-me novamente – puxo Peg pelo corredor até nosso quarto, deixando Susi com a cara no chão, tanto por pedir desculpas quanto por me referir a ela pelo apelido.

Solto da mão de Peg quando chegamos ao nosso quarto para tirar e por a porta no lugar. Ela logo se joga na cama.

– E então, tem alguma coisa para me contar? – ela pergunta, se sentando e cruzando as pernas.

– Primeiramente, eu recebi seu recado – digo me sentando em sua frente. Ela ri delicadamente. – Segundo, me desculpa, eu sei que fui um idiota. Sim, eu consegui me perdoar e consegui me desculpar com Kyle também. E agora tudo o que eu quero é que as coisas voltem ao normal.

Ela se ajoelha na minha frente.

– Creio que isso não vai ser tão difícil – em uma atitude que me surpreende ela joga seus braços em meus ombros e se estica até alcançar minha boca.

Giro em meus calcanhares e logo estou de joelho também. Ela se aconchega mais ao meu corpo e passa os braços pelo meu pescoço, suas unhas arranham minha nuca e seus dedos se entrelaçam em meus cabelos pretos. É um beijo calmo, feliz e leve, caracterizado pela alegria de estarmos bem um com o outro novamente.

Ela separa nossas bocas e sorri, então me dá um selinho antes de se afastar para me olhar.

– Está tudo bem? – pergunto, ainda surpreso com sua atitude.

Ela se joga deitada na cama e suspira. Deito-me a seu lado. Ela sorri novamente e sobe em cima de meu peito.

– Está tudo ótimo. E sabe por quê?

Balanço a cabeça negativamente, completamente hipnotizado por seus olhos.

– Porque, no final, as coisas saíram exatamente como eu planejei.


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Notas finais do capítulo

Então, aqui vem uma notícia triste e acho que feliz ao mesmo tempo.
Vou ficar um tempo sem escrever aqui - somente um tempo -, mas vou tentar atualizar sempre que possível. Tenho um outro projeto que eu quero desenvolver e para isso eu preciso dedicar todo meu tempo livre nele. Espero que eu possa contá-lo para vocês em breve, mas não posso garantir nada.
Repito, eu não vou abandonar, vou escrever pra cá sempre que eu puder e quando eu voltar as coisas vão começar a esquentar.
Deixem reviews porque eu quero saber se estão gostando da história e no que eu preciso melhorar.
Até o próximo capítulo :*



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