Antes Que Seja Tarde escrita por Mi Freire


Capítulo 18
Surpresa.


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo sem duvidas alguma é surpreendente, como o próprio titulo diz. Daniel reencontra uma pessoa muito importante de sua vida. A quem tanto amou, mas pouco conviveu. Será que ele seria capaz de perdoa-lo? De lhe dar uma segunda chance antes que seja tarde? Veremos.



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Era só mais um dia de trabalho. Estava em minha sala dando conta de alguns projetos inacabados quando escuto alguém na porta. Após algumas batidas, me levantei para conferir.  

Pelas janelas eu podia ver o dia frio. Sorte minha que já era sexta-feira e no final de semana já estaria com minha mãe.

— Daniel? – um homem de meia-idade sorria. Perguntei-me quem seria. Parecia familiar. — Olá.

— Oi. Entre, por favor – sugeri gentilmente. — Sente-se! No que posso ajudar, senhor?

— Bom, pelo visto você não lembra mesmo de mim, Daniel – ele falou surpreendendo-me. Sorria agradavelmente. Algo nele parecia ainda mais familiar com aquele sorriso largo e aquelas covinhas.

Ele se vestia formalmente com uma calça jeans e um suéter cinza escuro. Os cabelos curtos estavam molhados e bem cortados. Os olhos intensos negros, o corpo alto e magrelo.  Quem ele era?

— Desculpe, mas não sei quem é o senhor – soltei um riso sem jeito.

— Ah filho, eu compreendo – ele soltou um riso divertido, surpreendente. — Sou eu, papai.

— Pai? – levantei-me sem acreditar no que via.

De fato esse homem era muito parecido com a imagem que de meu pai na mente. Como eu não percebi antes?

— O que você faz aqui?

Foi tudo o que conseguir dizer.

— Vim te ver, te conhecer. Tudo bem para você? – agora sua expressão já era bem diferente de minutos atrás. Sem sorriso algum, ele parecia sério.

— Não. Claro que não está tudo bem – falei ironicamente. Andando de um lado para outro. Atordoado. — Será que eu tenho algum tipo de problema seriamente grave? Primeiro o amor da minha vida acaba com meu coração, pede que eu suma da sua vida e anos depois aparece como se nada tivesse acontecido. E agora, o cara que se diz meu pai surge depois de anos, depois de ter abandonado minha família por outra mulher. Não! - soltei um riso alto e exagerado. — Isso só pode ser um tipo de pegadinha.

— Ah meu filho, você também feriu seu coração por causa de uma garota? – ele ria tranquilo. Que merda é essa? — Ah mulheres! Vocês são difíceis – ele suspirou e riu. — Não tem problema algum com você. Veja só: você é um homem agora, alto, bonito e trabalhador. Elas que devem ter algum tipo de problema em ferir você.

Porra! – soltei um palavrão. — O que você quer de mim? Dinheiro? é isso? Você deve estar passando fome com a nova família? Porque se for dinheiro, sinto muito, se vira. Batalhei muito para chegar aonde cheguei e creio que você é capaz do mesmo – falei me sentindo cansado.

— Daniel, não vim aqui para pegar seu dinheiro. Tenho um orgulho imenso de você – ele ainda sorria. Desgraçado! — Olhe só para você, já um homem. Quando deixei sua mãe você era um moleque, só queria saber de rua e agora te encontro crescido. Imagine só o orgulho que sinto de você querido – ele pausou levantando-se também.

Aproximou-se de mim com toda calma do mundo e pousou uma das mãos no meu ombro. Eu sentia um peso nas costas. Ele fixava seus olhos bem no fundo dos meus. Senti um aperto no estômago.

— Eu sei. Eu errei feio quando abandonei vocês. Mas veja só, foi para o meu bem. Ok? Eu fiz vocês sofrerem, mas eu nunca quis o mal de nenhum dos três. Hoje sim eu sou um homem, me redescobri. Sou casado, pai de três filhos além de você e Pedrinho. Tenho uma mulher magnífica que me ama e eu a amo. Encontrei um lugar para mim nesse mundo. Lutei e corri atrás dos meus sonhos que naquela época pareciam perdidos. Sim, eu fui covarde e fugi da responsabilidade de pai. Mas hoje eu sei como fui estúpido em minhas escolhas – ele pausou. — Eu cresci tanto quanto você. Naquela época eu era um fraco. Hoje, sou empresário, rico e tenho uma boa estrutura financeira. Não preciso do seu dinheiro e nem de ninguém. Mas mesmo com tudo isso, eu ainda sentia todas as noites que faltava algo para minha felicidade ser completa. Faltavam vocês.

Meus olhos se encheram de água. Mas não, eu não ia chorar na frente dele. Assim, sentei-me no sofá escuro que tinha ali perto. Com as pernas trêmulas e cansadas. Ele fez o mesmo. Um olhar baixo, mas sincero e emotivo.

— Vocês também são meus filhos. Não os vi crescer e nem participei de suas vidas. Hoje, eu quero poder dizer que sou um pai. Preciso fazer parte de vocês. Mesmo sabendo o mal que lhes causei, mesmo sabendo que perdi muito tempo – novamente suspirou. — Daniel, permita que eu seja um pai para você. Entenda o meu lado. Deixe que agora eu possa participar da sua vida. Eu quero. Por favor. Eu imploro. Sei que nunca vou saber o quanto você sofreu por minha causa, mas hoje eu posso converter essa situação.

— Espera – finalmente consegui falar. — É muita coisa para mim. Eu preciso de um tempo – olhei friamente para ele. — Estou passando por um momento na minha vida em que tudo começou a fazer sentido. Eu que peço para você me dar um tempo. Eu preciso processar essas novas ideias.

— Ora, tudo bem – ele sorriu outra vez. — Vou esperar o tempo que for preciso, meu filho. Bom, vou deixar você trabalhar. Afinal, eu preciso fazer o mesmo. Tome aqui o meu cartão, quando precisar é só ligar.

Fui com ele até a porta. Antes de finalmente partir, voltou para trás. Olhou-me com um sorriso largo e me abraçou forte.

Não consegui retribuir o gesto, mas o seu abraço foi gostoso, sincero e extremamente carinhoso. O lugar onde eu desejei estar em noites frias quando eu pensava que minha vida estava dando errado depois de tanto esforços.

— Tchau, meu filho. Fique bem – ele partiu. Tranquei a porta em seguida, passando as chaves. Joguei-me no sofá e chorei. Ah, como eu chorei.

Naquele dia não consegui ir para a faculdade, nem fiz questão de atender ao telefone, mesmo que fosse Júlia preocupada com o meu desaparecimento. Sei que ela entenderia quando soubesse da gravidade da situação.

Tranquei-me no quarto, não consegui comer. Telefonei para mamãe. Marcos, o padrasto, disse que ela ainda não havia chegado do trabalho. Eu agradeci e desliguei.

Consegui dormir. Não sei por quanto tempo. Novamente liguei para ela. Precisávamos conversar, era importante.

— Mãe. O pai apareceu – eu disse com certa dificuldade. A palavra pai ainda não era agradável de dizer.

— Já estou sabendo, querido – ela confessou. — Sei que conversaram hoje à tarde. Está tudo bem com você?

— Não muito. Foi um choque. Preciso de sua ajuda mãe.

— Meu filho – ela disse pacientemente. — Eu não tenho motivo para me intrometer nessa história. Afinal, a história que eu tive com seu pai acabou há muito tempo. Mas você e ele tem uma história inacabada. Basta você seguir a intuição do seu coração e resolver da forma como achar melhor – ela pausou. — Filho, não esqueça: apesar de tudo e o tempo que se passou, ele sempre será seu pai. Seja lá qual forem as suas escolhas. Pense bem. Pense direito – ela desligou, sem mais palavras. Deixando meu coração apertadíssimo.

No dia seguinte, Júlia quase arrancou a porta do meu quarto para me ver. Entrou aflita, como quem quer me dar umas boas bofetadas na cara por deixá-la tão preocupada.

— Você perdeu o juízo? – ela berrou. — Quer me deixar maluca? – ela falava sério. — Que diabos aconteceu com você? Lembra quando eu disse para você não se acostumar em ficar me enchendo o saco com seu sentimentalismo? Ei! Eu estava de brincadeira. Você devia ter se acostumado. Somos amigos. Eu necessito saber de você. Eu quase peguei a arma da minha avó e vim lhe dar uns bons tiros – ela finalmente riu. — Brincadeira! Mas enfim, somos amigos. Qual é? Porque me deixou fora dessa?

— Desculpe! Não fiz por mal – falei baixo. — Aconteceu algo sério e eu precisava ficar sozinho. Depois, eu juro, ia te procurar e me explicar. Mas no momento eu precisava de um tempo.

— Sozinho? Para que ficar sozinho? – ela berrou de novo. — Imagine se eu chego aqui e te encontro morto porque você resolveu ficar sozinho e cometeu um suicídio por causa daquela loura que gosta de brincar com seus sentimentos – ela riu alto. — Merda! Imagine como eu iria viver sem você?

— Jura? – finalmente sorri. Abracei-a forte. — Sua linda!

— Cale a boca! – ela se afastou bruscamente. Depois soltou uma gargalhada satisfatória. — Mas o que houve? Conte-me.

Sentamos na cama e lhe contei tudo o que aconteceu com meu pai. Ela escutava com atenção.

— Olha Daniel, não sei o que dizer – ela confessou. — Procure seu pai, converse com ele em um lugar bonito sobre coisas das quais você sempre quis saber. Aproveite. Ao menos você tem um pai arrependido. Melhor do que um pai que nem sabe se você está vivo ou morto.

Sei a quem ela se referia, aos seus pais. Meu coração se apertou ainda mais.

— Mas...

— Mas nada – ela me cortou. — É só a minha opinião. Você é quem faz as escolhas aqui. Aproveite. Lembre-se que ele se arrependeu. Antes tarde do que nunca. Ele ainda é seu pai, apesar de seus defeitos. Não somos perfeitos.

— Que poética essa menina – apertei a em meus braços e ela riu. Que gostosa essa gargalhada.

Depois da aula, cheguei em casa às onze e tanto da noite. Já havia deixado Júlia em casa. Assim, voltei para casa e comi algo com os amigos.

Já deitado, eu olhava para o cartãozinho em minhas mãos. O cartão do meu pai com seus contatos: rua, empresa e telefone. Pensava nele e em todas as poucas lembranças que tinha dele na minha infância.

Eram poucas, mas eram boas. Na época ele era um pai e tanto. Antes mesmo de Pedrinho nascer, papai (como eu sempre desejei chamá-lo) ficava comigo até tarde vendo televisão.  Mamãe ficava furiosa, mas nós ríamos.

Fazia tudo para nos agradar, principalmente, me agradar. E agora ele veio com esse papinho furado que teve medo da responsabilidade de ser um pai assim que Pedro nasceu, pois não seria só um, seriam dois para criar e sustentar. Mas essa não é a única razão. Afinal, um pai não foi feito só para sustentar as necessidades de filhos. Pai foi feito para amar seus filhos da maneira mais intensa possível. E sabia que amar, ele me amava o bastante. O que poderia dar errado com a chegada de um novo filho?

Lembro que quando ele jogava bola na rua comigo, todos me admiravam. Deve ter sido por essa razão que doeu tanto vê-lo partir. Foi como se de repente o meu mundo fosse por água abaixo. Quem vai ver desenhos comigo? Quem vai jogar bola comigo na rua e me proteger? Qual é o carro que eu vou ajudar a lavar em manhãs de domingo? Quem vai ver tevê comigo até de madrugada?

Isso tudo martelou na minha cabeça durante anos, até eu perceber que não era só eu quem sofria. Mamãe chorava bastante, eu sei. E Pedrinho sofria conforme crescia sem a presença de um pai.

Conforme fui crescendo, me sentia na responsabilidade de ser um pai para ele. Durante toda a nossa infância eu tentei ao máximo, mesmo ainda muito pequeno, lhe mostrar o que era um pai.

Ah, eu sinto tanto por tudo. É como ter perdido metade de uma vida que eu nunca vivi. Saudades de momentos que eu nunca tive.

— Alô? Oi? Boa noite – ele falou depressa. — Quem está falando?

— Oi. Pai? – perguntei surpreso, desejando estar certo do que estava prestes a dizer. — Desculpe te ligar essa hora, mas eu achei que dormiria melhor se lhe dissesse algo.

— Daniel? Oh! Que surpresa meu filho! – ele parecia contente. — Diga! Não tem problema. O pai ainda estava acordado lendo umas notificações no jornal.

— Pai, então – engoli em seco. — Quando podemos nos encontrar de novo para conversar melhor?

— No dia em que você achar melhor, Daniel. Eu disse que esperaria o tempo que fosse preciso.

— Ok – sorri satisfeito. — Um dia desses ligo para você e vamos marcar um encontro, certo?

— Combinado. Tchau, meu filho. Durma bem.

Revirei-me na cama satisfeito. Sentindo-me até mais aliviado. Pelo menos não me arrependera de tomar a iniciativa. Digamos que a conversa com minha mãe e, especialmente, com Júlia me fez rever alguns conceitos e tomar uma decisão antes que fosse tarde.


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Notas finais do capítulo

E ai, o que vocês acharam? O pai de Daniel foi muito cara-de-pau de procura-lo depois de tanto tempo? Daniel foi correto em deixar o orgulho de lado, as feridas do passado para tentar se reconciliar com o seu pai?



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