Relatos De Um Assassino escrita por Gabriel Soares


Capítulo 2
Capítulo 2 - A Gran Finale




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Abri a porta de meu apartamento e caminhei em direção à sala massageando as têmporas com força. Sentei-me na poltrona apreciando a madrugada cair horas à dentro. Na penumbra quase palpável da sala, coloquei a fita no videocassete e acomodei-me confortavelmente na poltrona preparando-me psicologicamente para as cenas que eu veria a seguir. 

       A fita de vídeo gravada há 17 anos, reproduzia na pequena televisão de minha sala as imagens e os sons da primeira vez em que eu havia visto um ato tão cruel e insano. Ao longo de toda a minha vida, eu jamais havia visto tanto sofrimento no rosto de uma pessoa, tanta agonia misturada com desprezo e raiva, mas ao mesmo tempo, deitada sobre a mesa, demostrava sentimentos de ternura e humilhação ao voltar os olhos para mim. 

O sangue vívido que fluía livremente para fora das veias e que aos poucos empoçava sobre a mesa, escorrendo pelos seus pés, era de minha mãe. E o homem que manejava a faca com incrível destreza e habilidade, como um profissional sanguinário, diversas vezes acostumado à tal ato já que essa não era a sua primeira vez, ele era o meu pai.

E eu? Eu era apenas uma criança de sete anos, e estava ali naquele momento, naquela mesma sala, presenciando todos os atos com olhares de repulsa e nojo, o gosto ácido e amargo em minha boca custava a sair, pois incontáveis vezes eu vomitara em um balde de plástico que encontrava-se ao meu lado. As cenas eram fortes e por mais que eu segurasse e pressionasse meu estômago com os braços, era impossível conter a ânsia. 

As provas de que Bryce havia perdido a sanidade mental eram evidentes, por mais que eu houvesse lutado para não assistir o óbito de minha própria mãe, ele me obrigara a sentar na plateia - como ele a chamava, pois gostava de apresentar-se em público - e assisti-lo.

Um pouco a minha esquerda, de frente para mesa em que minha mãe, Marybeth Collin Mills, encontrara-se deitada, estava a câmera apoiada a um tripé, a qual Bryce usou e narrou diversas de suas insanas apresentações. Quando encerrava seus homicídios, ele recolhia as fitas e as guardava em pequenas caixas retangulares e colocava-as sobre a escrivaninha de seu quarto. Mas esta fita, particularmente, ele havia me entregue um pouco antes de eu entregá-lo a polícia. Era a segunda vez que eu via as mesmas cenas, e não fazia questão de vê-las novamente, pois ao assistir o vídeo sentia constantes arrepios, como se todas as almas que meu pai havia perturbado passassem por trás de minhas costas. 

Caminhando alguns passos em direção a uma pequena mesa fora da visão da câmera, recorri às minhas recordações para lembrar o que ele havia feito após isso. Com desnecessária pressa, Bryce abriu uma pequena mala com um sorriso estampado no rosto que ia praticamente de uma orelha a outra, e com demasiado cuidado, retirou um instrumento peculiar, longo e brilhante: a arma que ele mesmo havia inventado, a sua obra prima sempre usada no fim do assassinato para deixar sua assinatura, a Gran Finale.  

Eu não poderia mais ficar ali, aquilo me fazia mal, ver a pessoa que sempre me amou ser torturada sobre uma mesa, sangrando até a morte, por um porco bêbado me deixava nervoso. Não suportando mais permanecer naquele local, recordei-me de me levantar e correr desesperadamente em direção à porta. 

- Faça isso! Vamos! Vá embora! Não haverá ninguém para lhe acolher, para lhe proteger, você vai ficar como o seu irmão, perdido! 

Exalando raiva, o rosto de meu pai cobria a tela inteira e com um súbito baque, a câmera encerrou a gravação deixando a tela da televisão preta escurecendo ainda mais a sala. 

Encontrei-me sozinho em meio a meus pensamentos. Completavam-se três meses desde que eu o havia denunciado a policia. Preso, somente, por porte ilegal de armas, Bryce havia pegado não mais que quatro anos de prisão. A fita de vídeo ainda era uma grande arma contra ele. Somando como autor do assassinato, com tais provas, sua pena poderia se estender por mais de doze anos. Mas a princípio, eu não pretendia usar isso contra ele, em minha mente, meus planos eram muito maiores.

Observando os ponteiros do relógio percebi que haviam se passado mais de três horas desde que tinha deixado à penitenciária. Os olhos negros de Bryce me fitavam, inquietos, era prazeroso para vê-lo na pior das situações, significava um prêmio de coragem por tê-lo denunciado. Sempre aprendi a temê-lo, jamais a enfrentá-lo.

Após a morte de minha mãe ele me treinou, ensinou-me contra minha vontade a desenvolver esse vício, que agora eu carregava nas costas, prosseguindo com seu legado. Era seu objetivo desde o princípio, julgava conter no nosso DNA tal vício. E se ele havia me treinado, se ele havia dedicado tanto tempo e tantas vidas para o meu treinamento, eu fazia questão de mostrar para ele no que eu havia me tornado, e o quanto eu era hábil com uma simples faca em mãos.

Eu estava somente aprimorando minhas habilidades, para um dia, usa-las nele, havia prometido isso para mim mesmo, honrando a memória de minha mãe. Minha última vítima tinha nome e sobrenome: Bryce Mills.


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