“Estou morto, Horácio. Vós que empalideceis a esta catástrofe, que não passais de mudos assistentes desta cena... Que importa! Horácio, eu morro, mas tu vives; perante os descontentes, justifica-me e à minha causa. Como o homem que és, entrega-me essa taça. Entrega-me, por Deus! Larga-a! Óh Deus! Que nome eu deixo, Horácio caso continuem confusas essas coisas. Se algum dia em teu peito me abrigou, priva-te por um tempo da ventura e respira cansado mais um pouco neste mundo tão duro, para á todos contares minha história. Morro, Horácio; o veneno me domina já quase todo o espírito; não posso viver para saber o que nos chega da Inglaterra. Contudo, profetizo que há de ser escolhido Fortimbras. Meu voto moribundo é também dele. Dize-lhe isso e lhe conta mais ou menos quanto ora aconteceu... O resto é silêncio.”*
Fiz o que me pedistes meu bom príncipe. Fortimbras agora também é realeza dinamarquesa. Nunca em nossa história estivemos tão acostumados à fraterna presença norueguesa. Meu nobre amigo, se o trono alcançasse seria um grande rei. Sinto que não estejas para presenciar a que fim levou teu grande espetáculo.
A senhora sua mãe, Rainha Gertrude, agora repousa eternamente perto de Ofélia. Foi o máximo que pude. Para o povo, assim como para ti meu amigo, o rápido casamento fora visto com maus olhos.
Se lhe serve, seu tio Cláudio não fora enterrado em solo sagrado. Deposto por traição, nem mesmo o ocorrido de sua morte causado por ti o salvaram.
Meu coração dói. Tu me privaste de partir com ti, assim ando por entre céu e terra a contar sua história. Não me entenda mal meu nobre príncipe. Não carrego como fardo a tarefa. Apenas sinto que se o trono alcançasse, teria sido um grande rei. É esse o aperto que me corrói.
A que adianta meus lamentos? É um passado agora longínquo. Uma tragédia de que a humanidade jamais verá igual. Desculpe o termo. Mas perder-te só pode ser descrito como tragédia.
Aquele veneno. Maldito veneno. Maldito florete envenenado. Maldita pérola na taça de vinho. Novamente rogo pelo seu perdão. Sei que incumbiu-me da tarefa de espalhar a verdade, sem comentá-la. Contudo, é algo deveras difícil. Há de lembrar-se de nossa amizade. Assim deves entender, não consigo ficar calado diante do fim que levou.
Sem delongas, deve estar questionando o que faço a tal hora da madrugada em frente seu lugar de repouso. Vinte anos se passaram meu príncipe. Já não tenho o vigor juvenil que costumava ter. Em verdade lhe digo, sinto meu fim se aproximar. Cumpri o que me pedistes. Agüentei o mundo enquanto pude, mas não posso enfrentar o tempo.
Ó Morte! De todos os pensamentos o que prevalece é que poderei reverter. Acalmo-me. Espero que os anjos que te acompanharam possam também me buscar. Meu caro amigo príncipe, teu nobre coração partiu e sei que o meu terá o mesmo destino em um futuro próximo.
Alegro-me ao lembrar que com sucesso cumpri minha missão. Contei a todos a história de como provastes as tramas de seu tio. De como fora traído e envenenado. E de como mesmo nunca chegando ao trono fora enterrado como o rei que maravilhosamente teria sido.
Perdoe-me as profundas confissões. E por permanecer em seu lugar de descanso nos meus momentos finais. Mas tudo que fiz tinha em mente nossa amizade, assim permaneço contigo para espantar o medo que sinto com esse momento. Ó Morte! Tu chegas cada vez mais rápida. Ó amigo! Em pouco te visitarei!
Ademais, os que continuam em seu rastejo pelo mundo fica meu sentimento de pena. Aos outros fica meu último desejo de Boa Noite.