The Unbible escrita por MrNothing


Capítulo 2
O dia mais cinza do ano




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                Noite passada meu irmão foi vítima de um ataque cardíaco, sinto-me desolado, mas o mais estranho de tudo foi terem encontrado ele naquela igreja abandonada. Qual o seria o motivo de ele estar lá àquela hora da noite? Ainda mais com uma tempestade acontecendo. Meu irmão nunca foi religioso, já deixara de lado suas crenças para seguir sua vida, mas ontem, o que aconteceu?

                Minha mãe abalada pela perda do seu segundo filho se despedaçava em cima do caixão. O dia cinza e entristecido servia de paisagem para o velório dele. Era difícil ver seus olhos fechados e saber que ele não estava dormindo. Tão novo quanto eu, menos de dois anos de diferença, ele representava meu defensor. Agora éramos apenas eu e minha mãe.

                Achei estranho ver que seus amigos não estavam chorando, mas  estavam assustados. Seus olhos arregalados e seus pensamentos aéreos denunciavam um ar de preocupação deles. O que seria aquele estado? Repensando o sentido da vida? Ser muito jovem para morrer? Parecia ser muito mais do que isso. Resolvi me aproximar deles e descobrir o que lhes assustavam.

                - Bruno, Fábio, como estão?

                - É estranho cara – gaguejou Fábio – ver isso.

                - Você deve estar muito mal – concluiu Bruno olhando de forma assustadora para mim.

                - Estou sim, é terrível. Mas vocês parecem assustados, eu sei que o clima não é bom e que se assustar é normal, mas tem algo de diferente em vocês.

                Os dois se olharam e abaixaram a cabeça, e depois se calaram. Achei a atitude deles muito suspeita. Eles certamente estavam escondendo algo, algo importante.

                O velório acabou e todos retornaram para suas casas, perdemos uma vida, mas não perdemos a nossa. Eu fiquei mais um pouco com a minha mãe, seus olhos já estavam fundos de tanto lamentar. Tudo aquilo era muito para ela, ela não devia passar por isso de novo. Mas era preciso desapegar, por mais difícil que fosse.

                Chegamos em casa e pus minha mãe para descansar, deixei um lanche em seu quarto, mas sabia que nunca o tocaria. Aquele som aterrorizador tomava conta da casa, um som vazio, um som de nada que nos lembrava das ausências. Eu não conseguia relaxar também, então liguei para Amanda e pedi que me fizesse companhia.

                Amanda que já estava comigo há dois anos nunca me negou afeto, tenho muita sorte por tê-la comigo. Quando ela chegou, deitamos no meu quarto e ficamos abraçados olhando para o teto, tentando extrair daquilo as respostas para nossas perguntas. Só a respiração tranquila de seu corpo já me acalmava.

                - Como está o Fábio? – comentei com ela.

                - Como esperado, triste – lamentou.

                - Seu irmão parecia assustado hoje no velório.

                - Quem não estaria? – ela olhou confusa para mim.

                - Todo mundo, eu sei. Mas ele parecia diferente. Não sei.

                - Pode até ser, essa semana parecia que o Fábio estava tendo alucinações.

                - O que?

                - Não sei o que é, mas ele estava bem espiado.

                - Estranho. Ele parou com isso?

                - Até ontem ainda parecia, mas hoje ele não teve tempo para pensar nisso. O impacto da perda de seu irmão chocou muito mais.

                - Verdade – ressenti.

                - Estranho a causa da morte não acha? Ele era muito novo.

                - Com certeza, muito estranho.

                Paramos por mais um tempo sem falar, ficamos só observando o véu da noite dominar o quarto. Para um dia cinza, até que a noite estava recompensando.

                - Que horas precisa voltar?- quebrei o silêncio.

                - Eu não preciso, meus pais viajaram essa noite.

                - Não tem ninguém na sua casa?

                - Só meu irmão.

                - Ele não quis ir?

                - Você iria querer?

                - Não. Vai deixá-lo sozinho? Ele não ficará mal?

                - Ele sabe se cuidar. Qualquer coisa ele me liga. Ele sabe que não está sozinho.


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