O Bosque escrita por Spark Cleo


Capítulo 1
Sua própria curiosidade


Notas iniciais do capítulo

Talvez possam gostar de ouvir https://www.youtube.com/watch?v=q2I0ulTZWXA a partir do meio do texto.



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2013-20-02

Aquele bosque não era somente elevado ao misticismo. Tudo que ali existia,era fruto dele. A cidadezinha era agraciada por todos aqueles que a visitavam. Há vários anos,a cidade de Earthwood deixava de ser somente uma cidadezinha escondida por um bosque,para se tornar um ponto de turismo altamente visitado pelas poções e encantamentos proferidos pelos que lá viviam.

Os moradores costumavam dizer que era só mais um feito do bosque,querendo enriquecê-los,e fazê-los conhecidos.

E naquele ano em especial,Walter Woother,jornalista conhecido,mas não muito renomado,fora visitar e conhecer os mistérios,e místicios de Earthwood sabendo-se que aquilo lhe renderia uma gratificante matéria,e possivelmente um aumento de salário.

Chegara a Earthwood em seu costumeiro carro de viagens,prontamente registrando a paisagem que o levara até ali.

Bloco de notas e câmera fotográfica em mãos,não deixava só um detalhe escapar. Capturava as imagens com destreza,anotando sem nem ao menos desviar o olhar para o papel,ciente de que mais tarde,teria de prestar devida atenção em seus próprios garranchos,para preparar sua matéria.

Mas não lhe importava o trabalho a noite,era o horário em que sua produtividade era avançada. Com um grande copo de café açucarado,já passara madrugadas a fio trabalhando.

Pôs o corpo para fora do carro,maravilhado pelas lojinhas espalhadas. Na maioria haviam cristais perolados presos nos topos de parapeitos.

As arvores eram de um tom primaveril,que parecia perdurar por décadas. Suas folhagens cobriam parte dos raios solares,dando ao local um ar de beleza sem igual.

A brisa leve agitava seu cabelo castanho em corte temporal,fazendo-o tirar os óculos para poder mirar os olhos castanhos em folhas que caiam lentamente.

Mais adiante podia-se ver uma entrada mais escura,um local meio afastado,porém,de onde pareciam prover todas as coisas. Ao que tudo indicava,era um bosque,ou até mesmo uma floresta densamente escura. Viu algumas pessoas saírem de lá,parecendo extremamente felizes,agradecendo a um homem,que em seguida,voltou para sua lojinha a beira da floresta.

Apressou-se em registrar aquele momento que lhe parecia único. Flash. Uma foto fora o bastante para lhe satisfazer. Embora pensasse em tirar bem mais fotos a noite. O tempo corria,e ele precisava aprontar tudo. Sendo assim,apressou-se em pegar suas bagagens e pertences,e ir direto para uma pousada na qual havia se registrado.

Pousada Sol e Luar,te agraciar irá,se no bosque entrar

Assim que avistou a recepcionista,se dirigiu á ela,porém,sem ao menos o olhar,disse calmamente;

–Desculpe,estamos lotados.

Pego de surpresa,Walter tentou dialogar.

–Eu reservei um quarto há uma semana,senhora.

–Seu nome? –tirou os olhos de seu computador,e olhou-o,num gesto comum.

– Woother.

Após alguns segundos olhando em papéis sobre a mesa,ela lhe dirigiu um olhar de condolências.

–Desculpe,estamos recebendo muitos outros como o senhor este mês,e não podemos guardar seu quarto por tanto tempo.

–A Senhora não entendeu... –olhou para os lados,em seu gesto genuíno de nervoso. –há uma semana eu reservei este quarto,até mesmo paguei adiantado!

–Podemos reembolsa-lo,se quiser,senhor.

–Deixemos o dinheiro para depois,sim? –argumentou. –olha,eu preciso de um quarto. Estou aqui a trabalho,e não posso simplesmente voltar. Vocês não tem nenhum quarto reserva?

–Não na pousada,senhor.

–Não tem nenhuma casa,nem nenhum outro lugar onde eu possa ficar por esta noite?

–Bem... –ela pareceu perturbar-se. –temos uma. Mas não é ocupada há um ano,senhor. Então,ela pode não estar muito receptiva.

Só por uma noite. Walter pensou antes de aceitar veemente.

A recepcionista lhe indicou que procurasse um senhor dono de uma barraca de doces logo na entrada do bosque.

E lá foi ele,visivelmente descontente,á procura do tal senhor. O avistou assim que saia da pousada,aquele era um local pequeno e onde ele estava não era nada indiscreto; bem na entrada do bosque,com uma barraquinha muito colorida cheia de balões e o letreiro colorido e brilhante escrito: lembrancinhas.

Rumando para lá,esperou que os outros visitantes saíssem sorridentes da barraca,para chamar a atenção do senhor. Ele lhe dirigiu um nato sorriso,ao indagar:

–O que deseja,filho?

–A mulher da pousada me mandou aqui. Disse que tinha um quarto.

Somente ao ouvir aquilo,seu sorriso sumira,dando lugar a uma expressão pesarosa.

–Meu jovem... –seu tom agora era cansado. –Por que veio para cá? Saia,antes que seja tarde.

Confuso,Walter olhou ao redor,certificando que o velho falava com ele.

–Se eu sou incomodo aqui,posso sair,mas a atendente me disse para vir aqui. –Walter se apoiou na bancada da barraca. –Eu posso pagar um pouco mais...

–Esqueça,escute o que lhe digo: saia,saia logo,antes que... –uma senhora aparentando a mesma idade do homem que falava,apareceu interrompendo-o.

–Ora,o que foi,Percival? Por que está incomodando o garoto? Deixe-o ficar,ele vai adorar. –então,dirigiu para o garoto um sorriso maternal.

O homem chamado Percival,olhou para a senhora,como se pedisse algo.

–Ele é só um garoto,deixe-o ir,minha velha!

Puxando-o um pouco para longe,ela afirmou:

–Você sabe que é preciso

–Mas eu não quero. Não aguento mais fazer isso.

Confuso,Walter procurava ouvir a conversa disfarçadamente,porém tinha a certeza de ser bastante visível o seu propósito.

Após vê-los se afastarem mais do seu campo de sua audição,procurou voltar para a pousada. Se soubesse que iria ter toda aquela ação burocrática,nem teria ido. Odiava ficar de um lado para outro,sua área de repórter era assegurada por fontes sempre confiáveis,odiava fazer algo sem certeza.

Lá chegando novamente,só precisou trocar algumas mínimas palavras sobre o ocorrido com a atendente,para que chegassem senhor e senhora até a pousada.

Após alguns minutos de conversação entre os residentes locais,se decidiu que o velho iria sim,abrigar Walter. Mas,como ainda estava cedo,ele poderia somente ver se o local lhe agradava,e passear pela cidade até a hora em que quisesse se recolher.

Acerto combinado,foi guiado para a tal cabana.

–É pequena,mas acho que dá. –era uma típica cabana,teto praticamente de palha e folhas, tapetes bordados,e uma simples cama no canto de uma parede devidamente forrada.

Observando que serviria para passar uma noite,voltou o olhar para o velho,sorrindo minimamente.

Passando em seu lado,apreciou o arvoredo.

Respirando fundo,notou a diferença do ar da cidade. Aspirou mais uma vez,rindo sozinho. Talvez um dia quisesse passar uma temporada fora da cidade.

Na terceira inspiração,foi interrompido por uma dor tão lancinante na parte de trás da cabeça que foi tomado pela inconsciência . A ultima coisa que viu,fora o velho com um porrete nas mãos.

~~

Tomado por uma dor aguda,Walter demorou a abrir os olhos.Sua cabeça pesava mais do que nunca. Quando enfim abriu os olhos,não soube reconhecer onde estava. Não estava nem na cidade,nem em sua casa. Mas sim,no meio do mato.

–Por que fez isso? –balbuciou,tentando pôr as mãos na cabeça,somente para perceber que estava amarrado. –Velho desgraçado.

Ciente de que o velho estaria ali,com certeza rindo a custa de sua desgraça,levantou o olhar com fúria.

–Pode me dizer pelo menos o motivo disso,maldito? Não paguei o bastante em dinheiro,e você quis tirar minha vida? –a fúria o levava a ser sarcástico.

O tal Percival estava também sentado no chão,porém,um pouco mais longe.

–Desculpe... –foi tudo o que disse.

–Só isso? Só vai dizer isso?

–Eu... –então,como que perturbado,o senhor começou a contar cada detalhe,cada etapa,e cada do que fazem sempre. Como agem,os motivos,e o maior motivo.

Ao final da explicação,porém,não notou como a expressão compenetrada de Walter se tornara furiosa e revoltada. Em suspiro,terminou;

–Desculpe,garoto,mas é preciso.

–Então é isso? Vocês sacrificam alguém todo maldito ano para se dar bem?!

–Você não entende,ainda é muito jovem. –o velho apertou as cordas em seus pulsos,tendo a certeza de estar bem preso. –Todos nós dependemos disto. Uma vida não é nada comparado a todas as vidas dessa vila.

–Sim,eu sou jovem,então por que você não sacrifica a si mesmo? Um velho caquético,que já viveu o que tinha para viver.

O velho já parecia perder a paciência quando atou mais um nó em suas mãos. Com um olhar angustiado,começou a gritar.

–Você não entende?! Não é culpa minha! Você acha que eu gosto de todo ano ser responsável por isso? Acha que eu gosto de ter que entregar para ela algum jovenzinho que nem pôde aproveitar a vida direito? Acha que me sinto satisfeito? Já faço isso há 10 anos,e você acha que eu não queria ficar no seu,e no lugar de todos os que já morreram pela cidade? Eu bem queria,garoto.Eu bem queria poder acabar com esse tormento! Minha consciência pesa,eu sinto remorso,mas não posso acabar com isso!

Passou as mãos tremulas no cabelo espesso amaldiçoando a si mesmo.

–Eu escuto os gritos,sempre escuto. Sempre que essa data se aproxima eu tento fugir,mas ela não deixa! Por favor,garoto,só aceite o seu destino!

–Hipócrita. –Walter cuspiu para o lado,em desgosto. –Todos vocês são hipócritas.

–Garoto... por favor... aceite seu destino,assim não será tão doloroso! –o velho tinha agora uma expressão de pavor. -Não é culpa minha,você precisa entender! Uma vida não é nada comparado a uma vila inteira!

Walter somente bufou,escolhera não gastar suas forças reclamando com um velho cabeça-dura,e assassino.

–Então por que ainda está aqui? Vamos,volte pra a sua cidadezinha querida,e continue vivendo normalmente como se não acontecesse nada. –disse naturalmente.

–Mas você não entende! –o velho parecia desesperado.

–Sim,não entendo. –cortou,antes que ele começasse com o mesmo papo de falso remorso no entendimento de Walter. –Agora por que você não sai,e me deixa em paz nos meus últimos momentos de vida,hum?

–Meu jovem,você....!!! –então,com o que pareceu um inicio de choro desesperado,o velho se embrenhou mata adentro. Voltando algum tempo depois,com um machado.–Tome. Aí está,sua chance.

–E como você espera que eu saia daqui pra pegar isso? –disse entre dentes.

–É tudo que posso fazer por você,garoto. –dito isto,pesaroso ele se envolveu na escuridão do bosque e sumiu completamente da vista de Walter.

E assim ele ficou. Sozinho imerso naquela escuridão formada por majestosas árvores,que naquele momento,lhe pareciam assustadoras.

Pensando bem agora,Walter se arrependia de ter mandado o velho embora. Estar sem companhia,o fazia se sentir como uma presa esperando a hora de ser abatida.

Passaram-se minutos e a ansiedade já o fazia suar. Quando ela viria? Quem seria ela? Era o que se perguntava.

Meia hora se passou,e ele estava a beira de um ataque. Não poderia saber as horas,nem sabia quando tinha sido apunhalado,e aquilo o atormentava.

Passou a contar ao minutos,procurando uma distração. Se arriscou a olhar para as cordas que prendiam suas mãos,e teve as esperanças renovadas. O velho deixara um machado! E ele ainda tinha as pernas não tão apertadas e o objeto não estava tão longe.

Mesmo assim descartou a ideia,precisaria ser um contorcionista para poder pegar um machado com as pernas e conseguir cortar somente as cordas das mãos.

Sendo assim,tentou forçar as mãos para fora do nó,o que resultou somente num aperto ainda mais forte.

Horas se passaram,e o bosque ficava cada vez mais escuro,a densidão da floresta era aterradora. E o silencio... Ah,o silencio. Era o que mais o aterrorizava. O silencio era uma armadilha antiga usada pelos predadores. Era no silencio que os sentidos diminuiam e se aguçavam. Será que estou mesmo sozinho? Onde está o outro? Pensamentos assim sempre invadem a cabeça de quem está no silencio.

Somos acostumados a viver em companhia,na mais perfeita luz e aos muitos vários sons da sociedade. Desse jeito todo humano se sente bem,protegido,calmo e em paz,até.

Mas é no escuro onde os instintos primitivos de proteção se aguçam,ativando a espera por um ataque. E é no silencio que o medo se ativa,fazendo com que você se prepare para os perigos. Porém,quando está silencioso e escuro... ah, o corpo se vê em estado de dilema,te deixando assim,com todos os sentidos aguçados,o sangue bombeando mais apressadamente,os olhos se tornam em olhos de águia,seu olfato se apura,seus ouvidos se preparam para qualquer e simples ruído,uma coragem se apossa,mandando o medo para longe,e trazendo de volta os sentidos primitivos de tempo de caça.

E Walter estava completamente apavorado. Estar preso não era uma das melhores coisas,porém com o óbvio passar das horas,sua mente o levava crer que aquilo era somente uma brincadeira dos moradores dali.

Uma sádica e insana brincadeira.

O sono começava a tocar conta de seu corpo,mas o medo o atacara de tal forma que um simples piscar de olhos o fazia temer. Se ao menos pudesse pegar o machado...

E assim seguiu por mais duas horas. Tendo agora a quase certeza de que tudo aquilo não seria mais do que um pesadelo quando amanhecesse,se permitiu descansar um pouco. Ao menos o que aquela posição o deixaria cansar. Seus braços já tinham câimbra, e o estomago clamava por comida,ciente de que se dormisse não sentiria tanta dor,fechou os olhos lentamente,depositando agora sua confiança somente em seus ouvidos.

~~

Dolorido,Walter abriu seus olhos lentamente,sentindo o coração disparar ao se deparar com uma moça um tanto curiosa logo a sua frente,o analisando.

Agora,já não se ouvia nem mais vozes vindas da cidade,já não se ouvia mais os pássaros,nem mesmo o vento nas arvores soprava,como se a própria natureza antecipasse algo.

Retesou-se,puxando as pernas para perto do corpo,com sua língua travada pelo pavor. Seus olhos arregalados demonstrando o assombro,não mostraram suas mãos movendo-se energicamente,tentando dissipar a dormência,e procurando a escapada inútil das cordas.

E sabe o que piora o medo? A presença. Se você está amedrontado,seu corpo se preparará para tudo,e inconscientemente você deseja que não seja nada. Porém,se você tem companhia,tudo se dificulta.

As cordas lhe impediam o sangue de ter seu fluxo correto.

A desconhecida o analisava com olhos limpamente inocentes e olhar curioso.

–S-Saia! –Walter ouviu sua própria voz espantado,a rouquidão provocada pela secura de líquidos,o medo iminente e até mesmo sua voz parecia-lhe diferente depois de tantas horas.

A estranha não pareceu se importar,e levantou-se,pondo um dedo no queixo e analisando mais uma vez o homem em sua frente.

Daquele jeito,Walter pôde ver como era.

Pele lilás,cabelos ondulados em mesmo tom,e seus olhos roxos,curiosos, contrastando perfeitamente com o vestidinho rosamente florido adornado com uma simples renda nos joelhos.

Ela bateu o pé algumas vezes no chão,fazendo com que ele se deleitasse com a visão. Era belamente inocente,aparentando flutuar em meio aquele lugar. E aquilo não o incomodou,pelo contrário, se aquela fosse a ultima visão que teria,não se importaria. No entanto,quando a viu dar a volta na arvore em que estava preso algumas vezes,foi apossado novamente pelo medo.

–Quem é você? –perguntou,após passar a língua nos lábios,tentando manter o tom de voz estável.

–Eu é quem devia perguntar isso. –sua voz era macia,como se o acariciasse. –Essa floresta é minha.

Ótimo,uma mimadinha que acha que comprou o lugar para si.

–E não sou mimada que comprou algo,senhor. Essa floresta é mesmo minha,minha mãe me deu. –continuou,como se lesse seus pensamentos. Então,parou atrás dele na arvore. –parece que mandaram mais um pra cá.

Mais um? Walter se perguntava.

–É,todo ano fazem isso. Parece até algum trote universitário. –parecendo aborrecida,tocou nos pulsos de Walter presos do outro lado da arvore. –Eu acho isso uma bobagem. –passando-se alguns segundos,indagou: -Quer que eu te solte?

–Não obrigado.

–Ah,bobinho,não minta. Sei que está desconfortável aí.

Respirou fundo,descartando imediatamente o desejo de sair. Só mais umas horas,eu aguento. Ao amanhecer,voltam aqui. Só mais algumas horas...

–Vamos,aceite,não vou lhe fazer mal. Só quero ajudar. Imagine que todos os anos salvo alguém. Considere isso um ato de bondade anual. –riu,e tocou o braço de Walter.

Você sabe como é se sentir tentado a algo,mesmo sabendo que aquilo pode ser terrivelmente errado? Então sabe como Walter se sente neste momento.

~~

–Essa é tipo minha ultima refeição? –disse divertido,pela primeira vez naquele novo dia,comendo alguns frutos suculentos que ela lhe dera após solta-lo.

Somente viu-a olhar para o céu,e continuou a mínima refeição.

Sentado ali,comendo frutinhas,começou a acreditar que aquilo tudo era realmente uma brincadeira de muito mal gosto,e que ao amanhecer poderia sair dali,e voltar para sua matéria do jornal.

Maldita seja a matéria! Se não lhe houvesse ocorrido a ideia de ir numa cidade pequena,possuidora de um tal bosque mágico,não teria se envolvido nessa loucura dos habitantes locais.

–Então... qual seu nome? –procurou iniciar uma conversa. Pelo seu imaginar,deviam ser uma,ou duas da madrugada,pelo frio que sentia na carne corroída dos braços.

Ela o mirou,e imprimiu um tom suave;

–Qual você imagina que seja?

–Sabrina.

–Então este é meu nome. –voltou a olhar para o céu.

Após alguns minutos de silencio,lhe ocorreu um pensamento.

–Está esperando algo?

–Digamos que sim.

Desconfortável,Walter se levantou,sendo acometido por uma desconhecida fraqueza nas pernas. Após ter a certeza de que conseguiria andar,forçou a mente a lembrar em que direção viera.

–Está indo para algum lugar? –ouviu-a atrás de si,começando a procurar a saída daquela mata.

–Sim,e seria bom que você não me seguisse,pode se perder ainda mais.

–Quem disse que estou perdida? –seu tom era misteriosamente divertido. –Vamos,eu queria que você ficasse mais um tempo aqui,mas vamos procurar uma saída.

Passado-se mais um tempo,e mais algumas conversas chatas,Sabrina pareceu se chatear.

–Você é chato!

Walter riu,achando graça,porém Sabrina não parecia brincar...

–Me diga,por que me soltou?

–Porque eu queria brincar. –falou entre os dentes,parando-o. –Mas você é chato,desconfiou de mim. –pouco a pouco a imagem inocente que tinha,foi se transformando. –A cada ano eu venho aqui me divertir,e eu sempre encontro adolescentes desiludidos,e pervertidos. Eu não esperava encontrar um adulto aqui,mas eu tentei ser legal com você. –seu rosto ia tomando forma de um animal raivoso,tal como o corpo,sofrendo borbulhas na pele,escamando. –Mas minha paciência não é de ferro,e você a esgotou desde que te soltei. Eu devia ter te matado era ali mesmo,teria me poupado a paciência.

Cuspiu para o lado,revelando uma saliva acida.

Suas unhas cresciam lentamente,sua mão,apertando o ombro de Walter,fazendo com que se afastasse alguns passos,contemplando como que enfeitiçando toda aquela transformação.

Seus braços se tornavam escamosos,adquirindo pele de réptil. No entanto,sua coluna se inclinava para frente,transfigurando suas pernas em patas de leão,seus cabelos se desprendiam,tomando forma de Medusa,os olhos antes roxos,agora chamuscavam fogo,e o tronco,única parte em que traços humanos ainda restavam,mostravam seios emoldurados pelos resíduos de todos os outros cantos do corpo.

O rugido da criatura o fez voltar á realidade.

Mesmo que quisesse continuar ali,no feitiço da criatura,seus pés pareceram criar vida própria,o tirando dali de supetão. Iniciara-se uma corrida contra a morte. Suas pernas faziam enorme esforço,mas sentia que era preciso.

Sentia-se cansado,mas era obrigado a correr. Ouvia logo atrás de si,os passos o seguindo,e embora soubesse que estava mais perto do que imaginava,negava-se a olhar para trás,pois sabia que se visse,não conseguiria mais fugir. E as vezes,a ignorância tinha certa virtude.

Desembestado e perdido,correra por entre as arvores,tomando qualquer rumo que pudesse afasta-lo de ser a caça de um jogo doentio. E correu.

Correu até não aguentar mais,e aguentou quando não pode. Em sua mente aquilo estava acontecendo há horas. O jogo da caça e caçador era sempre ensandecido.

A corrida fizera Walter ir diretamente para o meio da floresta. Ficara perdido em meio a tantas arvores. Mas ali estava. Bem onde havia estado desde o principio. Ali estava também o machado. O longo e achatado machado que ali fora deixado para seu auxilio.

De pronto,abaixou-se,e passou o dedo na lamina. Não estava afiada,mas devia servir. Tinha que servir.

Levantou-se com olhar faminto,e agora se sentindo o caçador,tomou a direção que lembrara ter ido,apenas para deparar-se com o vazio silencioso da floresta.

Alerta,olhou todos os lados,lembrando sempre de que o silencio era um mau presságio. Arvores,arvores e mais arvores. Era somente o que havia ali. Ou pelo menos era o que aparentava.

Seu coração batia em compasso com a velocidade de seus pensamentos aterradores. No entanto,seu semblante era calmo,quase calculista. Não sabia onde estava,muito menos o que enfrentava. A única regra agora era sobreviver.

Tomado pela coragem,começou a andar lentamente,firmando todo o calcanhar em cada pisada. Seu olhar vasculhava com cuidado cada coisa,cada pegada,cada som e cada sinal que pudesse aparecer.

Estava cansado daquilo,mas o único objetivo era sobreviver. E ele não se daria ao luxo de descansar com toda aquela adrenalina apossada de seu corpo. Sabia que aquilo era um jogo,e que o inimigo esperava seu momento de distração,para poder pegá-lo. Também sabia que em jogos só haviam caça e caçador. Só lhe restava descobrir qual dos lados da moeda era o seu...

Ignorando o tremor de suas pernas em cada passada,amaldiçoou o escuro. “Mas claro,perseguição não é perseguição se o ambiente não está escuro e tudo está em infeliz silencio.” Pensou Walter. Silencio este que o aterrorizava mais que o escuro em si.

Diminuindo a precisão ao segurar o machado,coçou a cabeça,incerto de onde começar a procurar. Aquilo só tinha arvores! Como acharia algo no meio daquilo tudo?

A mão na cabeça lhe fez sentir pingos. Pingos que não eram de chuva. Em reflexo,ergueu os olhos e no mesmo instante tudo teve fim.

De repente,tudo parou. O vento,a corrida,tudo. Só restou o som do machado ao cair no chão.

Uma suave música começara a tocar de algum canto da floresta. Ah,a hipnose,tão cálida e confortante hipnose.

Lá estava a coisa lhe pingando sua baba gosmenta e com os olhos injetados de sangue no que parecia observa-lo esse tempo todo.

Em um pulo,já estava na frente de Walter. Um sorriso cínico apareceu na criatura.

–Você pode ser chato,mas que isso está sendo mais divertido do que os outros anos,isso está.

Hipnotizado,Walter somente olhava a criatura,fascinado.

Ah,tudo bem. Acho que já te deixei correr demais.–agitou as patas de tigre em indiferença. –No entanto,essa sua cara de coitado está me dando pena... ...de te matar parado. –vendo que Walter continuava parado,o apressou; -Vamos,já desistiu? Se sim,vamos adiantar isto,que estou com fome.

Sorrindo maldosamente,ela se aproximou dele. Seus cabelos como cobras se agitando pelo cheiro de sangue,suas unhas circundando o rosto de Walter.

Fazendo um corte,lambeu-lhe o rosto. Saboreando o gosto metálico na pele percorreu-lhe o braço com o nariz. Em simples mordida,lhe arrancou um pedaço do antebraço.

A dor o atingiu cegamente,tirando-o do transe. Seu grito não saia,seu corpo não se mexia. Só seus olhos podiam se arregalar na medida em que era mordido e arranhado.

Sentiu quando seu braço foi arrancado e o viu ser comido como milho,sentiu o baque de seu corpo no chão,quando sua perna fora puxada por dentes. Sentiu sua própria lagrima queimar um arranhão no rosto. Sentiu uma garra afundar em seu peito,viu suas vísceras serem jogadas e comidas no chão. Ouviu os risos quando suas unhas foram arrancadas uma por uma,sentiu o sangue se coagular e as veiam se romperem. Sentiu os membros se dilatarem até não sobrar nada. E por fim,ao sentir o ultimo corte,o corte que o levou para a inconsciência da morte,amaldiçoou pela ultima vez, sua própria curiosidade.



2014-mesma data.

Um jovem loiro se aproximava da pousada. Dando seu melhor sorriso á atendente,falou do quarto que reservara,no entanto;

–Desculpe. Estamos lotados...





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Notas finais do capítulo

Bem,aí está.



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