Ela está linda.

 E isso nunca foi sobre você. Ou a maneira como você se sente. Ou a maneira como tudo parecia confuso em todos os lugares que vocês olhava. Era como acabar de mergulhar em um lago que continha água salgada demais e passar o resto do dia com a sensação de enxergar tudo a sua volta com menor nitidez.

Mas agora ela está linda.

 E, de verdade, você sabe que isso nunca realmente foi sobre você. Tudo sempre foi por, sobre e com ela. Desde que você estava no primário e descobriu que a garotinha loira do outro lado da sala se sentia tão sozinha quanto você. Tão deslocada quanto você. E pela primeira de muitas outras vezes que estavam por vir em sua vida, alguma coisa parecia apontar pra uma direção muito estranha na época. Oras, você era apenas uma criança!

 Você era apenas uma criança, mas mesmo uma criança poderia dizer que a menina de olhos de gato do outro lado da sala, era muito especial.  Mesmo uma criança poderia dizer que a direção dos sentimentos que você estava tomando com apenas seis anos de idade, te tornaria diferente mais tarde.

E era assim que você se sentia olhando pra ela agora. Você está atrasada, você sabe muito bem disso e mesmo que tentasse negar, o olhar que Rachel está te enviando do outro lado do ginásio estaria te informando o quanto está encrencada. Mas tudo bem. Isso é ok. Pelo menos você veio. E agora você acompanha, encostada em uma pilastra, a dona de todas as suas atenções subir alegre as escadas que levam à parte de cima do palco com um turbilhões de sentimentos fervilhando, loucos para serem postos para fora de você. As costas de seu vestido azul estão grudadas em suas costas por causa do suor que escorreu na sua tentativa não muito boa em não se atrasar. Se seu pai olhasse pra você agora, provavelmente um discurso sobre como você não se veste adequadamente para lugares públicos estaria sendo ditado. E, de novo, estaria tudo bem. Porque, veja bem, o seu pai nunca foi a pessoa mais presente do mundo em sua vida. Ele sempre soube ignorar sua atitudes, no que você aprendeu muito bem a fazer o mesmo. Nada importava agora. Nada importava agora que ela conseguiu.

 Agora que ela conseguiu sem você.

Um sentimento de perda muito grande se instala em seu coração quando você olha ao redor do lugar. Seus amigos e seus devidos pais estão todos à volta, finalmente comemorando o ponto final. Na verdade, o ponto final de uma fase e o inicio de uma das fases mais importantes de sua vida. Você vê uma mulher baixinha passando desajeitadamente um lenço pelos olhos, tentando em vão esconder as lágrimas, e você se lembra de quando era você lá em cima. Você se lembra do sentimento de vitória, de conquista e do orgulho de ver sua mãe na mesma posição dessa senhora olhando para o filho que agora já se encontra de pé no alto. Na época, você aprumou as costas, sempre repetindo a atitude que aprendera com sua antiga treinadora das Cheerios, olhou para baixo e encontrou o olhar da mulher que te colocou no mundo. Aquela, que quando você menos esperava, te deu um abraço forte e disse: “Eu tenho orgulho de você. Eu tenho orgulho de você de qualquer jeito, Santana”. E você se lembra do sentimento de afeto que invadiu o seu peito e fez você perceber o quanto você estaria perdendo dela quando finalmente saísse dali e seguisse sua vida. E, inevitavelmente, você havia corrido os olhos pelo local mais uma vez, só para se certificar de que a outra pessoa mais importante da sua vida estava ali também. E como sempre, ela estava. Ela nunca abandonou você, na verdade. E uma pequena lágrima que ela tentava limpar ao olhar pra você, te dizia que ela sentia tanto orgulho, mas tanto orgulho de você! E esse foi o combustível que você precisou para avançar até o resto dos seus amigos e finalmente dar o passo para o seu futuro. E agora, saindo das memórias para a vida real, você a encontrava parada em cima do palco, as mãos enroladas em frente a vestimenta vermelha que adornava seu corpo. E mesmo de longe, você podia ver com clareza que seus dedos estavam se enrolando uns nos outros em uma dança sem fim. Ela estava nervosa. Deus, como ela estava nervosa. Ela plantava um sorriso bonito no rosto, tão orgulhosa de si mesma como só ela podia ser. Mas enquanto ela sorria, você podia ver seus olhos varrendo a multidão. Então, você viu o exato momento em que os olhos dela pousaram em uma figura alta e loira, em pé diante do palco, com um sorriso amoroso estampado na cara. O jeito como os olhos dela brilharam e como seus sorriso ficou um pouco enviesado para o lado não passou despercebido por você também. Tanto, que indiretamente seus próprios lábios se curvavam num sorriso saudoso e o mais sincero, aquele tipo de sorriso que só era dirigido à ela. E então, o momento passou e agora, embora ela ainda ostentasse um sorriso, seus lábios franziram um pouco e o olhar deixou o da mulher loira. O diretor continuava falando ao microfone a mesma baboseira de todo ano. Você sabia que era sempre a mesma, porque na maioria das vezes você acompanhava um dos caras que se formava.

 A loira ignorava a voz que vinha dos autofalantes e que chamava seu nome para que ela se achegasse mais perto. Só pelo jeito de olhar e pela maneira como os dedos dela se mexiam ainda mais frenéticos na frente de suas vestes, você podia dizer que alguma coisa estava errada. Algo estava fora do lugar. E ela estava procurando. Você sabia que ela estava procurando, porque os olhos azuis estavam esquadrinhando cada canto do lugar a procura de algo; à procura de alguém.

 Você não sabe exatamente o que estava em mente quando você deu apenas alguns passos e se encaixou em um circulo um pouco mais aberto no meio da multidão. Do local, dava para ver com ainda mais clareza toda a cena que se desenrolava no palco um pouco a frente de você. E foi então que finalmente tudo se encaixou. Quando ela deu uma última olhada para o lugar que você estava, ela te encontrou. E nos cinco segundos que se seguiram, você realmente viu tudo. A maneira como os seus olhos se acalmaram ao encontrar você. A maneira como suas mãos se acalmaram aos seus lados. A maneira como seus lábios se transformaram em um sorriso que era só seu. E depois quando ela se virou e pegou o papel branco que era seu diploma na mão do diretor. Ela olhou pra você de novo. Aquele mesmo sorriso, aquela mesma expressão.

 Você nunca disse a ninguém que você viria. Mas ela sabia. Ela sempre sabe de tudo sobre você.

 E agora você estava sendo pega de surpresa de novo quando toda a cerimonia do palco está chegando ao final e ela ainda está no meio de todos olhando pra você mais uma vez. Como se ela não pode parar de olhar. Pelo menos, você não pode. Mas esse olhar é diferente e você entende claramente a mensagem.

Eu vou estar com você.

E se alguém tentasse entender, jamais conseguiria. Essa coisa da troca de olhares, ela sempre foi uma coisa entre vocês duas. Somente entre vocês. Era uma linguagem que o universo havia projetado para que apenas dois seres em todo o mundo pudessem se entender, sem interrupções. E para não deixa-la esperando demais, você corresponde ao olhar enviando a resposta. E ela entende, você sabe que ela entende.

Eu já estou com você.

Então você apenas olha. Porque agora só uma coisa importa além do que se desenrola.

Ela está linda.