A Célula Do Problema escrita por Neir, Manuel Dias Jara


Capítulo 1
Introdução


Notas iniciais do capítulo

Essa é a introdução. Espero que gostem da fic, é um gênero que nós dois gostamos, algo sério. Boa leitura. ~~ Neir e Manuel.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/358155/chapter/1

– Não.

Foi a primeira palavra proferida em voz alta que não era um sussurro, numa madrugada qualquer, em um apartamento acabado dum prédio antigo da Adler Street, Whitechapel, um dos bairros mais pobres de Londres. A primeira palavra pronunciada de verdade. E era uma negação. Como que ironicamente, da rua só se escutava o silêncio e alguns poucos sussurros, como em toda madrugada.

Impaciente, o homem repetiu mais algumas vezes a palavra, enquanto andava lentamente pelo pequeno quarto. Deixou uma máquina de escrever e olhou a janela. Não que houvesse muito para se ver. Nada que pudesse lhe ajudar naquela vista: O céu estava nublado, e mesmo que não estivesse não haveria sol, ainda era cedo demais para isso. Fechou as janelas e as cortinas como que irritado, e sentou na cadeira da escrivaninha onde estava sua máquina de escrever, provavelmente o único bem de valor no cômodo. Pegou uma fina caixa de metal. Estava cheia de cigarros: Tirou um e guardou a caixa no lugar. Então puxou o isqueiro do bolso, mas este não funcionava. O gás tinha acabado. Chegando ao limite de sua paciência, abriu novamente a gaveta e tirou uma caixa de fósforos. Suas mãos tremiam, talvez pelo vício, talvez apenas pela raiva. Estava resistindo bem, de toda forma: Sabia que era escravo daquele veneno, mas tinha autocontrole suficiente para não desgastar sua vida em uma única noite. Quebrou um, dois, três palitos, até que finalmente acendeu seu cigarro.

Satisfazendo seu vício de forma moderada, sentou-se novamente na cadeira e bateu duas frases de escrever.

– Não!

A voz melódica, que claramente não combinava com sua personalidade, emergiu no quarto, e ele arrancou violentamente a folha da máquina. Amassou-a como a quem destrói um inimigo, e arremessou-a ao lixeiro.

O cesto já estava cheio.

A bola quicou e caiu no chão, quase teimosa, junto a várias outras. Sentiu-se estranhamente incomodado, e, inquieto, pôs-se a pensar. “Talvez eu queime os papéis. Com certeza sobrará mais espaço”. Pegou o lixeiro e o virou em cima da mesa, deixando que todas as bolas de papel ficassem à sua frente. Quanto as que estavam no chão, ignorou-as. Por pouco tempo.

Pegou um recipiente de alumínio e colocou as bolas dentro, e com isso, pegando mais um fósforo dentro da gaveta, acendeu um fogo. Fez isso mais algumas vezes, até que não sobrasse mais papel algum, na mesa, ou no chão.

Pôs-se a rir estranhamente, levantou mais uma vez e, novamente, afastou as cortinas para ver a mesma paisagem monótona de uma madrugada nublada. Um vento forte o surpreendeu, desordenando seu cabelo e espalhando as cinzas que estavam no pote de alumínio pela mesa e pelo chão do quarto.

Deu um grito bem alto e fechou, mais uma vez, a cortina. Prontamente abriu armário de material quase arcaico, que não o surpreenderia se já estivesse com cupins, e pegou um pente jogado em algum lugar do mesmo. Imediatamente penteou seu cabelo, rigorosamente para trás. Não gostava que sua franja caísse no rosto. Atrapalhava sua visão e, além disso, não era sociável - nem bonito.

Do mesmo armário, pegou um pano meio imundo e com ele, “limpou” as cinzas da mesa onde escrevia. Ignorou o chão, afinal, ele trabalhava na mesa. Junto à maquina, um copo de café, que foi rejeitado assim que sentiu o gosto das cinzas nele. “Malditas cinzas, corrompendo meu alento da noite...”

Respirou fundo, como que para recobrar a paciência, e pôs-se a escrever:

Ao Parlamento de Sua Majestade da Grã-Bretanha e Irlanda

Excelentíssimo Senhor Ministro John Major,

O senhor é um fanfarrão. Onde está seu conservadorismo aqui em Whitechapel? Não são os conservadores contra a vulgaridade? Pois bem, aqui está um bom lugar para o senhor usá-lo. Isso é hipocrisia institucionalizada.

Grato,

Isaac Bach.

22 de Março de 1993.


Cuidadosamente tirou um envelope da gaveta, dobrou o papel e colocou-o dentro. Na frente do envelope colocou seu amaldiçoado endereço, e no verso a localização do Parlamento da Inglaterra. Deixou o envelope em cima da mesa e deitou na cama.


Mesmo que fossem cinco da manhã, tentaria dormir. O mínimo possível.







Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se tiverem algo a dizer, que digam! Comentários, críticas e sugestões são bem-vindas.