Ad Limina Portis escrita por Karla Vieira


Capítulo 24
Mortem


Notas iniciais do capítulo

Olá! Desculpem-me a demora para postar. Tive alguns problemas, mas agora está tudo certo... Exceto pelo fato de que não recebo um comentário de vocês! Um pouco de feedback e apoio faz bem, sabe? Então, espero que gostem!



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Ethan Williams POV – Tarde de 18 de Novembro.

Segui Marie assim que ela desatou a correr. Ignorei como pude as vozes e os espectros. Eles não tinham tanto poder sobre mim. Eu já havia aceitado o meu passado e me perdoado. Eu sabia que nunca tivera escolha até conhecer Marie, e que nunca estava sozinho. Ou seja, meus verdadeiros demônios são os do futuro.

E se eu não cuidasse de Marie, esse seria o pior.

Corri atrás dela e meu peito se apertou quando um monstro agarrou-a pelos ombros e levantou-a no ar. O bicho me era familiar, mas não tinha certeza absoluta. O rosto era semelhante a um rottweiler, só que o triplo ou quádruplo do tamanho; o corpo também era semelhante, exceto a presença de um par de asas negras, peludas, e um rabo gigante terminando com uma espécie de porrete cheio de espinhos de ossos.

Estendi a mão em direção ao cachorro voador e lancei-o um raio. Ele ganiu, pendeu para o lado, mas continuou voando para longe, carregando Marie nas garras. Eu estava pronto para lançar o feitiço novamente, mas algo atingiu minhas costas, fazendo-me cair no chão. Ouvi um grasnado atrás de mim e levantei-me rapidamente, sacando as adagas duplas, e encontrando uma quimera ficando sobre as duas patas e grasnando ameaçadoramente. Vi Andrew a alguns metros de distância, lutando contra três grifos que circundavam sua cabeça; Kensi, por sua vez, estava transformada em um tigre branco e estava em uma disputa acirrada contra um draco terrae, mordendo o pescoço escamoso dele e sacudindo-o para um lado e para o outro; Harry tentava dar conta de cinco cães infernais que o cercavam, e Fred pulou para cima de uma aranha gigantesca, fincando sua espada no tórax peludo, vendo mais outras se aproximarem.

Estávamos todos cercados por monstros. Caminhamos direto para uma grande emboscada. Por isso os monstros na entrada da caverna não nos atacaram. Eles esperavam que os monstros presos no labirinto fizessem o trabalho sujo, e caso não o fizessem, estes estariam esperando por nós.

Estabilizei meus pés e esperei a quimera se aproximar. Ela veio a meio galope, e no último segundo, joguei-me para debaixo dela, deslizando e cortando seu ventre com as espadas. Ela guinchou de dor e logo se virou, furiosa.

– Não será tão fácil, jovem herói. – Ela disse, com um tom sarcástico, e grasnou mais uma vez. Levantou voo e me acertou com a cauda, fazendo-me cair. Investiu contra mim com as garras, arranhando meu abdômen, voltando ao ar novamente. Grunhi e me levantei, girando as adagas na mão.

– Não tenha tanta certeza disso, velha besta. – Retruquei, sorrindo. Ela investiu contra mim, e gritando, saltei, fincando uma adaga no peito momentaneamente desprotegido dela. A quimera caiu, guinchando, e eu me aproximei, fincando a outra adaga em sua cabeça. O monstro parou de se mover. Retirei as lâminas e olhei ao redor, aflito. – Marie! Marie!

Ouvi seu grito vindo das alturas. A mais de doze metros de altura, Marie estava tentando golpear o rottweiler voador com sua arma, mas não estava sendo muito eficaz. O monstro golpeou-a com a cauda, fazendo-a berrar de dor e deixar a lâmina cair com a surpresa. Mesmo de longe, vi que sua perna sangrava. Estendi as mãos e lancei um raio azulado nas patas do bicho, já um pouco feridas pelos ataques de Marie, e o monstro largou Marie, que caía numa velocidade surpreendente em direção àquela lagoa vermelha.

Focalizei meu pensamento nela e tentei fazer um feitiço para bloquear sua queda e trazê-la até a margem de terra. Por um segundo, achei que não funcionaria, mas quando faltava apenas um metro para que ela afundasse naquela lagoa da qual eu não sabia o que era feita, o feitiço funcionou. Marie estancou de bruços para a superfície da lagoa, e, assustada, veio flutuando até a margem, onde deixei-a no chão. Ela se levantou e me viu, e sorriu fracamente, agradecida. E arregalou os olhos assustada.

– Ethan, cuidado! – Ela gritou, e eu me virei, para encontrar um dragão um pouco maior que um filhote vindo para cima de mim, voando. Por reflexo, golpeei a garganta do bicho, fazendo-o cair rodopiando até parar na lagoa. O corpo dele afundou, se desintegrando, queimando. O cheiro de carne queimada chegou as minhas narinas. Por um momento, senti pena. Dragões eram a espécie mais bonita de monstros que existia.

Corri até Marie.

– Você está bem? – Perguntei.

– Por enquanto, sei que vou sobreviver. Mas estou sem armas!

– Pegue as minhas adagas. Eu vou usar a espada que está na minha mochila. – Eu disse, entregando as lâminas para ela e pegando a espada. – E fique perto de mim, ok? Não quero perdê-la de vista.

– Você não vai me perder tão fácil, anjo. – Ela disse, sorrindo e piscando para mim. Em seguida, gritou raivosamente para uma híbrida de serpente e mulher, avançando contra ela. Sorri, e segui-a, pois havia mais quatro daqueles monstros cercando-nos. Eu estava agradecido por ter tido a ideia de treinar Marie para lutas, pois ela estava virando uma lutadora muito boa. Em alguns minutos, havia matado dois daqueles híbridos estranhos, enquanto eu havia matado três. Marie, suada daquele jeito, com fios de cabelo caindo sobre a testa, brandindo as adagas a torto e a direito, gritando desafiadoramente e sorrindo quando vencia um monstro era... Sensual.

Ok, Williams, se acalme. Esse não é o momento de reparar em como a sua namorada é gostosa.

Vi Harry matar o último cão infernal e sair mancando, tentando correr, em direção aos portões. Ele começou a pular entre as pedras no meio da lagoa vermelha, e se abaixou quando um grifo tentou pegá-lo. Recomeçou a pular e acabou escorregando, se jogando no chão da ilhota e por pouco não queimando parte do corpo naquele líquido. Levantou-se, mas só para se abaixar novamente quando um bicho estranho tentou acertá-lo com a cauda. O vento que saia daqueles portões abertos sacudia os cabelos dele e ele tentava, com esforço, chegar até lá. Quando tirou a pedra do bolso, estendendo a mão para os portões, uma explosão vermelha se fez e o vi voando pelos ares até cair de costas no chão, remexendo-se devagar e parando. Eu não conseguia ver se ele respirava. A pedra vermelha rolou para longe dele.

– Harry! – Gritou Marie, e correu em direção a ele, desviando de monstros e golpeando-os como podia. Ela se abaixou e verificou a pulsação dele. Um sorriso leve de alívio surgiu em seu rosto. – Ele está vivo!

Suspirei aliviado e virei-me no exato momento em que um cão infernal pulava para cima de mim. Levantei a espada, por reflexo, e o atingi no ventre, praticamente cortando o cão ao meio. Vi que Andrew estava com dificuldades, cercado por duas quimeras e dois grifos, e fui até ele o mais rápido que pude. Pulei nas costas da quimera mais próxima, fincando a espada na sua cabeça, e saltei de cima dela, acertando o grifo ao lado por acaso. Andrew conseguiu matar o outro grifo, e juntos, matamos a quimera.

Kensi ainda estava na forma de tigre branco gigantesco, matando monstros diversos a torto e a direito.

– Essa é a minha garota. – Ouvi Andrew dizer baixinho, satisfeito. – Ethan, como nós vamos resolver isso?

– Fechando os portões.

– Mas como? Cuidado! – Ele berrou, e eu me abaixei enquanto ele abatia um rottweiler voador. – Harry tentou e foi lançado longe!

E então caiu a ficha. Se Harry não era o coração solitário da profecia, aquele capaz de fechar as portas da Morte com o sacrifício final, então...

Era Fred.

– Caralho. – Resmunguei. Como se tivesse lido meus pensamentos, Fred correu em direção à pedra vermelha, desviando e abatendo monstros pelo caminho. Escorregou por debaixo de um lobo gigantesco, rasgando-o o ventre, e conseguiu agarrar a pedra. Lutando com outros monstros, corri em direção a ele, tentando alcançá-lo e impedi-lo. Eu não fazia ideia se ele sabia que teria de se sacrificar, mas sabia que eu não devia deixá-lo morrer. Mas era tarde demais. Eu nunca o alcançaria.

Fred pulou de pedra em pedra na lagoa vermelha, com agilidade e destreza, sem vacilar uma vez sequer. Matava os monstros que tentavam o impedir quase sem os olhar. Saltou para a ilhota de pedra e foi até os portões, ignorando os ventos e tudo. Eu gritava, tentando impedi-lo, mas ele não me escutava. O barulho da guerra ao redor parecia tapar a minha voz. Ele estendeu a mão para um portão, e o segurou firmemente. Uma força o puxou para dentro, e ele se agarrou ao outro portão, trazendo-o junto e fechando os dois com a pedra.

E Fred gritou. Gritou como eu nunca havia pensado ser possível gritar. Uma explosão de luz branca iluminou a caverna, e os monstros começaram a guinchar enquanto se dissolviam em fumaça preta e entravam pelas brechas dos portões, como se sugados por um imenso funil. A silhueta de Fred ainda era visível, com as mãos presas nos portões, gritando, gritando. Ele parecia estar sofrendo uma convulsão, em pé no mesmo lugar. Seus pés começaram a se desfazer em fumaça dourada, consumindo pouco a pouco suas pernas, seu tronco, e por fim, sua cabeça sumiu.

E a caverna ficou escura e silenciosa novamente. Nos portões havia uma grossa corrente, parecendo inquebrável, com um cadeado negro. Irônico.

– Não... Fred... – Murmurei, sentindo as lágrimas virem com força aos meus olhos. Caí de joelhos, sentindo a dor da perda inundando meu ser. Aquela dor angustiante. Comecei a ter falta de ar e o mundo pareceu girar ao meu redor. Mais uma vez, esse mundo maldito de magias e coisas sobrenaturais havia tirado de mim alguém que eu amava. Apoiei as mãos no chão arenoso, enquanto meus pulmões lutavam por ar. As lágrimas escorriam pela minha face.

– Ethan! Ethan! – Ouvi a voz de Marie me chamar. Parecia distante. Senti duas mãos pequenas e firmes me segurarem e me sacudirem. – Ethan!

– Ele está tendo um ataque de pânico. – Disse Andrew, com a voz chorosa, em algum lugar perto de mim. – Ele costumava ter isso quando criança.

– O que eu faço? - A voz de Marie perguntou. Larguei-me sentado no chão, olhando para qualquer lado sem realmente vê-lo. Estava cada vez mais difícil respirar. Alguém falou alguma coisa, mas não consegui ouvir.

Senti as mãos pequenas taparem minha boca, e simplesmente parei de respirar. Arregalei os olhos e me debati, sentindo outras mãos me segurarem, e depois de alguns segundos as mãos me soltaram. Larguei-me de costas no chão, conseguindo respirar, enquanto chorava. O mundo não mais girava ao redor, mas a dor insuportável continuava lá.

– Ethan... – Marie chamou ao meu lado. Ela chorava. Todos nós estávamos chorando. Marie me ergueu e me abraçou.

– Parabéns, jovens heróis. Sua coragem e determinação salvaram o mundo de sua destruição total. – Uma voz falou. Era feminina, mas poderosa e firme. Marie me soltou, e pude ver uma mulher parada ao lado dos portões. Levantei-me, analisando-a.

Seus cabelos eram longos, negros e lisos, caindo soltos pelos ombros e costas. Sua pele era extremamente branca, quase albina, desprovida de qualquer vestígio de melanina. Os olhos eram negros, e passavam uma firmeza e morbidez inacreditável. A mulher vestia uma calça negra justa, botas de combate enormes, uma blusa regata negra, com um cinto negro, onde estava a bainha de uma espada. Atada a coxa, estava outra bainha, de duas adagas menores. No pescoço, ela usava um crucifixo grande e prateado. Nas mãos, uma foice gigantesca.

A Mortem definitivamente não era um esqueleto branco envolto numa capa preta segurando uma foice. Ela era uma mulher muito atraente. Mas ela me dava raiva. Raiva não, ódio profundo.

– Você nos parabeniza?! – Vociferei. – Nos faz atravessar o mar, a Irlanda, nos ferir a torto e a direito, sofrer horrores, para vir aqui, participar de um joguinho macabro seu e no fim, levar um dos meus melhores amigos?! E você nos dá parabéns por isso?!

– Ethan. – Marie disse, colocando a mão em meu ombro. A Mortem apenas me olhava, sorrindo.

– Tudo isso por uma irresponsabilidade sua?! Ou você faz isso por estar entediada e querer brincar conosco, os mortais?! Porra!

– É um mal necessário, jovem herói.

– Necessário o cacete! Você, dona Mortem, pode muito bem cuidar dos seus domínios se fazer com que esses malditos portões não se abram mais. Você é a dona do inferno, das almas mortas, é você quem deve cuidar disso, não nós! – Berrei.

– Tem razão, jovem herói. Mas você nunca precisou da ajuda de alguém para fazer uma tarefa? Nunca ficou sobrecarregado e cometeu algum deslize? – Perguntou ela, calmamente. Fiquei em silêncio, olhando-a com ódio. – Exatamente. Existem coisas das quais eu não consigo ter pleno controle todo o tempo. Os portões são uma delas. E é por isso que preciso da ajuda de heróis como vocês para fechá-los. E vocês receberão recompensas por isso. Creio que já sabem qual é.

– Um pedido para cada um. – Disse Harry.

– Exatamente, Sr. Holmes. Concederei um pedido para cada um, e, para decidirem o que querem, lhes darei cinco minutos.

Ela sorriu e com um aceno, indicou que nos reuníssemos e pensássemos sobre o assunto. Ficamos em círculo. Kensi e Marie ainda choravam baixinho. Andrew e Harry estavam com os olhos vermelhos e inchados, tremendo de ódio, e eu sabia estar assim também.

– Pedirei Fred de volta. – Eu disse. – Lembra? Ela pode trazer mortos de volta à vida.

– Não, Ethan! – Disse Marie.

– Por quê? Você não quer tê-lo de volta?

– É claro que eu quero. Mas pense bem. Ela é obrigada a conceder um pedido para cada um. Inclusive para aquele que está nos domínios dela, no além dos portões... – Marie disse. – Pense comigo. Fred pode usar o pedido dele para retornar. Sei que ele fará isso.

– Tá, mas o que nós faríamos? – Perguntou Andrew. – Eu estou contente com a nossa vida, lá em casa. Está perfeita para mim.

– Então... Podemos usar isso a favor das próximas gerações. – Disse Marie.

– Como assim? – Perguntei confuso, tentando acompanhar a linha de raciocínio dela.

– Podemos usar nossos pedidos para que ela jure nunca mais deixar os portões se abrirem. – Marie sorriu. – Com um juramento deste, ela não poderá quebrar, e assim, ninguém mais vai ter que passar pelo que passamos e se sacrificar por isso.

– Meu Deus, como eu te amo. – Eu disse, beijando o topo da cabeça dela. Marie riu levemente, logo voltando a ficar séria. Olhei ao redor, e vi que todos aprovavam a ideia dela. Virei-me para a mulher de negro. – Mortem, já tomamos nossa decisão.

– Mas primeiro, queremos ter certeza de algo. – Disse Marie.

– Você disse que concederia um desejo para cada um. Isto é, Fred também merece um desejo. Mesmo estando além dos portões. – Kensi disse.

– Exatamente. – Disse Mortem, assentindo. – De fato, farei isso.

Entreolhamo-nos, sorrindo levemente.

– Nós queremos usar todos os nossos pedidos para que você jure nunca mais deixar os portões se abrirem novamente. Nunca mais. – Eu disse. A Mortem virou a cabeça para o lado e sorriu.

– Pois bem. – Disse ela. – Escolheram sabiamente.

Olhei para Marie, e segurei sua mão.

– Eu, Mortem, juro pelo além dos Portões, pelo elo mágico que mantém o mundo, por tudo o que é mais sagrado para todas as criaturas mortais viventes, que nunca mais deixarei que os meus portões se abram novamente. Nunca mais. – Ela disse, e bateu o cabo da foice no chão. O ar ficou diferente. Não sei explicar o quão diferente, mas era como se o mundo houvesse registrado a promessa da mulher imortal. – Agora vão, jovens heróis. Retornem para casa.

Com um aceno da mão, o labirinto de pedra se dividiu ao meio em um longo corredor, direto para a escadaria que levava para fora daquela caverna. Demos as costas para ela, e começamos a caminhar. Por horas, caminhamos reto sem parar, em silêncio. Eu andava abraçado lateralmente com Marie, ouvindo-a chorar baixinho. Eu estava exausto demais para sequer chorar. Tudo o que eu mais queria era retornar para casa e encontrar Fred vivo conosco.

Quando finalmente chegamos à entrada da caverna, era noite, tarde da noite. A maré estava baixa, exibindo uma faixa maior de areia e pedras. O céu estava límpido e estrelado, sem nenhum vestígio de tempestade, como estava quando entramos. O mundo parecia estar em paz.

– Puta merda. – Resmunguei.

– O que foi? – Marie perguntou.

– Eu poderia ter pedido um carro cujo combustível nunca acabasse para podermos voltar para casa. Mas que burro!

Os outros riram, mas logo silenciaram, ainda sentindo a falta de Fred.

– Vamos lá, burrinho, temos uma escadaria bem longa para subir. – Disse Marie, me puxando pela mão.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?



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