O Último Chamado escrita por Guido


Capítulo 9
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, peço desculpas pelo atraso em postar o capítulo. Mas é que estou me dividindo entre faculdade e curso rs.

Estou, também, escrevendo muitas cenas aleatórias porque existem muitas peças nesse quebra-cabeça complicado que se tornou "O Último Chamado".

Para dizer a verdade, esse capítulo 9 possui um aspecto mais calmo, porque é o momento em que Guido está desacordado no hospital. São momentos que não poderiam faltar na história, para que esse autor possa equilibrar bem o que é real e o que é sobrenatural nesse enredo.

Espero que gostem desse capítulo, e até o final do dia, estarei postando o Capítulo 10.



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Thomas chegou rapidamente ao hospital. Na recepção, perguntou sobre Guido, dando seu nome inteiro. A recepcionista verificou no sistema. Mandou-o para o terceiro andar, e Thomas saiu apressado rumo às escadas. Subia dois degraus deu uma vez, e o tempo inteiro pensava em Guido, e no que de fato teria acontecido a ele.

No terceiro andar, se dirigiu ao atendimento, e finalmente, o levaram até o namorado. Thomas encontrou-o adormecido sobre uma maca. Pelo o que pôde ver de seu corpo, não havia nenhuma ferida aparente. Guido estava com a mesma roupa que vestia quando foi deixado em casa. Ao lado da maca, havia uma enfermeira que, até então, Thomas não havia notado.

— Olá, senhor — cumprimentou, mas parecia um pouco tensa — É parente?...

— Namorado — disparou, e voltou a olhar Guido — Desculpe, eu não estou entendo... o que houve com ele?

A enfermeira tentou sorrir.

— Apenas tenha calma — disse ela, pacífica. — o paciente deu entrada no hospital, mas não houve nada grave com ele. Eu vou chamar o doutor Gibson para falar com o senhor. Mas fique tranquilo, ele está bem. Só está dormindo. Com licença. — e retirou-se. Thomas ficou ali, contemplando Guido. Não conseguia simplesmente ficar bem, ou tranquilizar-se, ao vê-lo desacordado em uma cama de hospital. Tocou suavemente seu rosto. Percebeu, instantaneamente, que ele respirava normal, e que sua temperatura parecia estar neutra. Mas, apesar disso, sentia medo por Guido. Se pudesse, teria se deitado ali ao lado dele, e o abraçado.

Guido... — sussurrou. E tão preocupado e assustado, nem ao menos percebeu que o médico se aproximava. Somente quando o homem abordou-o com um toque no ombro, é que voltou a si.

— Olá, eu sou o doutor Howard Gibson, e o senhor é?

— Thomas Williams. — respondeu.

— A enfermeira me disse que o senhor é namorado do paciente, é isso? — perguntou o médico, sem demonstrar qualquer coisa.

— Sim. — as palavras curtas de Thomas indicavam seu estado psicológico. Ele estava triste, e muito assustado. Voltou a olhar Guido. — o que aconteceu com ele?

Dr. Gibson pigarreou. Então disse:

— Ele está bem, Sr. Williams. Só está dormindo, fique tranquilo. Nós fizemos um exame rápido no paciente, e foram detectados níveis médios de sonífero. Poderia me dizer se o paciente toma alguma medicação habitual?

Sonífero? Thomas repetiu em sua mente. Como sonífero? Nate deu sonífero ao Guido? Thomas não conseguia responder a si mesmo. Nada daquilo fazia sentido. Guido só estava indo ao escritório, trabalhar. E agora estava ali, num hospital, desacordado e com a certeza de que, por algum motivo e de algum jeito, ingeriu sonífero. Mas como ele veio parar aqui?...

— Não, ele não toma remédios, não tem nenhuma doença crônica. Como ele veio parar aqui? — questionou Thomas, franzindo o cenho.

— Bem, aconteceu um acidente, Sr. Williams. O paciente foi encontrado em um carro que se chocou diretamente com um poste. Ele não sofreu nenhum tipo de lesão, interna ou externa, mas foi por sorte. O poste virou por cima do carro, e por pouco não o feriu. — ouvir aquilo provocou uma onda de pânico e eletricidade em Thomas. Sentiu fraqueza, de repente. Quase perdi o Guido! O coração estava agitado, e ele tinha uma sensação de vazio que só podia ser preenchida quando seus olhos tocavam o amado, adormecido sobre a maca. — Nós o encontramos desacordado, no banco de trás do veículo... — e aqui, o médico fez uma pausa, que foi automaticamente sentida por Thomas. O psicólogo o olhou com veemência.

— E?... — a voz saiu fraca.

O médico respirou fundo, e prosseguiu: — O senhor por um acaso conhece Ronald Matthew e Nate Price?

Thomas arquejou, por um momento. Como assim Ronald? RONALD? Guido iria encontrar Nate para trabalhar, como assim o Ronald estava envolvido naquilo? E subitamente, tudo se conectou em sua mente, mesmo que sem certezas. Seria realmente possível que Nate e Ronald possam ter dado sonífero a Guido?

Confuso, Thomas assentiu, com um aceno.

— O que eles têm a ver com Guido? — perguntou, e olhou novamente o arquiteto, que dormia profundamente.

O médico estava visivelmente tenso.

— Ronald Matthew dirigia o carro, segundo o que disseram algumas testemunhas. Mas inexplicavelmente ele desceu do veículo ainda em movimento. No mesmo instante um ônibus... um ônibus o atropelou, e ele morreu na hora. Eu sinto muito. — disse Dr. Gibson. Thomas simplesmente não soube como reagir. Era muita coisa para digerir... A noite estava ficando mais estranha e surreal. Parecia um pesadelo.

— E o outro? O Nate, você mencionou o nome dele... — Thomas estava muito confuso.

O médico assentiu.

— Sim, Nate Price. Ele estava no banco do carona. Foi encontrado morto, no banco do carona. Mas o óbito não foi devido à batida. Na verdade ele sofreu um ataque cardíaco. — informou. A expressão de Thomas era de profundo choque. Tudo aquilo o atingira como um míssil! Ronald estava morto. Nate estava morto. E Guido desacordado. Como era possível? Nunca quis o mal de ninguém, por mais que Ronald não prestasse. Mas aquilo era macabro! Imediatamente olhou Guido, sentindo como se o amado precisasse ser protegido de alguma força invisível que, ele, Thomas, não sabia do que se tratava. Seu coração apertou-se, e quase enlouqueceu ao pensar novamente que poderia ter perdido Guido.

Dr. Gibson reparou na fisionomia abalada de Thomas.

— Está tudo bem? Precisa de água? — perguntou.

Thomas balançou a cabeça.

— Não, obrigado. — respondeu, tentando manter-se sóbrio em meio a tudo aquilo. — E o Guido? Ele vai acordar bem? Ele vai ficar bem?

— Sim, está tudo bem com ele. Só está dormindo, fique tranquilo. Mas seria bom que ele passasse a noite aqui, hoje, em observação. — disse o médico.

Thomas anuiu.

— Sim, eu vou ficar com ele. — respondeu.

Mais tarde, já passava das onze da noite, e Thomas encontrava-se na sala de espera ao lado da sala onde Guido repousava em observação, ainda desacordado. Enquanto esperava, o psicólogo pensou em ligar para os pais de Guido, mas ponderava. Seria saudável dar a eles mais essa notícia? Afinal, Guido estava bem, e iria ficar bem. Nada de mal aconteceu com ele, graças a Deus. Mas foi algo muito grave, e fosse como fosse, Guido estava em um hospital e passaria a noite com ele. Talvez eles devessem saber, pensou Thomas. E, meio que automaticamente, começou a procurar o número da casa dos sogros, em Hither Hills. Mais cedo ou mais tarde eles iriam saber da morte de Nate, e de Ronald, posteriormente. Thomas inclusive considerou a hipótese de o acidente ser noticiado na TV. E seria muito melhor que soubessem por ele, do que por um noticiário sensacionalista. Preciso ligar.

A chamada fora feita, e agora esperava que atendessem. Chamou uma, duas, três vezes. E atenderam, então. Era Eliot. Reconheceu imediatamente a voz do sogro, e o cumprimentou, tentando soar normalmente. Mas a notícia que deu fez Eliot, a princípio, soltar um grande “O QUE?!”. Thomas pediu-lhe calma, e explicou tudo. Contou sobre o exame que constatou sonífero, e depois sobre Guido estar bem, somente dormindo. Contou sobre Ronald estar no carro, e Nate também. E que eles estavam mortos, agora. E enquanto falava, ouvia a respiração forte de Eliot. No final, Eliot tornou a perguntar sobre Guido. E, pacientemente, Thomas respondeu novamente.

— Ele está bem, Eliot. Só está dormindo, confie. — disse, e acrescentou rapidamente: — não precisam viajar para Manhattan a essa hora da noite. Só se quiserem, é claro. Mas o Gui está bem, vai ter alta amanhã e nós vamos pra casa.

Eliot suspirou.

— Eu acredito, Thomas. — disse. — Vou ter de contar a Carrie, agora. E a Eve, também.

— Conte com calma, elas estão sofrendo muito por causa do Oswald. Deixe claro que o Guido está bem, não sofreu nada. Nem um arranhão. — reforçou.

— Foi Deus que protegeu Guido, Thomas. — disse Eliot, parecendo emocionado. Thomas percebeu que o psicológico do sogro estava tão abalado quanto transparecia.

— Foi Deus mesmo, Eliot. — murmurou Thomas, e sorriu, internamente agradecendo aos céus por Guido estar bem. — Eliot, vocês precisam descansar essa noite, e se vierem aqui pra Manhattan, viajem somente amanhã. Podem até não sentir, mas estão cansados. Passaram por emoções muito fortes nas últimas horas.

— Pode deixar, Thomas. Vamos descansar, sim. Mas vamos a Manhattan amanhã. Quero ver meu filho. — disse.

— Eu entendo. — concordou Thomas.

— Thomas, por favor, ligue pra nós amanhã no momento em que Guido tiver alta. Pode ser?

— Sim, claro. Eu prometo. — disse ele.

Quando finalizou a ligação, não demorou cerca de quinze minutos para que Carrie telefonasse desesperada. Thomas a atendeu logo, e foi bastante paciente. Contou a ela exatamente o que contou a Eliot, sempre pedindo que ela tivesse calma. Guido está bem, ele só está dormindo, disse. Após um tempo, Carrie mostrou-se mais calma. Mas Thomas sabia que ela estava uma pilha, mesmo porque acabara de perder o pai.

Passaram-se cerca de duas horas desde que falou com Eliot e Carrie. Thomas não sentia sono, apenas uma mistura de gratidão e preocupação. Gratidão por Guido estar bem. Preocupação por ele estar em um hospital, e ainda não ter despertado do tal sono movido por sonífero. E a todos os momentos, o psicólogo levantava do assento na salinha de espera, e caminhava até o pano de vidro da ala onde Guido estava. Dali podia ter uma visão total do namorado, que ainda dormia. Não era permitido que ele entrasse, a não ser com autorização do médico. Mas sabia que ele estava seguro. Enquanto observava Guido através da imensa janela, foi abordado novamente por Dr. Gibson. O médico lhe perguntou se estava tudo bem, e permitiu que ele ficasse ao lado de Guido. O psicólogo agradeceu imensamente, e logo depois estava sentado em uma cadeira ao lado da maca onde o namorado dormia. O médico fez apenas uma recomendação, devido a outros pacientes que estavam naquela ala, e muitos dormiam, inclusive. E com isso, Thomas configurou seu telefone para o modo silencioso, e tentou fazer o máximo de silêncio que conseguia. Não foi difícil. Só queria ficar com o seu amor, olhando-o, guardando-o. Protegendo-o de tudo e de todos. Vez em quando se levantava, e segurava a mão de Guido, e falava doces palavras de amor para o namorado. Sabia que, de alguma forma, Guido o escutava.

Mas a noite ainda reservava surpresas. Thomas estava sentado, observando Guido, em meio a um silêncio quase meditativo, quando seu telefone vibrou sem emitir som. Ao puxa-lo do bolso, reconheceu o número de Ronald. A princípio achou estranho, mas atendeu mesmo assim. E para seu espanto, era a mãe de Ronald quem ligava. Reconheceu à voz da mulher, mesmo chorosa. Então Thomas lembrou rapidamente que os pais de Ronald viviam em Nova York, e imaginou que Cynthia pudesse até estar no hospital. Não demorou a descobrir que se tratava exatamente disso. Tentando acalma-la, Thomas disse que estava lá também. E, em tom de voz sôfrego, Cynthia perguntou se ele não poderia encontrá-la no refeitório, que ficava no segundo andar. Thomas estava tão mal pelo desespero daquela mãe, que acatou ao seu pedido. Mas antes de sair, com uma preocupação quase infantil, certificou-se de que Guido estava respirando. E, suave e apaixonado, encostou seus lábios nos dele, numa espécie de beijo. Depois acariciou seus cabelos castanhos.

— Eu te amo. — sussurrou Thomas, sentindo lágrimas brotarem em seus olhos. Uma chegou a escorrer, e pingou sobre o rosto de Guido. Thomas a enxugou com delicadeza. — Eu volto logo, meu amor. Prometo. — e em seguida se afastou, com o coração pesado.

O refeitório tinha um ótimo cheiro de pão sendo assado. As paredes eram pintadas com suaves tons de azul, e algumas televisões de LCD estavam estrategicamente instaladas. Não havia muita gente naquela hora, já passava de meia noite. Thomas vislumbrou Cynthia sentada a uma das mesas, com uma garrafinha de água a sua frente. O rosto dela estava inchado, e úmido, e a fisionomia destruída por uma tristeza perfeitamente compreensível. Thomas não viu o pai de Ronald, e deduziu que ele estivesse lá para cima, cuidado de algumas coisas a respeito da morte do filho. Receoso pelo encontro, Thomas se aproximou de Cynthia. Ao vê-lo, ela se levantou e o abraçou com muita firmeza. Praticamente se jogou nos braços dele. E chorou mais ainda. Embora Thomas não esperasse por isso, afinal Cynthia nunca aceitou a sexualidade do filho, abraçou-a de volta. E esperou até que seu choro amenizasse. Instantes depois, ela se afastou dele.

Olhou-o.

— Obrigada por vir, Thomas. — disse, muito triste, e se sentou outra vez, enquanto enxugava algumas lágrimas que escorriam. Thomas se sentou de frente para ela. Cynthia não disse nada a princípio, mas então voltou a observar Thomas.

— O Ronald... — começou ela, mas um soluço interrompeu sua fala.

— Fique calma, Cynthia. Respire, primeiro. — interveio o psicólogo, sentindo muita compaixão por aquela mãe. Cynthia abriu a garrafinha de água, e bebeu um pouco. Thomas reparou que ela tremia.

— Desculpe — disse ela, largando a garrafa aberta sobre a mesa. Suspirou, sofregamente. — O Ronald vai ser enterrado amanhã, assim que o corpo for liberado. — soltou.

— Sinto muito, Cynthia. — lamentou Thomas, e realmente sentia. Por mais que não gostasse de Ronald, nunca desejou seu mal.

Cynthia assentiu.

— Obrigada, Thomas. — murmurou ela, chorosa. — Eu sei que o Ronald vinha chantageando você...

— Cynthia, não precisamos falar sobre isso...

—... Precisamos, por favor. — interpôs ela. Thomas fez silêncio. —... É que, nem eu nem o Robert concordávamos com nada disso. O fato de o Ronald ser homossexual não nos alegrava, mas saber que ele o estava prejudicando, logo você... nunca concordamos com isso, nunca! — afirmou ela, e Thomas somente ouvia. Trêmula, Cynthia tomou mais um gole de água, e prosseguiu: — Agora espero que você perdoe meu filho, onde quer que ele esteja. Mas principalmente, que você saiba que vamos lhe devolver as gravações...

Naquele momento foi como se o peso do mundo saísse de suas costas. Ele até respirou, profundamente. Thomas sentiu-se grato, novamente.

— Obrigado, Cynthia. — disse, o tom de voz carregado de gratidão e leveza.

Cynthia suspirou.

— Thomas, sabemos que o que o Ronald fez com você foi errado. Não apenas a chantagem, mas o fato de tê-lo traído, e o abandonado como o fez.  Eu não sei se ele teve ao menos tempo de se arrepender. Mas eu lhe peço, encarecidamente, perdoe meu filho. Para que ele tenha paz. — pediu Cynthia, com lágrimas que escorriam por seu rosto. Aquilo parecia uma súplica.

Thomas fez silêncio, por alguns instantes. Aquilo lhe proporcionou pensar em tudo. Lembrou-se de Ronald com certo rancor, e pensou em Guido lá em cima, adormecido. Pensou também que, se conseguia sentir tanto amor por uma pessoa e se importar mais com os sentimentos dela do que com os seus próprios, então considerou que também podia perdoar Ronald.

Thomas se moveu no assento, e segurou a mão de Cynthia.

— Eu o perdoo, Cynthia. É claro que o perdoo. — respondeu Thomas, mas sentiu que era muito difícil, embora em seu íntimo desejasse realmente perdoar Ronald e esquecer tudo, e lutou para não sentir remorso ou mágoas dele. Aquele, por si só, já era o verdadeiro perdão, porque quando se precisa perdoar alguém, basta querer.

A conversa com Cynthia não foi tão longa, mas foi cansativa do ponto de vista emocional. Thomas sentia-se muito mal por aquela noite terrível. E o tempo inteiro só conseguia pensar em Guido e na sorte que os abençoara. Quando voltou ao terceiro andar, foi diretamente ficar com ele. E seu coração se tranquilizou no exato momento em que o viu, da mesma forma que o havia deixado, adormecido. Acariciou seu rosto, e segurou sua mão novamente.

Voltei, Gui. — murmurou. Ficou olhando Guido, desejando que realmente estivesse tudo bem com ele. Quando será que ele vai acordar?, questionou-se. Passou algum tempo assim, acariciando-o, tocando-o com imenso zelo e paixão. Foi então que uma enfermeira veio se aproximando, em direção a ele.

— Sr. Williams? — disse ela. — o doutor Gibson pediu que eu lhe entregasse isso. É do paciente. — e estendeu o Iphone de Guido para que Thomas o pegasse.

— Obrigado — disse ele, com um sorriso amigável. A enfermeira se aproximou de Guido, como se o examinasse. Depois se voltou para Thomas.

— É provável que ele só acorde amanhã. — ela disse. — O doutor Gibson disse que mais tarde virá examiná-lo novamente.

— Por quê? — Thomas estranhou — Há alguma coisa errada?...

A enfermeira meneou a cabeça.

— Não, é apenas procedimento padrão. Não se preocupe. Ele está bem. — explicou ela. — Com licença, Sr. Williams. — e se retirou. Thomas olhou o telefone de Guido, e o reativou. A foto de fundo era uma em que os dois estavam abraçados. Fora tirada recentemente. Thomas sorriu ao vê-la, e instantaneamente olhou para Guido, a sua frente. Seu coração acelerou, mas sentiu-se triste por toda aquela situação. Sentou-se na cadeira ao lado da maca. Ainda segurava o telefone quando este começou a vibrar. No visor aparecia à foto de Natasha, e Thomas soube que era ela quem ligava. Atendeu.

— Natasha? — disse ele.

Ela pareceu rir.

— Thomas? Está com o Guido? — disparou, com o mesmo espírito atrevido de sempre. E Thomas achou graça da pergunta.

— Sim. Estou sim. — respondeu, mas sua voz saiu triste do mesmo jeito. Natasha pareceu notar.

— Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

Ela vai ficar sabendo, cedo ou tarde... Thomas suspirou.

— Sim, aconteceu. Estamos bem, o Guido está bem. Mas estamos no hospital...

E nesse instante, Thomas sentiu que Natasha prendera a respiração. Percebeu que ela estava assustada.

— Em que hospital vocês estão? — perguntou ela.

— Lenox Hill. — respondeu.

— Ok, eu estou chegando. — disparou ela, e em seguida desligou. E Thomas ficou em silêncio, por um longo tempo. Sentiu-se um pouco exausto, afinal, acordara cedo, e simplesmente não dormiria naquela noite. Aquilo lhe fez pensar em seu trabalho. Dali a algumas horas teria de ir para o consultório, e o dia seria cheio. Mas tomou a decisão de que teria de atrasar algumas consultas, não abandonaria Guido de maneira nenhuma. Ali mesmo, resolveu enviar, de seu telefone, um email para Camille, sua secretária, pedindo que reagendasse algumas consultas para mais tarde, mas frisou bem que atenderia todos os pacientes naquele dia mesmo. Também deixou algumas outras instruções para o início do dia, e enviou a mensagem. Depois soprou o ar, e abaixou sua cabeça. Ficou, por alguns instantes, olhando para o chão, mas na realidade estava longe, bem longe. Pensava que, depois daquilo tudo – as chantagens de Ronald, e os acontecimentos envolvendo Guido – precisava de umas férias. E chegou a aprofundar os pensamentos naquela hipótese, sempre envolvendo o amado em seus planos. Não teria graça sem ele, pensou, sorrindo sozinho. Os sonhos eram doces, tão doces que minutos se passaram com Thomas submergido naquelas deliciosas ideias. Então algumas batidas leves na enorme janela trouxeram-no de volta. Quando ergueu o olhar, vislumbrou Natasha do outro lado, na sala de espera. Ele se levantou, e foi até ela.

— Thomas! — disse ela, visivelmente preocupada, quando ele se aproximou. Abraçaram-se.

— Tudo bem? — perguntou ele, quando se afastaram.

— Eu é que pergunto. O que aconteceu? Você está bem? O que houve com o Guido? — ela estava agitada. Thomas forçou um sorriso.

— Está tudo bem, sim. O Guido está dormindo, só isso. Mas ele teve muita sorte, Natasha. Muita mesmo! — enfatizou, e começou a contar a ela sobre o acidente. Conversavam parados em frente à janela que dava para a ala dos pacientes em observação. Vez em quando observavam Guido.

— Quer dizer que as duas mortes que foram noticiadas na tevê... — Natasha mal conseguiu completar o pensamento. Mas estava claro o que iria dizer.

Thomas confirmou.

— Sim, foram Ronald e Nate. Está sendo noticiado na tevê?

— Sim, mas até agora não disseram o nome das vítimas, por isso eu não fiquei sabendo antes.

— Hm... Eu desconfiei que isso fosse ser notícia. Por isso avisei aos pais do Gui. Tive medo que eles ficassem sabendo da forma errada.

— É claro. Claro. Fez muito bem. — concordou Natasha. Naquela madrugada ela estava vestida de forma espantosamente simples. Slippers, calça jeans, e um casaco preto por cima da blusa. Nenhuma maquiagem em seu rosto, nem mesmo seu batom vermelho. Os cabelos estavam soltos, mas muito bem penteados. Ela olhou ao redor, e depois mirou seus olhos em Guido, através do vidro. Estava preocupada com o amigo. Thomas notou.

— Ele está bem, acredite. Já conversei com o médico. Mas há algo que eu ainda não te falei...

Ela fitou Thomas, assustada pelas próximas palavras do psicólogo.

O que?... — soltou, quase como um sussurro.

— Fizeram alguns exames nele, e descobriram que ele ingeriu sonífero.

Sonífero? Natasha estreitou os olhos.

— Como poderia? E por quê?

Thomas olhou para Guido.

— Tenho noventa e nove por cento de certeza que foi alguma armação do Ronald e do Nate, mas não posso afirmar nada. — disse ele. — Enquanto voltávamos de Hither Hills, o Nate ligou desesperado atrás do Gui, pedindo que ele fosse ao escritório encontrá-lo para resolverem alguns assuntos de um projeto executivo que estavam finalizando. — Thomas semicerrou os olhos — Mas foi estranho, sabe? E depois que eu deixei o Gui em casa, ele simplesmente ficou incomunicável. O celular estava desligado, e no escritório ninguém atendia. E então o Guido reaparece desacordado depois de tomar sonífero? Isso é estranho, mas agora não faz diferença. Os suspeitos nem se quer podem se defender... — e deixou reticente.

Natasha estava em choque. Como aquilo tudo era possível? Nate e Ronald quase mataram Guido...

— Isso tudo é assustador. — sussurrou ela, cobrindo a boca com os dedos. Sua expressão estava assombrada, e ela estava realmente pasma.

— Ele vai passar a noite aqui, não é?

— Sim. Mas apenas pra observação. — disse Thomas.

O restante da madrugada passou calmamente. Natasha permaneceu um bom tempo conversando com Thomas sobre tudo aquilo. Antes de ir, ela pediu que Thomas a avisasse quando Guido tivesse alta, na manhã seguinte. Assim que Natasha foi embora, o psicólogo voltou para a ala onde Guido dormia, e sentou-se próximo a ele. Não sentia sono, nem fome. Apenas queria que Guido acordasse bem, e que estivesse realmente seguro. E assim, eles poderiam ir embora juntos, para casa. E viver suas vidas. Agora sem chantagens, e sem nenhum medo. Foi após cerca de uma hora desde que Natasha havia partido que Guido abriu os olhos. A princípio não raciocinou com rapidez, sentia-se fraco e sonolento. E triste. Thomas não o viu despertar, estava sentado ao seu lado, com o iphone na mão, viajando por algumas fotos que haviam tirado juntos dias antes. E, talvez por instinto, no momento em que Guido o observava, silencioso, Thomas levantou o olhar e sentiu um choque, como uma vibração forte. O coração disparou, descompassado. Você acordou!, disse ele. E sorriu um daqueles sorrisos lindos que sempre dava, e que tanto conquistava Guido. O arquiteto chegou dar um sorriso enfraquecido, mas em seguida, lágrimas brotaram de seus olhos, e ele chorou suavemente. Thomas se levantou com rapidez, e se inclinou sobre o amado. Abraçaram-se, forte e apertadamente.

— O que aconteceu comigo? — perguntou Guido, com a boca colada ao peito de Thomas. Suas lágrimas molhavam a camisa do psicólogo, e seus braços o envolviam com sede e saudade.

Thomas alisou a face de Guido, com carinho e zelo.

— Calma, meu amor. — disse, com carinho. — Eu prometo que explico tudo, mas você precisa ter calma. Está tudo bem, agora.

Guido não respondeu. Não teve forças, mas confiou nas palavras do namorado e entendeu que estava tudo bem. E sentiu paz, mesmo em meio ao turbilhão de coisas que aconteciam em volta.

Na manhã seguinte, o doutor Gibson examinou Guido novamente, e depois o liberou com a constatação de que a saúde do arquiteto estava ótima. Como havia prometido, Thomas telefonou primeiro para Eliot, e depois para Natasha, para avisa-los de que Guido tivera alta. Thomas também os avisou que levaria Guido para sua casa.

Na saída do hospital, Guido ao lado de Thomas, vislumbrou os pais de Nate na recepção. Pensou que, talvez, o hospital só conseguira se comunicar com eles e avisá-los sobre a morte do filho naquela manhã. E embora estivesse muito triste por Nate, e até mesmo por Ronald, Guido decidiu não falar com os pais do seu ex-namorado. Sentiu piedade dos dois, é lógico, e do sofrimento que estava estampado em seus rostos, mas preferiu sinceramente não se aproximar. Quis evitá-los, mas não por mal. É que não aguentaria que sua culpa crescesse. Afinal, Guido sabia que tanto a morte de Nate quanto a de Ronald, eram provenientes de seus pesadelos macabros. E, pela primeira vez desde que se feriu no braço dentro de um deles, sentiu que poderia enlouquecer de medo. Meus pesadelos podem matar pessoas... o pensamento se repetia obsessivamente em intervalos de segundos, e embora sentisse seu coração pingar sangue, não deixou transparecer nada. Sentindo toda a erupção transbordante no olhar vago do namorado, Thomas segurou sua mão enquanto caminhavam pela garagem subterrânea do Lenox Hill. Ele conhecia Guido, e o conhecia muito bem, e sabia que internamente, o amado estava explodindo. Entrelaçou ainda mais forte seus dedos nos de Guido, e protegeria o namorado com a sua vida se fosse preciso, mas não deixaria que ele se machucasse. Não mesmo.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que ficou meio lento, mas como eu disse, é o equilíbrio entre o real e o sobrenatural.

Mesmo assim, obrigado por ler! E não esqueça de deixar um comentário, porque motivação é sempre bom por aqui rsrs! :]