Duas escrita por Luda Rodriguez


Capítulo 3
Capítulo 3




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CAPÍTULO 2


Desde muito cedo, Luísa despertou interesse pelas artes. Ballet, jazz, sapateado, piano. Começara cedo a praticar essas atividades, incentivada não por seus pais, mas por sua madrinha. Seus pais sempre afirmaram que o importante era estudar, mas a tia insistia em inserir a menina no meio das artes por enxergar nela o potencial para isso. E, mesmo sem saber, sua tia ajudou a traçar o destino profissional da menina desde muito pequena.

Outra característica muito marcante desde cedo era a criatividade aguçada de Luísa. A menina desde que aprendera a ler vivia grudada nos livros. Quando criança, seus pais tinham que muitas vezes esconder as lanternas da casa para que ela não estragasse a visão lendo escondido em seu quarto no alto da madrugada. E toda essa leitura trouxe para a menina uma incrível capacidade de descrição. Luísa era capaz de descrever as situações tornando-as sempre muito interessante para os que a ouviam. Geralmente quando contava alguma de suas histórias logo se formava uma roda de amigos, todos prontos para ouvir e divertir-se intensamente com o que ela contava.

Uma coisa que intrigava seus pais era a quantidade de amigos. Era querida por todos da escola. Meninos, meninas, crianças mais novas, crianças mais velhas... todos a conheciam. Ela se destacava sempre nas peças de teatro e nos esportes, era uma excelente aluna e ainda tocava na banda marcial da escola. Não havia que não gostasse dela e não a tratasse com todo carinho e respeito. Mas havia três meninas, em especial, que fechavam o ciclo de melhores amigas de Luísa. Nessa idade, em cada lugar formava-se um ciclo diferente e paralelo de amigos. Michelle, que morava no mesmo prédio de Luísa, era aquela amiga do dia a dia, das brincadeiras na rua, das brigas infindáveis. Juliana, do prédio de sua avó era a amiga adolescente que, para seus pais, a levava para o mau caminho. E Priscila, que era da escola, era aquela amiga por quem Luísa tinha um carinho todo especial. Viam-se geralmente apenas nos dias de aula, dormiam na casa uma da outra para fazer algum trabalho de escola ou simplesmente para assistirem filmes junto com outros amigos da escola.

Apesar de estar saber-se querida por muitas pessoas, Luísa muitas vezes se sentia sozinha. Poucos enxergavam verdadeiramente os questionamentos ideológicos e emocionas pelos quais a menina estava passando. A adolescência de Luísa, desde os primeiros momentos não foram fáceis, mas até então não havia começado as cobranças dos pais, da família da sociedade. Até então não precisava explicar, sequer pensar no que sentia e porque sentia. E dentro desse muro de piadas e comédia Luísa criara o perfil de uma menina feliz e engraçada. Mas Michelle a enxergava. Apesar de terem a mesma idade, terem vivido praticamente as mesmas coisas, serem amigas há muitos anos, Michelle sabia que a amiga estava passando por algo que não permitia a mais ninguém saber.

Eu não estou aguentando. O que eu falei pra Neinha é verdade? Eu to apaixonada mesmo? É isso que se sente quando se está apaixonada? Mas como eu posso estar apaixonada por alguém que eu nunca vi na vida? E ainda mais uma garota? Como assim?


Normalmente após o jantar Luísa descia para a casa de Michelle para que, juntas, fossem para a rua sentar em algum banco e conversar. E nesta noite Luísa manteve a regra. Chegou da aula de piano, tomou seu banho, lanchou um misto quente e desceu. Luísa precisava conversar com alguém para saber se o que ela estava sentindo era realmente paixão, e ninguém melhor do que uma de suas melhores amigas para ajudar nessa situação tão complicada. Tocou a campainha da casa da amiga e viu o semblante familiar e sereno da mãe de Michelle, uma senhora de cabelos loiros e pensamento moderno. Ela permitia que Michelle namorasse em casa e conversava abertamente sobre todos os assuntos com os amigos dela, inclusive aqueles que ruborizavam as bochechas dos mais novos. Ela direcionou um olhar reconfortante para menina e disse:


– Oi Lu, como você está?

– To bem tia. A Michelle tá aí?

– Tá sim. Entra, ela tá tomando banho pra jantar. Acabou de chegar do curso.

– Tá bom.

E inocentemente entrou. Sentou-se no mesmo lugar onde sempre se senta, pegou o controle da TV e começou a trocar de canal. A mãe de Michelle

– Luísa, quando você tiver um tempinho sobrando, passa aqui em casa que eu quero conversar com você. Mas só com você, sem a Michelle.


Esta frase não causou-lhe boas sensações. A primeira coisa que se faz é uma varredura cerebral em todas as suas atitudes para saber o que pode ter aborrecido a mãe de sua amiga, porque essa solicitação de conversa definitivamente não era algo normal.


- Ué, tia, pode falar. O que aconteceu?

– Vou aproveitar que a Mi tá no banho e vou falar rapidinho. Lu, meu bebê, eu ando muito preocupada com você, sabia? Tem alguma coisa acontecendo contigo que você esteja precisando conversar, tipo, com alguém que não vá te julgar por nada que você disser?

– Não tia – Assustada – Por que você está perguntando isso?

– Ah minha filha, eu tenho reparado você está tão distante de nós, tão agressiva, como se algo estivesse te incomodando muito e você não soubesse como falar. Lu, eu já tive a sua idade. E já tive minhas dúvidas também.

– Não tia, tem dúvida de nada não. Não to entendendo o que a senhora ta querendo falar tia... Mas faz um favor, pede pra Michelle descer que eu vou esperar ela no banco do 12.


A expressão no rosto de Luísa descrevia precisamente o espanto da menina ao ouvir aquelas palavras. Passava por questionamentos e indagações tão internas, tão profundas que temia estar demonstrando-as tão claramente para as pessoas. Tentando fugir da conversa, direcionou-se para a porta. Ao tocar a maçaneta, a mãe de Michelle puxou-lhe delicadamente pelo braço:


– Lu, mesmo que você não queria falar nada, você vai me ouvi porque preciso que você pense nas coisas que eu tenho pra te dizer. Nenhuma amiga da sua idade poderá te dizer as coisas que tenho para falar e, se na sua idade eu tivesse alguém para abrir meus olhos, talvez minha vida teria tomado outro rumo. Presta atenção, meu amor, você sabe que pode contar comigo pro que você precisar, não é? Não quero que você me considere só como a mãe da sua amiga, eu quero que você me considere sua amiga mais velha. Uma amiga que já viveu muito mais que você, que tem idade para ser a sua mãe, que quer o melhor para você, e que está vendo que você está sofrendo com alguma coisa aí dentro. Você é inteligente e bonita demais menina, não precisa se esconder. Você vai ser o que você tiver de ser, e ponto final. Ninguém vai ter obrigação de te aceitar ou de conviver com você. As pessoas vão te querer por perto pela pessoinha maravilhosa que você é. Você não precisa se agredir como está fazendo para entender que você é diferente. Você não precisa agredir o mundo para que as pessoas notem que você é diferente. As pessoas que mais importam na sua vida sabem disso, sempre souberam. Isso não é surpresa para ninguém. Basta que você entenda como ser diferente sem agredir a si mesma ou aos outros. E entender que você não tem que ser igual a ninguém nas suas escolhas. Você tem que ser você!


E aquelas palavras nunca mais deixaram de martelar em sua cabeça.


Luisa sempre soube que era muito diferente de todas as outras meninas da sua idade que conhecia. É comum as meninas despertarem o desejo por coisas de mulher. Roupas, maquiagem, rapazes. Esses eram os principais assuntos nas rodas das meninas. Enquanto Luísa pensava em jogos de futebol com seus amigos e primos, vídeo game e judô, as suas amigas estavam arrumando namorado, indo para o cinema com os meninos. Enquanto as meninas procuravam mostrar os traços femininos que despontavam em seus corpos com roupas mais sensuais, decotes e calças apertadas, Luísa escondia as pernas torneadas e os seios em blusas de malha e calças jeans. Com os cabelos na altura dos ombros e as unhas roídas pelo habito de manter as mãos sempre na boca, Luísa sabia que era diferente. Sentia-se diferente. Ainda mais agora com todas essas dúvidas e medos que rondavam seus pensamentos.

Ainda muito imatura, Luísa era sufocada pelas expectativas dos pais. Muito severos em sua educação, não se importavam com o fato de que a menina ainda não tinha arrumado um namorado como as amigas. Não sonhavam com a existência das indagações da menina e esperavam que ela se mantivesse assim, reclusa em sua infantil inocência desde que suas notas a levassem a uma carreira de sucesso e estabilidade.

A inocência da menina era tanta que, aos doze anos de idade, numa bela tarde de domingo estava jogando futebol com seus amigos quando começou a sentir um forte desconforto abdominal. Correu para casa para ir ao banheiro.

– Mããããããããe! - Um grito assustado de Luisa veio do banheiro – Corre aqui no banheiro, anda, rápido.

– O que houve menina?

– Mãe, eu estou morrendo.

– Que isso garota? Por que?

– Olha a minha calcinha mãe. Que mancha é essa aqui?

– Ah minha filha... você está com doze anos, filha. É normal. Você ficou mocinha!

– Eu fiquei o que?

– Mocinha, filha. Menstruada. Isso vai durar uns três ou quatro dias. Você pode sentir um pouco de dor na barriga, se chama cólica. Espera aí... toma, coloca isso na sua calcinha. É um absorvente. Você vai precisar usar isso para não sujar sua roupa. Quando você notar que já está na hora de trocar tem mais aqui na gaveta. Ai meu Deus... minha filha ficou mocinha.

Não esperava aquela novidade. Na verdade, não atentara-se para o fato de que já estava na idade de acontecer. Esqueceu-se por completo. Entrou para o banho e depois do banho foi correndo para o quarto. Não queria falar com ninguém, mas podia ouvir sua mãe aos prantos, ligando para todos da família para contar que seu bebê agora era uma mocinha. Palavras dela.


Depois de passar a noite tentando esquecer as coisas que tinha ouvido da mãe de Michelle, Luisa acordou cedo e bem disposta para ir à escola. E ir para escola tinha um incentivo a mais: sua amiga Priscila. Uma amizade muito bem vista pelos seus pais, diferente de Juliana, do prédio da avó. Os pais de Luísa adoravam Priscila e as duas sempre estavam juntas. Trabalhos de turma, grêmio, gincanas, peças de teatro. Onde uma estava, a outra também estava. Moravam no mesmo bairro, mas em ruas diferentes. A distância entre a casa de Luísa e de Priscila era a mesma pra escola, que ficava bem no meio do caminho. Mas isso nunca fora um empecilho para que fossem e voltassem todos os dias juntas. Luísa desde cedo ganhara o direito de ir para a escola como seu irmão, de bicicleta. E todos os dias ela saia de casa alguns minutos mais cedo, passava na casa da amiga para buscá-la.

Os fins de semana eram sagrados. Todo final de semana Luísa ia para a casa da sua avó. O prédio em que ela morava era repleto de crianças e adolescente, mas, muito mais do que isso, Luísa adorava a companhia de sua velha. Jogar buraco e ver a novela das oito eram seus programas favoritos ao lado daquela que sempre fora seu exemplo de vida.

A rotina do final de semana começava na sexta-feira após a aula. Sua avó passava de carro e a buscava. Nesse dia Luísa não ia para a escola de bicicleta. Luísa levava para a escola o peso extra do material para as aulas de segunda-feira dentro de sua mochila. Era normal que ficasse na casa da avó até a segunda-feira de manhã, quando ganhava outra carona para a escola.

Apesar da conversa tenebrosa que tivera com a mãe de sua amiga na noite anterior, Luísa não teve muito tempo para pensar naquele assunto durante as aulas dessa sexta-feira. Fizeram a divisão dos temas dos trabalhos semanais. Toda semana os alunos deveriam apresentar um trabalho, em dupla, de duas matérias que eram selecionadas toda semana. As duplas dificilmente mudavam e Luísa e Priscila, sempre que possível, faziam os trabalhos juntas.

Após selecionarem o tema, decidirem as duplas e a data de apresentação, Luísa e seus amigos se encaminharam para o portão.


– Você vai pra sua vó, Lu?

– Vou sim. Ela tá vindo me buscar e tal.

– Ah tá... eu esqueço que final de semana você só quer saber da Juliana.

– Pára de ser debochada, garota. Eu te ligo. Vou lá. Beijo.


E foi. Entrou no banco do carona do carro e partiram. Muitas vezes não entendia as coisas que Priscila falava ou todo o ciúme que ela tinha de suas outras duas amigas, mas não se preocupava com isso. Isso era normal entre as meninas.

O carro mal havia estacionado e Luísa ouviu as vozes de seus amigos jogando futebol de botão no play. Desceu do carro com certa pressa e foi andando na direção dos amigos. Na direção contrária veio Juliana, outra de suas melhores amigas.


– Oi Lu! Caraca, eu tava louca pra falar com você. Por que você demorou tanto pra chegar hoje?

– Eu estava na escola decidindo o trabalho da semana que vem.

– Amiga, tenho que te contar uma coisa...

– Ju, espera. Vamos fazer assim, eu vou subir, comer, deixar essa mochila pesada e desço. Dá pra esperar ou alguém morreu?

– Beleza. Dá pra esperar sim. Vou aproveitar e comer também.


Fez exatamente como disse. Subiu, acomodou suas coisas no quarto, tomou banho e foi almoçar. Vestiu uma bermuda jeans surrada e uma blusa regata preta. Desceu:


– Então, amiga, aconteceu uma coisa essa semana que eu tava louca pra te contar. Mas preferi esperar você chegar aqui ao invés de ligar porque você sabe, não é, seus pais não me curtem muito.

– Ih... Vem bomba! Fala logo, Ju.

– Sabe a minha tia, aquela que eu vou sempre pra casa dela?

– To ligada.

– Então, tem umas duas semanas que eu passo a semana inteira lá, né, porque a minha escola tá em greve.

– To ligada também!

– Então, eu conheci um menino há umas duas semanas... a gente ficou algumas vezes e semana passada ele pediu pra namorar comigo. E a gente tá namorando.

– O QUE?

O grito de Luisa ecoou pelos corredores do prédio. Em uma fração de segundos tudo começou a girar em sua cabeça. Os questionamentos, as perguntas, as dúvidas dos outros. Juliana era a única, assim como Luísa, que nunca havia ficado com ninguém. Ambas tinham a mesma idade e o mesmo estilo de e Luísa sabia que agora todos começariam a estranhar seu comportamento. Juliana sempre fora uma espécie de justificativa para o seu comportamento ainda muito infantil. A criação das duas era praticamente a mesma. Apesar de seus pais não serem amigos, criavam as meninas do mesmo jeito. Tudo isso passava pela cabeça da menina enquanto ela tomava ar e coragem para mudar o tom e talvez até a expressão e perguntar:

– Mentira? Como assim namorando? Me conta isso

– Ai amiga... eu to apaixonada, sabe? Ele é vizinho da minha prima. O nome dele é Fábio, ele tem dezessete anos. Ah! Cara, não fica brava comigo, mas não tem como falar com você direito quando você está em casa por isso não falei nada antes. Você ta brava?

– Claro que não cara. To de cara. Mas to feliz por você.

– Amiga, ele é lindo e muito gente boa, cara. Mas eu to com um pouco de medo. Ele vai vir aqui hoje. Eu tive que contar pros meus pais que eu to namorando porque minha tia me viu beijando ele. E meu pai fez questão de conhecer ele o mais rápido possível. Aí eu combinei com ele e ele vem aqui hoje. Eu tava com medo de você não vir esse final de semana porque eu quero que você conheça ele também.

– Cacete, quanta informação ao mesmo tempo! Como é que é o nome dele mesmo?

– Fábio. Ele vem de noite.

– Ah, maneiro.

– Semana passada quando eu fui pra casa da minha prima ele me apresentou os amigos dele. Os meninos são muito maneiros, cara. Muito mesmo. To louca pra te levar lá pra você conhecer a galera.

– Ah cara... pode ser.

– Então, a gente tava conversando um dia lá e eu tava contando das coisas aqui do prédio, da galera. E um amigo dele ficou interessado em te conhecer.

– Me conhecer? Interessado em me conhecer?

– É. Eu tava contando das paradas aqui do prédio e falei de você, né, claro? Daí esse amigo dele, o Kadu, amigo de infância sabe, disse que queria te conhecer. E eu falei pra ele vir aqui com o Fábio.

– Hoje?

– É cara... eles vem pra cá de noite e a gente sai pra, sei lá, sentar lá na pracinha pra conversar.

– Mas conhecer pra que, Juliana? O que você ta planejando cara?

– Ué, amiga... conhecer. Sei lá, conversar... ficar...

– Puta merda, cara... você vai me meter em encrenca, to ligada!


E ficaram conversando algum tempo. Aliás, o que essas meninas mais faziam era conversar. Passavam horas e horas a fio sentadas no play falando, contando as coisas da escola. Luisa até pensou em, talvez, falar alguma coisa sobre seus medos para a amiga, mas desistiu no minuto que soube desse namorado e desse amigo do namorado de Luisa.

Mesmo sem saber o que estava por vir, topou encontrar-se com esse rapaz. Quase as 6 da tarde Juliana anunciou que começaria a se arrumar e pediu a amiga que fizesse o mesmo, uma vez que os rapazes chegariam as sete da noite.


– Amiga, faz assim. Sobe, toma um banho e coloca aquele shortinho xadrez clarinho com essa ribana preta que você ta.

– Puta merda... Até na minha roupa você quer mandar?

– Faz o que eu to falando. Antes das sete você desce pra esperar eles comigo, ok?

– Ta cara... me liga que eu desço.

– Beleza.


Muitas coisas passavam por sua cabeça naquele momento. E o banho era justamente a hora em que ela tirava para pensar no que estava acontecendo. Era praticamente a única hora em que estava sozinha. Estava com medo de encarar esse rapaz, de ser rejeitada, de rejeitar. Ele estava interessado em conhecê-la. Não sabia o que poderia acontecer. Não queria encher-se de esperança para depois decepcionar-se. Não queria pensar. Queria permitir-se viver aquilo para saber se queria ou não ficar com aquele menino. Esperava conseguir esquecer aqueles pensamentos estranhos. Esperava começar a ser uma menina normal de dezesseis anos.

Conforme combinado previamente com a amiga, assim que recebeu a ligação da amiga, desceu. Passado um pouco das sete horas em ponto tocou o interfone e o porteiro anunciou a chegada dos rapazes. O coração de Luísa acelerou e externou todo o medo que estava sentindo. Seus lábios instantaneamente perderam a cor e para disfarçar, levantou-se e dirigiu-se ao banheiro. Ouviu quando a amiga autorizou, pelo interfone, a entrada dos rapazes. Saiu do banheiro e sentou-se no sofá enquanto Juliana dirigiu-se para a porta de casa buscar o namorado.

– Bóra Lu. Vamos lá buscar eles?


Aceitou instantaneamente. Seria melhor que as apresentações acontecessem longe dos olhos dos pais de Juliana, a fim de evitar maiores constrangimentos.


– Oi amor.

– Oi gatinha.

E beijaram-se. Um selinho apenas.


– Fábio, essa aqui é a minha amiga Luísa.

– Prazer, Luísa. Esse aqui é o Kadú.

– Prazer Kadú.

– Prazer Luísa.


E Luísa espantou-se. O rapaz era lindo. Moreno, praticamente da mesma altura de Luísa. Seus olhos puxados contrastavam com seus lábios grossos. As mãos eram grandes e delicadas. Usava a cabeça raspada. Estava vestindo uma calça jeans clara, uma camisa preta de botão por cima de uma camisa branca. O perfume do rapaz era delicioso e o sorriso era muito simpático. Luísa não acreditou que aquele menino poderia se interessar por aquela pirralha. Luísa estava usando, conforme a amiga pediu, um short curto, meio larguinho, xadrez claro com uma ribana preta, estilo nadadora e um all star preto sem meias nos pés. O cordão de prata e a tornozeleira davam um toque especial à roupa, apesar de ainda sentir-se desengonçada e torta com toda aquela produção de ultima hora que Juliana proporcionara. Lápis nos olhos e um pouco de creme para pentear deixaram Luisa completamente desconfortável. E linda.

Entraram para a casa de Juliana e, após as formalidades das apresentações e do jantar servido pela mãe de Juliana, Luisa ouviu sua amiga fazer a seguinte proposta:


– Pessoal, vamos dar uma volta, sei lá, tomar um sorvete?


Todos aceitaram prontamente. Luísa foi a primeira a dizer sim, uma vez que sentia-se claustrofóbica naquela sala super lotada.

Começaram a caminhar lentamente pelas ruas. Juliana e Fábio andavam um pouco mais a frente, de mãos dadas, como se guiassem uma excursão. Luísa e Kadú andavam um pouco mais lentamente atrás do casal de pombinhos. O rapaz era muito simpático, mas alguma coisa nele acordava os sentidos de Luísa.


– Vamos para a pracinha?


Alguém sugeriu.


– Vamos.


Todos responderam.


Lá, Juliana e Fábio sentaram-se em um banco mais distante dos amigos para desfrutarem de um pouco de privacidade. Trocavam beijos, carícias, brincadeiras. Luisa e Kadú sentaram-se dentro do parquinho, em dois balanços, e começaram a conversar sobre a vida. Perguntas daqui, respostas dali, histórias de acolá, e Luisa via-se cada vez mais envolvida naquela conversa. O rapaz sabia de muitas coisas, aparentava conhecer muitas coisas. Estava terminando o ensino médio e era um rapaz muito agradável de conversar.

Estavam absortos na conversa, quando ouviram:


– Partiu?


Gritou Juliana do banco onde estava sentada com Fábio. Na volta para a casa pegaram outro caminho, diferente do que usaram para ir, na intenção talvez de alongar a distancia e o tempo juntos. Pegaram uma rua pequena, estreita e escura, perto de onde as meninas moravam. Juliana e Fábio encostaram-se em um carro um pouco atrás de Luisa e Kadú e começaram a se beijar intensamente. Luisa sentiu-se estranha novamente. Claustrofóbica novamente. Não queria estar naquela rua, não queria estar naquela situação. Sentiu-se pressionada a fazer o mesmo que a amiga estava fazendo. Mas ao olhar para aquele rapaz a sensação ruim se foi. Ele era muito delicado, muito carinhoso. Pararam em um em frente ao outro, perto da fileira de carros estacionados naquela deserta rua. Luisa estava completamente sem graça com a situação. Olhava para baixo, para o rapaz, para baixo de novo. Ele era bonito, talvez aos olhos de Luisa tornava-se ainda mais. E, num de seus gestos carinhosos e quase que calculados, com um passo a frente, apoiou a mão direita sobre o teto do carro quase que obrigando a menina encostar na porta do motorista. Apesar de ser de baixa estatura, o rapaz tinha um porte físico considerável e um jeito de falar que impressionava Luisa, de alguma forma.


– Sem querer ser abusado, posso te perguntar uma coisa.

– Pode.


Luisa estava extremamente nervosa. Um frio subiu por sua barriga até a garganta e desceu novamente. Intercalava o olhar entre o rapaz e o prédio atrás do rapaz, mas em momento algum abaixou o olhar. Era conhecida por ser abusada e nunca demonstrar medo. O braço apoiado no teto do carro ficava exatamente na altura do rosto de Luisa. Olhou-a nos olhos e disse:


– Você é linda, sabia?

– Sabia.

– E convencida também.

– Realista, eu diria.

– Posso te dar um beijo?

– Acho que não.

– Eu acho que posso.


E com outro gesto carinhosamente calculado, o rapaz passou os dedos da mão esquerda carinhosamente pela nuca da menina, quase que prendendo lentamente seus cabelos entre seus dedos. Puxou lentamente seus cabelos, olhou-a dentro dos olhos e a beijou.

Nos lábios. Um beijo daqueles que ela via a sua musa dar em seu amante na minissérie. Um beijo calmo e nervoso. Um beijo tenso e cheio de desejo. Um beijo confuso. Um beijo de verdade. O seu primeiro beijo.


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