We Are All Illuminated escrita por SatineHarmony


Capítulo 1
Capítulo Único




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Seus passos eram curtos e apressados, a sola do seu par de sapatos chapinhava devido à chuva que não parava de cair. Abraçou os próprios braços, tentando, em vão, aquecer-se. Amaldiçoou-se mais uma vez por ter esquecido o guarda-chuva. Estreitou os olhos, tentando ver algo no breu à sua frente. Avistou uma luz fraca em uma esquina poucos metros adiante. Aproximando-se, percebeu que a claridade era proveniente de um poste. Situou-se, percebendo que faltavam apenas alguns quarteirões para chegar a sua casa.

Então viu um vulto branco como que amontoado no chão à sua esquerda, em meio à escuridão.

— Olá? — chamou, hesitante, virando o seu corpo em direção ao elemento não identificado. Tentou apurar a sua audição, para ver se obtinha alguma resposta — o latido de um cachorro, o miado de um gato, qualquer coisa. Ignorando a chuva forte, andou alguns metros, parando próxima ao vulto. Tirou o celular do bolso, apertando um dos botões para acender a luz da tela, iluminando poucos centímetros à sua frente.

— Ishida-kun! — exclamou, quase deixando o celular cair sobre a calçada molhada. — O que houve? — perguntou, preocupada.

O garoto estava jogado no chão de forma impiedosa, suas roupas impecavelmente limpas exibiam grandes manchas de lama, e seus óculos estavam desnivelados em seu rosto. Havia largas olheiras negras abaixo de seus olhos, e estes estavam vermelhos, como se ele tivesse passado dezenas de horas sem dormir. Sua expressão era de puro cansaço, e sua respiração era fraca, quase superficial.

Orihime ajoelhou-se ao seu lado e apoiou a cabeça alheia sobre seu colo, colocando o dedo indicador na dobra do pescoço pálido para sentir a pulsação do garoto.

— Inoue-san?... — franziu o cenho, tentando entender o que estava acontecendo ali. Ele reconhecera de imediato os longos cabelos ruivos da garota. — O que você está fazendo aqui?

— Ishida-kun, eu vou levá-lo para a minha casa! — gritou para ser ouvida, uma vez que as pancadas de chuva eram ensurdecedoramente altas.

— O quê? Não! — tentou levantar-se, falhando completamente. Foi tomado pela estranha sensação de ter seus ossos transformados em gelatina.

A garota estalou a língua em desaprovação, envolvendo a cintura do outro com um de seus braços, suportando parte de seu peso.

— Venha, minha casa fica perto daqui. — disse num tom que deu a Ishida a impressão de que ele não tinha escolha.

Don't be afraid of tomorrow

Não tenha medo do amanhã

Just take my hand

Apenas pegue minha mão

I'll make it feel so much better tonight

Eu o farei se sentir muito melhor esta noite

† ✼ †

— Obrigado, Inoue-san. — tentou sorrir, resultando numa espécie de careta desconfortável. Tentou distrair-se com a xícara de chocolate quente que lhe fora oferecida.

— De nada, Ishida-kun. — o sorriso de Orihime era muito mais convincente e sincero do que o dele. — Você está se sentindo melhor? — foi atenciosa.

— Sim, obrigado. — respondeu automaticamente. Ele não sabia ao certo como agir, então fizera o mais comum: mentir por educação.

A garota estreitou os olhos, levemente desconfiada, porém decidiu ignorar — por enquanto.

— Durma aqui hoje. — sugeriu, dando-lhe um de seus famosos olhares imploradores. E continuou, antes que lhe desse chances de contestar: — Não importa se a sua casa é na esquina ou do outro lado de Karakura, você não conseguirá chegar lá debaixo dessa chuva. — determinou, baixando a sua própria caneca de chocolate quente na bancada de mármore da cozinha.

— Você é uma pessoa realmente insistente. — comentou, franzindo a testa, uma tímida expressão divertida foi exibida em seu rosto.

Aquele fora o único instante da conversa em que Orihime achara que Ishida tinha sido honesto por completo.

A verdade era que ela sentia algo por ele — não amor ou paixão, apenas havia algo no moreno que a cativava profundamente. Talvez fossem os óculos, ou o seu jeito de se esforçar para os testes e provas escolares, aquilo não importava para Inoue — um dia ela simplesmente despertara sentindo-se atraída pela pessoa à sua frente.

Na manhã seguinte ele não estava mais ali.

Deu um suspiro, controlando a fraca frustração que ameaçava crescer em seu peito. Porém permitiu-se exibir uma fisionomia decepcionada enquanto jogava no lixo o café da manhã que prepara para o seu ex-hóspede.

† ✼ †

— Por que você foi embora tão cedo? — perguntou na lata, sentando-se na carteira em frente à de Ishida. — Eu não moro com os meus pais, não há necessidade para isso. — murmurou, chateada.

— Mas eu moro. — deu um meio sorriso desanimado. — Porém mesmo assim, obrigado pela sua ajuda. — disse mais uma vez.

A ruiva fez um movimento de desdém com a mão:

— Tudo bem, não foi nada de mais. — deu de ombros, baixando os olhos, um pouco envergonhada pelos constantes agradecimentos do outro. Percebeu então algo estranho: — Ishida-kun, que cicatrizes são essas no seu braço? — perguntou, preocupação transparecendo em sua voz.

— Arranhões. — explicou rapidamente, recolhendo o seu braço esquerdo da mesa.

— Você tem certeza que... — começou a perguntar, mas foi interrompida:

— Tenho. — falou num tom rude.

E aquela foi a última vez que Inoue Orihime viu Ishida Uryuu sem o casaco do uniforme escolar.

† ✼ †

Mais uma vez ele estava lá, jogado na calçada no exato lugar da mesma noite chuvosa de meses atrás — porém algo era inédito: o moreno tinha companhia consigo.

Observou do outro lado da rua Ishida ser abandonado por dois outros adolescentes um pouco mais velhos do que ele. Ambos caminhavam com dificuldade, parecendo tropeçar nos próprios pés. Só se aproximou depois que os viu dobrando a esquina, saindo do seu campo de vista.

— Ishida-kun... — suspirou com pesar, seu rosto vincando de preocupação. Ele estava completamente inconsciente, deitado no concreto duro.

Inoue ajeitou o seu corpo de forma apropriada para passar os seus braços pelas costas e atrás dos joelhos alheios, inspirando fundo antes de fazer força para levantar Ishida. Ele era mais leve do que o esperado — talvez pesasse o mesmo que ela —, porém Orihime teve que esforçar-se para carregá-lo até a sua casa.

Colocou o seu corpo sobre a cama de seu quarto, não sabendo ao certo o que fazer. Passou as mãos pelo cabelo caramelo, nervosa.

— Ah! — exclamou consigo mesma, lembrando-se de como o seu irmão cuidava dela quando estava doente. — Toalhas quentes, checar temperatura... — começou a listar em voz alta as coisas a serem feitas. Após pegar o termômetro, arregaçou as mangas da blusa de Ishida para medi-lo.

O termômetro caiu no chão.

Mercúrio líquido formou uma mancha escura no tapete felpudo, e ao seu lado Orihime despencou ao sentir os seus joelhos fraquejarem.

No antebraço pálido do moreno era possível ver milhares de cicatrizes de agulhas. Hematomas, arranhões, cortes. A pele apresentava tons roseados, sensível a toda a violência que lhe fora imposta.

Drogas.

— Ishida-kun... — repetiu, em choque. Sentiu uma lágrima escorrer pelo canto de seu olho, e ergueu uma mão para secá-la.

Controlando o choro, e tentando ignorar o aperto sufocante em sua garganta, ela colocou pequenas toalhas brancas umedecidas em água quente na testa do garoto e ligou o aquecedor do cômodo.

Como envolvia substâncias ilegais, Inoue não poderia chamar uma ambulância, pois eles provavelmente acionariam a polícia. Franzindo os lábios, avançou à cozinha, decidindo fazer o que sabia de melhor: cozinhar.

† ✼ †

—... E preparei um pouco de salada para acompanhar tudo! — sorriu ao concluir a descrição dos pratos que preparara.

— Eu fiquei desacordado por quanto tempo? — ergueu uma sobrancelha, vendo a bandeja de café da manhã disposta à sua frente.

— Mais de doze horas. — informou, colocando um copo de suco sobre a cabeceira da sua cama. Em seguida sentou-se no chão ao seu lado, observando-o atentamente. — Agora conte-me tudo. — deu ênfase na última palavra.

Ishida virou a cabeça, não deixando-a ver a expressão temerosa estampada em seu rosto. Dando-lhe o seu tempo, Orihime não insistiu, resignando-se a vê-lo estalar pensativamente os dedos da mão esquerda.

— Você viu? — perguntou o óbvio.

— Sim. — a voz da garota era baixa. — Você... Você ingere substâncias ilegais? — ela se recusava a dizer aquela palavra em alto e claro som.

— Sim. — baixou a cabeça.

— Sinto muito. — lamentou-se por ele.

— E eu não irei parar. — declarou.

— Eu sei. — piscou os olhos em vão, sentindo lágrimas escorrerem livre e silenciosamente de seus olhos.

— Me deixe sozinho. — seu tom era fracamente autoritário.

— Não. — ajoelhou-se ao lado da cama, apoiando a sua cabeça no ombro magro do garoto. — Nós afundaremos juntos.

Swing me these sorrows

Me abale com essas tristezas

And try delusion for a while

E tente a desilusão por um momento;

It's such a beautiful life

É uma vida tão linda

E assim foi. Ao seu lado ela ficava sem contestar — o observava curvar-se sobre o vaso sanitário quando sentia enjoo, o via encravando seringas em si mesmo e o assistia enquanto dormia, o único momento do dia em que seu rosto ficava completamente sereno.

Orihime o acolhia em sua casa quando ele brigava com seu pai, lhe oferecia comida e consolo. Ela chorava por Ishida, temia o futuro por ele e passou a ajudá-lo com os estudos. Ela sofria por ele — sofria pela atração que não conseguia conter, aquela maldita e inexplicável atração que a impedia de deixá-lo.

Um dia, estavam ambos deitados em sua cama. Eles não se tocavam e nem falavam, sendo tomados pelo mais puro dos silêncios.

— Acho que vou dormir. — comentou o moreno enquanto fechava os olhos cansados. Ele acabara de injetar uma dose, começando a sentir os efeitos da droga. Finalmente poderia descansar em paz. — Boa noite, Inoue-san. — desejou de forma educada.

— Me chame de Orihime. — pediu. — E eu o chamarei de Uryuu. — sorriu.

— Como quiser. — respondeu num tom arrastado. — Boa noite, Orihime.

E ela simplesmente adorou a forma na qual o seu nome foi dito por aquele par de lábios pálidos.

† ✼ †

Então ele faltou a escola. Por cinco dias.

Inoue ligou para a sua casa, e chegou a enfrentar o seu medo de falar com Ishida-san. Este a respondera num tom apático: "Ele não estava na sua casa este tempo todo?", antes de desligar o telefone.

Vestiu sua capa de chuva, inspirando fundo antes de sair de casa. Aquela noite era infinitas vezes pior que aquela na qual eles conversaram pela primeira vez.

Chegou à esquina, encontrando-a vazia. Com passos hesitantes, seguiu pela rua à sua direita. Uryuu comentara uns tempos atrás que ele conseguia as suas "substâncias" por aquele quarteirão.

Não foi difícil encontrar o lugar. O casarão era escuro feito breu, e murmúrios eram ouvidos vindos dali. A ruiva franziu o nariz ao sentir o cheiro forte, e resistiu ao impulso de prender a respiração.

Avançando pelo local, ignorou as pessoas à sua volta, e estas estavam igualmente alheias à sua presença. Encontrou quem tanto procurava jogado num sofá velho, com os olhos fora de foco e o braço esquerdo exposto, exibindo inúmeras cicatrizes recentes.

— Uryuu? — chamou, sem saber ao certo se ele a responderia. Surpreendeu-se quando o mesmo virou-se para olhá-la.

— Saia daqui, você não pertence a um lugar desses. — murmurou, seco.

— Você também não. — não deixou-se abalar.

O moreno decidiu ignorá-la, porém logo estalou a língua, irritadiço, ao perceber que ela não iria embora tão cedo.

— Sente-se ao meu lado. — ordenou, posicionando-se de forma mais apropriada para dar espaço para Inoue sentar.

Ela assim o fez, e o silêncio mais uma vez caiu sobre eles. A garota tentou não encarar as cicatrizes de Ishida, falhando completamente. Notando o seu olhar, ele mostrou-lhe algumas seringas ainda cheias:

— Quer experimentar... — aproximou os seus lábios do ouvido da ruiva —... Orihime?

Ela simplesmente estendeu o braço, arregaçando uma das mangas da capa de chuva.

"Nós afundaremos juntos", dissera.

E assim aconteceu. Talvez aquele relacionamento estivesse desde o início fadado ao fracasso — afinal, é impossível o impuro e o puro juntarem-se. Porém, agora, eles enfim poderiam ser felizmente disfuncionais juntos pelo pouco tempo que lhes restavam.

E isso bastava.

Suddenly my eyes are open

De repente meus olhos são abertos

Everything comes into focus

E tudo entra em foco

We are all illuminated,

Nós somos todos iluminados,

Lights are shining on our faces

Luzes brilham em nossos rostos

Blinding

Nos cegando


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