Rosa Da Guerra escrita por Anna Black


Capítulo 3
III - A Convivência


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado a Lady Mel, Roquira Marani e Guilherme DiCarmello, sejam bem vindos.
Revisado por Mands Cock.
Espero que gostem, boa leitura.



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Diante de tantas histórias e números, apenas o nome de Débora e Adela ficaram gravados em minha mente, o restante eram números e cabeças, não se importavam conosco, mesmo quando demonstrávamos interesse em ajudar.

Dividia um colchão com Débora, Adela e mais uma mulher que mal falava. Em uma semana já sabia tudo sobre a vida de Débora, que na realidade era de uma família cigana e acabou sendo presa junto com seu irmão, Christian, que havia sido promovido a capo. Adela era alemã, porém casada com um judeu, que também foi preso, acabou caindo nas garras dos nazistas. Seu marido, Miguel, era um judeu latino que ganhava a vida na Alemanha com o seu comércio de bebidas, havia sido preso, porém não veio no mesmo vagão em que eu e Adela viemos, ninguém sabia do paradeiro dele e a única notícia que Adela tinha era que Miguel estava vivo, mas em um campo na Polônia.

Já tínhamos muita confiança umas nas outras, éramos confidentes, e diferentes das demais mulheres ali, tínhamos esperança de sairmos vivas daquele lugar e continuar nossa vida. A convivência fez com que notasse também mais o soldado Stefan Miller. Evoluímos, hoje já sei seu sobrenome. Não nego que ele me atrai e percebo alguns olhares dele pra mim, porém provavelmente tudo é uma grande ilusão de minha mente carente.

Mas o que me mantém quente depois dessa semana é saber que ainda tenho coragem de sonhar mesmo dentro do próprio inferno na terra. Não quis contar nada sobre minha paixão platônica por um soldado as meninas, mas não foi preciso.

- Você já notou quanto aquele soldado lhe encara? Come-lhe com os olhos. – Débora disse enquanto esperávamos nossa vez para pegar a sopa. Chamar aquela água suja de sopa e aquele pedaço de pão velho, que nos sustentavam todos os dias era a ironia do século. Conforme o tempo foi passando descobri maneiras para não passar tanta fome durante o dia. Guardava meu pedaço de pão no bolso para quando sentisse fome.

- Ele não me encara, deve me odiar e por isso me vigia tão bem. Dei uma pisadela nele logo que desci do vagão, imagine o ódio que ele deve sentir de mim por ter sujado seu sapato perfeitamente lustrado? – Sorri.

- Ainda acho que ele te olha diferente, pode ser ódio sim, mas nunca vi ódio com os olhos brilhando. – Débora insistiu, mas mudei de assunto. Eu me iludir sozinha era uma coisa, não precisava da ajuda de ninguém para que isso acontecesse e ganhasse mais intensidade.

Depois daquela manhã do refeitório não vi mais Stefan pelas bandas do campo, não que eu sentisse falta de vê-lo todos os dias, mas a rotina daquele lugar já estava na minha vida e na minha adaptação. Sempre aprendi a tornar mais valioso e prazeroso cada momento na minha vida, por mais difícil que ele seja, e dentro do campo de concentração eu tinha apenas um objetivo: Sair viva.

Pude perceber também, que eu não era a única prisioneira daquele lugar que havia sentido falta de Stefan, ouvi um dia antes de dormir duas garotas conversando sobre ele, uma delas estava apaixonada, mas disse que ele era o soldado braço direito do comandante do campo de Auschwitz e por isso não tinha contato com quase ninguém. Depois daquela noite ouvindo a conversa das garotas, acabei perdendo o sono e dando trela a minha imaginação. Se Stefan era mesmo o braço direito, ele seria tão terrível quanto os próprios comandantes.

- Esqueça-o Hannah, tire esse homem da sua cabeça. – Murmurei para mim mesma antes de tentar dormir. Mais uma tentativa falha, devo dizer.

E assim se passaram três noites, três noites mal dormidas, três noites antes de receber a grande notícia.

O comandante me chamou em sua sala no final do dia, ali ninguém poderia lhe desobedecer, mas eu já me encontrava quase preparada para o pior. Estava consciente que ele poderia querer comigo o mesmo que fizeram com Adela e com Débora. Com a convivência, Débora contou muitas histórias do que já havia passado ali dentro e eu estava me preparando para tudo aquilo. Aquele homem me causava calafrios apenas de vê-lo, imagine ter que ficar sozinha em uma sala junto dele? Preparei meu psicológico muito bem, não saberia o que estaria a minha espera, mas nada seria tão terrível quanto fazer o que ele estava acostumado a fazer com as outras prisioneiras.

Um dos soldados foi me buscar logo no final do dia. Respirei fundo quando estava frente a frente com aquela imensa porta de ferro, que do outro lado possuía algo e alguém que poderia mudar meu destino. Realmente, seria o que iria acontecer. Entrei sem dizer uma palavra, um balbucio, apenas o encarava com um olhar que não aparentasse medo, acho que ele percebia aquilo, acho que ele percebia que eu tentava mostrar que não possuía medo algum dele e muito menos dos seus soldados. O diferente dele era que mesmo que quisesse sorrir eu não conseguia, algo me prendia. Então, ele começou a falar, depois de me analisar com um olhar extremamente observador.

- Então a senhora é o número 1024, correto? - ele me perguntava, mas a minha vontade era de responder se ele não sabia ler no meu pijama o número colado do lado esquerdo.

- Sim senhor! - Respondi.

- Me falaram bem de você por esses dias, que você é uma das prisioneiras mais fortes e mais aplicadas, por isso quis lhe conhecer e lhe fazer uma oferta. - Ele começou a andar por aquela sala pequena e estreita e logo parou atrás de mim. Senti um arrepio na espinha, um medo e um nó na garganta, que acabei engolindo seco.

- Qual oferta senhor? – Perguntei. Querendo ou não, minha curiosidade feminina ainda estava viva diante de tamanhos ocorridos.

- Vou lhe promover a capo, para a enfermaria. Creio que saiba quem são os capos e a importância do cargo deles, não?

- Sim senhor! - Não podia acreditar, minha vontade era de pular, mas não tinha forças, muito menos coragem. Ele voltou para minha frente, ficando atrás da mesa e eu sorri, pela primeira vez. - Obrigada! - Acho que ele não gostou e me mandou sair.

Senti-me como se estivesse acabado de chegar em Auschwiz, minhas energias estavam recarregadas, minhas forças, meu psicológico estava a mil, minha ansiedade. Minha ânsia por fazer algo de diferente naquele campo que pudesse mudar a vida de alguém, de uma ou mais pessoas e até mesmo a minha vida.

- Você foi promovida a capo? - Débora perguntou.

- Sim! - Sorri enquanto arrumava meu pijama velho e trocava por um novo, minha única e pequena regalia até então.

- Não acredito, uma de nós conseguiu isso. Estou muito feliz! - Débora me abraçou, estava tão emocionada. - Nós acreditamos em você! - Ela exclamou ao me soltar do abraço e me olhar nos olhos. - Você merece.

Aquelas palavras eram tão importantes pra mim naquele momento, aquela pequena nova fase me faria melhor. Ou não.

Logo me chamaram para a enfermaria, começaria pondo minha pequena ajuda naquela história.


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