Internato escrita por carolfsan


Capítulo 7
Capítulo 7




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Alicia

 Peguei minha mochila e saí correndo para a rua. Não hesitei ao ir direto para a estação da Luz.

 Fiquei simplesmente passando de trem em trem até que eu pudesse montar um plano.

 Certo, eu sabia que ele estava num dos casarões do Brás. Era na parte longe da estação, então precisa chegar lá pelo menos meia hora antes de anoitecer.

 Não acredito que não era nem duas da tarde. Tá, é bem mais fácil encontrar o lugar durante o dia. Mas prefiro entrar a noite – consigo passar despercebida mais facilmente.

 Desci na Republica. Queria comer alguma coisa.

 Andei ate esquina da Galeria do Rock – tava com vontade de comer a torta de frango daquela padaria. Devorei um pedaço gigante deles e uma garrafa de Coca. Cada vez que eu mastigava se formava um novo passo na minha cabeça.

 O pior é que eu nem sabia a casa de quem nós tínhamos entrado. Não vi nada lá que sugerisse algo.

A única chance que eu tinha era andar pelos prédios velhos do Brás até que encontrasse algo. E ainda capaz de que não achasse nada, já que cada um daqueles galpões tinham inúmeros cômodos.

 Terminei de comer, peguei mais uns dois salgados pra viagem e mais uma garrafinha de Coca.

 Como eu tinha algum tempo pra matar fui andando até outra estação.

 Não sei que caminho que fiz, mas passei pela frente do Teatro Municipal. Esse era um dos lugares que Léo disse que ia me levar, mas nós nunca tivemos tempo suficiente para ir. Ali eu deveria na Anhangabaú, mas resolvi ir um pouco mais a pé.

 Subi o viaduto do Chá, fui por toda a rua Direita, e depois de outras duas curvas cheguei na Praça da Sé. Encarei a Catedral. Sempre a achei linda, mas intimidadora. Léo me convencera a entrar uma única vez e assistir uma missa solene – num sábado, e era a Coroação de alguma santa. A celebração foi bonita, admito. Mas nada apaga a sensação de que o teto ia cair na minha cabeça.

 Eu realmente não sei o que me deu, mas resolvi entrar.

 Meneei o corpo e fiz o sinal da cruz – ei, eu fui criada num orfanato católico, sei como me portar numa igreja.

 Caminhei pelo corredor direito até perto do altar. A cada passo eu examinava um detalhe da minuciosa arquitetura. Examinava a face de cada imagem espalhada pela catedral.

 Mas eu me sentia puxada até o lado direito do altar. Ali, num altar menor mas que não me impressionava menos, estava uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida. Imediatamente caí de joelhos perante ela.

 Leon não era a pessoa mais religiosa do mundo, mas eu lembro que desde sempre ele era devoto de Nossa Senhora de Aparecida. Olhando em seu rosto, eu entendi o por quê. Ela me lembrava exatamente como eu sempre imaginei uma mãe. Era tão... calma. Seu olhar era sereno. Eu quase podia ver o amor em sua face.

 E foi assim, contemplando seu rosto, que fiz uma prece.

 E pedi, sem palavras, que ela socorresse Leon. Ele sempre fora tão apegado a ela. Ele, diferente de mim, sempre acreditou. Sempre teve fé.

 Pedi que não permitisse que nada de ruim acontecesse com ele. Que o mantivesse vivo. Que me guiasse, ao menos me deixasse encontrar onde ele estava. Que eu pudesse salvá-lo e trazê-lo de volta.

 Respirei fundo. Eu já ouvi falar que é errado tentar barganhar com Deus ou com os santos. Mas todo mundo não faz isso, nas promessas? Resolvi tentar.

 Olhei bem na face dela, e murmurei quase inaudível:

 - Se a Senhora me ajudar, eu prometo que dou metade do dinheiro que conseguirmos por um ano para essa igreja. Eu juro que venho todo domingo na missa. Eu juro que faço o meu melhor para acreditar. É só eu conseguir trazê-lo de volta. Por favor, ele merece voltar. Ele te ama tanto, ele te considera mãe dele. Por favor, me ajuda.

 Fiz o sinal da cruz e me levantei. Enxuguei as lágrimas e atravessei o altar. Como uma boa católica – pelo menos como fui ensinada -, dobrei levemente os joelhos e fiz o sinal da cruz ao passar por ela. Tirei duas notas de cinquenta do bolso e segurei-as juntas aos lábios:

 - Já to começando. Espero que a Senhora também.

 E as enfiei na caixinha de doações.

 Eu estava sentada na base do marco zero e encarava a Catedral.

 Bebia minha garrafa de Coca enquanto pensava. Ou melhor, procurava não pensar.

 Com uma mão eu brincava com o pingente em meu pescoço. Saco garoto, eu sempre disse que voce ia nos meter em encrenca, não disse?

 Levantei e saí andando de novo. Peguei o trem ali na Sé mesmo e no meio da tarde até que não era aquele inferno igual todo mundo sempre diz. Fiquei zanzando de trem em trem por algumas horas. Certa hora eu peguei o até Itaquera. Quando chegamos ao Brás eu juro que quis descer e tentar acha-lo agora mesmo. Mas consegui respirar fundo.

 Desci em Itaquera. Consegui dar uma volta no shopping. Daí eu tive de sair da estação. Fiquei um tempo na passarela encarando o transito embaixo de mim e o céu nublado que acabara se tornando característica da cidade. Daí terminei de atravessar e caminhei pelo pedaço de lama onde deveria ser a calçada junto ao futuro Itaquerão. Caramba, eu sou corinthiana. Esse lugar é uma conquista para toda a Fiel. Mas ainda faltava muito. Encarei o relógio gigante que eles tinham instalado. Marcava quase três anos até sua inauguração, na abertura da Copa.

 Fiquei ali, encarando o relógio mudar a cada segundo. Até que começou a chuviscar e eu acordei.

 Voltei para a estação e peguei o trem de volta. Estava na hora.


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