Internato escrita por carolfsan


Capítulo 10
Capítulo 10




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 Leon

 Consegui me virar de modo a ficar de frente para a abertura onde ela passara. Eu sei que ela estava ali, me olhando. Eu precisava saber que ela estava ali, e também que ela estava invisível.

 Um dos brutamontes conseguiu abrir a porta. Dois entraram, seguidos pelo lider e os outros dois.

 - Ora, ora – disse o ‘chefe’ – o garotinho se recuperou.

 Mantive os olhos na minha Alicia invisível.

 Ela deu um passo a frente, e consegui vislumbrar seu rosto uma ultima vez.

 Respirei fundo, e falei alta e claramente:

 - Vai – ela deu um passo atrás e eu virei o rosto para meus carrascos – Acaba logo com isso.

-x-

Alicia

1 ano, 9 meses e 14 dias depois.

 Eu entrava na Catedral da Sé, como passei a fazer desde... merda, não consigo lembrar dele sem minha voz ficar embargada. Já vai fazer dois anos porra! Eu já devia ter me acostumado com a falta dele!

 Mas não. As tarefas mais simples se tornaram insuportáveis. O simples fato de ver meu rosto no espelho já me trazia lagrimas, em sua maioria silenciosas, que deixavam uma trilha seca em meu rosto.

 Atravessei a nave lateral da Catedral e fui direto até a Nossa Senhora. Me ajoelhei aos seus pés, e como fazia quase todo dia, simplesmente senti. Não falei, não orei. Não pedi nem agradeci. Só... abri meu coração. Deixei toda a raiva, culpa e saudade simplesmente fluir.

 Olhei para o rosto da santa. Respirei fundo e usei um lenço de tecido para secar as lagrimas que insistiam em rolar, mesmo eu achando que já tinha chorado todas pro resto da vida.

 Este lenço era azul clarinho, e um dia pertenceu a Leon. Esse lenço, meu colar e o relógio que agora estava no meu pulso foram as ultimas lembranças que mantive dele.

 Saí da Catedral com a cabeça erguida, respirando funda e pesadamente. Mas por dentro eu estava em ruínas. A cada batida do meu coração, mais uma parte do meu fragilizado ser se desfazia em pó.

 Voltei pro lugar em que eu morava agora. Quase na Liberdade, era um único cômodo com banheiro, onde seria o porão dos donos. Uma escada lateral descia da rua até o que chamávamos de ‘quintal’, que eu deveria dividir com os moradores das outras casas. Mas ou eu estava enfiada como um tatu lá dentro ou estava na rua.

 Falando em lá dentro, até que não era ruim. Os donos – um casal já não mais tão novo – me alugaram com uma geladeira, fogão e uma tv de 21” ligada numa antena analógica que não podia ouvir ‘vento’ ou ‘chuva’ que parava de funcionar. Tinha também um armarinho sobre a pia, um guarda-roupa de duas portas e até que a louça do banheiro não era tão ruim.

 Ah, e tinha também um espelho até que razoável, daqueles vendidos em feira, com a borda laranja de plástico.

 Tendo apenas a porta e uma janela, era escuro. Mas era aconchegante e me fazia dormir. E quando eu queria ler ou deixar a culpa me consumir era só ligar as luzes potentes que eu instalara, e elas refletiam nas paredes de um branco quase clinico. Exceto pela face atrás da cama: esta era de um purpura escuro.

 Sabe, normalmente quando uma garota de 16 anos, completamente sozinha aparece cheia da grana e aluga um buraco desses pra morar e ainda some de tempos em tempos se levanta muitas suspeitas. Mas os donos não parecem ligar pra isso, já que não falaram nada. E dois dos caras que moram lá embaixo são velhos conhecidos meus – e por sinal, me evitam a todo custo.

 Outra coisa para os donos nem ligarem pro que eu faço ou deixo de fazer é que eu paguei seis meses adiantado e o dinheiro sempre aparece num envelope com meu nome embaixo da porta deles na data certa – e normalmente, tem pelo menos cinquenta conto a mais.

 Eu sobrevivi esse tempo todo de pequenas invasões: entrava nas mansões, comia o que eu quisesse da geladeira, pegava algumas joias que encontrasse e ia sobrevivendo.

 Os tempos em que eu sumia, bem, foram as vezes em que fui pega. Passava dois dias na cadeia, alguém descobria e me tirava. Claro que depois eu pagava a fiança me dobro – não to afim de ficar devendo uma pra nenhum mané.

 O engraçado é que eu sempre ia parar na mesma delegacia. Marcos, o delegado de lá, chegou a dizer que tinha uma cela lá com meu nome.

 Mas é verdade. Ninguem aceitava dividir cela comigo, então eu ficava na cela mais distante e quase nunca usada.

 É legal botar medo em todo mundo. Agora eu tenho mais autoridade do que nos meus tempos com o Galdi. Todo mundo sabe que eu desafiei ele e que virei as costas, o desobedecendo.

 E ainda estou viva.

 Isso significa muito.


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