Dilema Platônico escrita por Metal_Will


Capítulo 55
Capítulo 55 - Ponto Crítico




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Capítulo 55 - Ponto Crítico

        Miguel corria para chegar em casa o mais rápido possível. Talvez Camila estivesse lá e desse mais algum conselho para essa hora. Ele pensava nisso e corria até que, em certo momento, o garoto para e começa a refletir melhor.
        "Espere...não, não...isso não está certo. Não posso pedir conselhos da Camila para sempre. Não dá. Ela mesma disse que não tem mais conselhos para me dar. No máximo ela vai dizer que eu devo falar logo o que sinto...o que eu sinto...é o único jeito. É mais do que óbvio que ela vai aceitar essa oportunidade. Eu poderia deixar ela ir e esquecer, mas...mas eu não conseguiria esquecer...nunca. Se eu levar um fora, pelo menos não precisarei encarar ela o resto do ano...e se ela disser sim...aí..aí...ah! Dá-se um jeito depois...dane-se tudo! Acho que já pensei demais!'
         O garoto termina esse pensamento e volta para casa decidido. Ao abrir a porta, não encontra ninguém. Talvez Camila tivesse saído com o Toni. Será? Possível...Miguel se lembra que algum tempo atrás tinha ciúmes de Camila, pior, tinha uma certa atração por ela. Ele se culpava até agora por aquilo. Como poderia pensar aquilo de alguém que o ajudou tanto? E como estava equivocado com Toni. Ele não era um babaca total como pensava. Esses sentimentos de culpa e inferioridade começavam a invadir sua mente. Era natural que sentisse tanta dificuldade em falar o que sentia. Sua auto-estima não permitia isso. Somando seus sentimentos com a idolatria pela Danieli só fez com que o garoto sofresse mais e mais. Por que tudo tinha que ser tão difícil? Mas agora ele tinha que tomar uma atitude rápido!
        Obviamente, ele chegava a pensar na tentação de esquecer tudo. Deixar a garota ir embora e passar uma borracha em toda aquela história. Afinal, quando Miguel se auto analisava a única resposta de Danieli seria "não"! Por outro lado, se não fizesse isso ficaria em dúvida para sempre e com um sentimento de frustração por nunca ter tentado. Isso também não seria bom. Carregar um peso por toda a eternidade...não que não existisse tecnologia o suficiente para se comunicar à distância, mas a distância elimina os laços por mais mensagens instantâneas e recados que se trocassem. Danieli seria uma atriz bem-sucedida na Itália, se casaria com um desses caras ricos e ele...ele ficaria ali, no Brasil, em alguma profissão que nem ao menos sabia o que seria? O destino é tão cruel! Quando tudo parece estar indo tão bem, uma brisazinha de nada sopra e derruba o castelo feito com as cartas dos seus planos. Como ele poderia esperar isso? Uma viagem, assim, do nada! E ela nunca disse que participou de concurso nenhum! Será que devia ter se envolvido mais na vida dela? Ter participado mais do que ela gosta? Conversado mais ao invés de só ficar admirando a figura dela? Mas agora não era hora de olhar o passado, Miguel..agora é hora de tomar uma posição!
         No dia seguinte, o rapaz estava totalmente ansioso. Agora ele estava decidido em falar logo o que sentia. Se não falasse de cara que gostava dela, tentaria pelo menos explicar o que estava passando pela sua cabeça. Pela índole de Dani, Miguel não acreditava que ela seria maldosa ou sarcástica. Teria que confiar nela. Camila estava acompanhando o primo preocupada. Ele comentou com a loirinha que Dani ganhou um concurso e poderia se mudar para a Itália, mas antes que ela pudesse comentar alguma coisa ele foi para o quarto e se trancou lá. De manhã, ele também mal falava nada. A coisa parecia ser séria mesmo.
        - Olha - ela resolve quebrar o gelo - Eu sei que você deve estar sofrendo muito com tudo isso, mas...não precisa. Quer dizer, você é tão novo, tem uma vida inteira pela frente. Vale a pena ficar se corroendo assim? Se não deu certo com ela, vão aparecer outras e...
        - Não - ele responde, atravessando a prima - Se eu não conseguir lidar com isso, como vou lidar com outra menina? Vou acabar passando por tudo de novo! Não, não posso! Preciso dar um basta nisso logo!
        - Puxa - ela responde - Parece que...você finalmente amadureceu um pouco
        - Hã?
        - Há pouco tempo atrás você simplesmente viria para mim dizendo que iria esquecer tudo e deixar ela ir embora de uma vez
        Miguel olha para o outro lado, pensa um pouco e responde.    
        - Eu cheguei a pensar nisso - diz o garoto enquanto ajeitava os óculos - Mas acho que seria pior ficar com o arrependimento de não ter falado...acho que não iria aguentar
        - E o que você vai falar?
        - Eu não sei
        - Não sabe?
        - Eu não tenho a menor ideia de como começar isso. Querendo ou não, agora já sou considerado amigo dela. A carga sentimental disso vai ser muito grande
        - Eu sei...
        - Eu também sei...e sei que você me avisou disso
        Camila não fala nada. O que poderia dizer? "Eu te avisei"? Só iria deixá-lo pior ainda
        - Você vai tentar falar hoje com ela?
        - Eu pedi para ela não mandar a resposta do concurso até a última hora. Então, é melhor eu falar disso o quanto antes
        - É bom mesmo...sem contar que você ainda precisa se preocupar com mais uma pessoa
        - Hã?
        Antes de entrar no portão da escola eles veem Mateus, chegando timidamente. Miguel se aproxima dele e o cumprimenta.
        - Opa. E aí, Mateus? - o rapaz cumprimenta-o, com uma expressão séria
        - E aí? - ele corresponde com um sorriso tímido - Beleza?
        - Beleza...err...você ficou sabendo, não é?
        - Do que?
        - A Danieli...ela ganhou um concurso para estudar na Itália
        Mateus se espanta com a revelação, mas logo volta ao olhar normal
        - Puxa...que bom para ela, não é?
        - Sim, mas...quer dizer que ela vai embora. Então...talvez fosse melhor a gente falar o que sente para ela logo de uma vez
        Camila estranha a reação de Miguel. Há alguma tempo atrás ele sequer comentaria algo com Mateus. Talvez estivesse se sentindo culpado por odiar Mateus de forma tão infantil. Mas naquele momento Camila não tinha a menor ideia do que passava pela cabeça do primo.
        - Não...não vou falar nada - responde Mateus, olhando para cima e dando uma tossidinha (parecia gripado)
        - Hã? Como assim? Você também não gosta dela?
        - Eu gosto. Ainda gosto. Mas...é você que gosta mais dela, não é?
        - Eu...
        - Não precisa falar nada. Você é bem mais amigo dela e entende muito mais dela. Vocês ensaiam juntos e conversam tanto. Que chance eu vou ter?
        - Mas...você não gostaria nem de tentar? - pergunta Miguel. Difícil de acreditar que ele estivesse fazendo esse tipo de apelo.
        - Estou bem. Pode acreditar - responde Mateus - Como eu disse uma vez...se for para perder a Dani para alguém...que seja para você
        - Puxa, eu..
        - Eu acho que ela já está chegando...se quiser falar...a hora é agora
        De fato, a ruivinha estava entrando no portão, a poucos metros dali, naquele instante. Miguel agradece e corre para falar com ela. Camila chega em Mateus para tirar algumas informações.
        - Você...tem certeza do que está fazendo?
        - Absoluta
        - Você parecia gostar mesmo dela. Não seria interessante dizer o que sente também? Quer dizer, eu falei tudo aquilo que o Miguel sentia, mas...não precisa ter medo dele e..
        - Eu sei. No início eu me assustei um pouco, mas percebi que não tinha motivo para isso. O ser mais assustado aqui é o próprio Miguel. Eu pensei, pensei bastante e percebi que o que sinto pela Dani não é nada perto do que o Miguel sente. Alguém tão quieto e calado que nem ele chegar a ensaiar tantas horas para uma peça de teatro...não é só um capricho dele. Ele realmente gosta dela. E gosta dela muito mais do que eu. Eu repito: se é para ele, tudo bem perder a Dani.
        - Puxa...mas...você vai ficar bem mesmo?
        - Vou. Vou sim. Não se preocupa comigo.
        Nisso, Toni chega e cumprimenta a namorada. Ele ainda não tinha conhecido Mateus
        - Ah, sim. Mateus, esse é meu namorado, o Toni
        - E aí? - diz o namorado
        - Tudo bem? - responde Mateus
        Já Miguel chega até Danieli, disposto a falar alguma coisa. Precisa contar logo. Mas Dani parecia mais animada do que nunca.
        - Oi, Miguel! Bom dia! - diz ela, toda animada.
        - Oi...eu...
        - Ah, sim! Te falei que vi umas imagens daquela escola da Itália! Lindas demais!
        - Hã? Você já está vendo as imagens?
        - Ué? É importante saber para onde estamos indo, não é?
        - Bem, tudo bem, eu
        - Aliás, tmabém estou ocupadíssima com o ensaio da outra peça...a nossa tá ok, não tá?
        - Hã? Tá.Claro. Decorei todas aquelas falas
        - Óimo. Minha outra peça está bem mais complicada. E...ei, não é a Paula, ali?
        É. Paula havia chegado justo naquela hora
        - Oi, Dani    
        - Oi, Paula! Menina...te mostrei as fotos do colégio da Itália?
        - Ainda não. São legais?
        - Muito
        As duas começaram a conversar mais e mais. Miguel já estava se sentindo deslocado e o sinal já iria tocar    
        - Ah, é! Desculpa! Você queria comentar alguma coisa, Miguel?
        - Ah, sim, eu
        Paula percebe que o garoto a olhava meio sem-jeito e se toca do recado
        - Bom...eu vou ali tomar uma água e já volto. Até
        - Pode falar, Miguel. O que é?
        - Bem, eu...eu...
        Mas era inútil. Ele não conseguia achar as palavras certas. No fim, ele acaba dizendo algo totalmente aleatório
        - Eu queria saber se você fez a lição de Química
        - Ah, fiz..fiz sim. Você quer conferir?
        Problemas a vista. Mesmo decidido a finalmente dizer o que sentia, a timidez dele o impedia de falar com fluência. Agora sua situação estava mesmo crítica. Logo o sinal toca e Miguel não consegue falar nada
        - Ah, o sinal. Preciso ir ao banheiro ainda. Vai olhando meu caderno que depois eu pego com você, tá?
        "Caderno...quem quer saber de Química? Não era isso que eu queria", ele pensa. Logo, Paula também volta, já com alguma ciência da situação.
        - Agora as coisas ficaram difíceis, né?
        - Ah! Você... - diz Miguel - Tudo bem. Pode rir de mim. Agora ela vai embora e eu nunca mais vou vê-la. Contente agora?
        - Ai, garoto. Que ideia você faz de mim. Pelo contrário. Eu queria...eu queria te pedir desculpas
        - Desculpas? Você?
        - É. Eu...eu acho que julguei você mal. Quer dizer...eu achava que sabia o que era melhor pra Dani, mas...eu não sou ninguém para saber o que se passa no coração dos outros. Se você diz que gosta mesmo dela...tenho que respeitar seus sentimentos
        - Sério? Puxa, eu
        - Mas isso não quer dizer que eu vá com a sua cara
        - Tava demorando    
        Mas logo Dani volta e todos sobem para a sala. Miguel não tinha ideia do que dizer. Durante a semana, ele tentou várias vezes falar com a garota, mas sempre travava a inventava alguma coisa. Como se não bastasse, Dani aparecia e ia embora muito rápido, já que seus outros ensaios estavam bem mais puxados. Tanto que ela faltou na última aula de teatro antes da peça, aula que Miguel até tinha alguma esperança de conversar com ela.
        - Puxa...sem a princesa fica difícil - comenta o professor, coçando a cabeça - Mas acho que tá todo mundo bem ensaiado, né?
        - Numa peça de meia-hora...o que mais a gente pode ensaiar? Já passamos esse negócio mais de mil vezes!- reclama Leandro, de mãos dadas com Sandra
        - Treino é tudo, meu caro - responde o professor - Mas...já que não adianta ensaiar muito...vamos fazer mais alguns joguinhos interessantes
        - Ai, lá vem - imagina Leandro
        Mesmo assim a aula corre bem. Miguel até que se sobressai nos exercícios, arrancando até elogios do professor
        - Incrível, seu Miguel - diz Platão no final da aula, numa outra conversa particular com o garoto - Tem melhorado muito. Desse jeito você pode até se tornar um grande ator!
        - Ator? Não...acho que não    
        - Mas e aí? Alguma novidade?
        - Novidade?
        - Sobre aquele assunto. Lembra?
        - Ah, sim. Bem...estou superando o medo dos espinhos
        - Sério! Isso é bom!
        - Mas ainda não consigo me aproximar. Eu...eu não sei o que dizer
        - Você pensa no que está falando?
        - Eu tento pensar em algo para falar, mas..
        - Aí é que está...tente não pensar
        - Não pensar?
        - O homem é um ser racional, mas, em certos momentos a razão pode atrapalhar. Tente falar o que sente. Só isso e pronto
        - Não é tão fácil assim...
        - Eu sei que não. Acho que dá para escrever uma tese sobre esse assunto
        - É?
        - Com certeza
        Miguel não estava muito interessado em teses. Mas ele concorda com o que o professor diz. Em resumo, ele só precisava dizer o que sentia. Mas não era tão fácil. A outra semana passou ainda mais depressa, mas Miguel, ainda assim, não conseguiu falar nada. Seja pela pressa com que Dani estava em suas várias atividades, seja por travar na hora H, enfim, o fato é que chega o grande dia de apresentar a peça na academia e Miguel ainda não tinha dito nada.
        - Que lindo. Estou orgulhosa de você! - diz Dona Marta, paparicando o filho, vestido na roupa de príncipe. Era uma fantasia no estilo de príncipes medievais, predominantemente verde. Toni e Leandro dão risos discretos, mas pelo figurino deles também não tinham muita moral. Eram ou súditos ou personagens medievais aleatorios. Miguel ainda não tinha visto Danieli no vestido. Como estaria?
        - E a Dani? - pergunta Camila, vestida em uma fantasia também bem estilosa
        - Deve estar chegando. Ah! Ali está ela!
        Ela se apresenta com um vestido de princesa lindo. Muito embora, mais para frente na peça ela trocaria por peças mais simples. Lembrando que a peça "O Príncipe Pensador" era uma história simples onde um príncipe se revolta com a situação pobre do povo e resolve pregar um sistema econômico mais justo. Seria um pré-socialismo, se na Europa Medieval ainda não predominasse o feudalismo, mas, enfim, o objetivo era fazer as crianças refletirem sobre a situação das pessoas. Tinha um certo cunho social
        - Ainda acho essa história meio sem pé nem cabeça - reclama Leandro
        - Não dá pra mudar a história minutos antes da apresentação começar, amor!
        - Eu sei, mas...sei lá
        - Todos em seus lugares? Já vamos começar! - grita o professor, na maior correria.
        - Não tá animado, Miguel?
        - Hã...sim...bastante...um pouco nervoso, eu acho
        - Relaxe. Você não tinha decorado tudo?
        - S-Sim
        - Então, vamos nessa. Ah, é...e o que você queria tanto me falar? Eu ainda não mandei a resposta para o concurso porque você pediu, mas...eu preciso dar uma resposta até hoje à noite
        - Bem, isso
        - Todos em seus lugares? - grita Platão
        - Ah! Já vai começar! Depois da peça você me fala!
        Ele não conseguiu falar...mas conseguiu seguir com a apresentação como o ensaiado. A plateia era formada predominantemente por crianças, como era esperado, sem contar os pais e outros amigos (como Paula e Mateus, que vieram prestigiar a todos). Toni também tinha perdido o medo e assumido que estava participando de uma peça (quando os amigos dele viram que era sério, pararam de zoar e até vieram prestigiá-lo). Por ter ensaiado tantas vezes, Miguel fazia as cenas de forma totalmente decorada, podendo assim aproveitar o tempo para pensar no futuro que estaria por vir.
        "Ela precisa dar uma resposta hoje à noite...hoje à noite", ele pensava, "Se depois dessa peça eu não falar nada...ela vai embora achando que eu não passei de um miguxo qualquer. Mas...o que eu digo? O que? Isso é tão complicado. O que ela vai falar? O que ela vai dizer? Vai doer...vai doer muito, eu sei, mas...droga"
        Enquanto Miguel pensava, a peça continuava. Sem perceber, já estava fazendo as últimas cenas com ela.
        - Se é para morrer...vamos morrer juntos! - era a última fala de Danieli. As cortinas fecham e as crianças aplaudem. Mas não aplaudem tanto, já que acharam a peça séria demais
        - Esperava mais aplausos... - comenta o professor
        - É claro! O que você esperava de uma peça política para crianças! Elas devem ter achado um saco! - diz Leandro discretamente, depois dos poucos aplausos e a clássica saudação pós-apresentação. Quando tudo acaba, a mãe de Miguel já entra nos bastidores parabenizando o filhinho. Mateus e Paula também parabenizam todos. Eles ficam mais um tempo conversando até que Dani diz que já precisava ir
        - Já vai, Dani? - pergunta Camila
        - Já. Ainda tenho algumas coisas para resolver
        Miguel começa a suar. Dani daria uma resposta naquela noite. É claro que ela aceitaria a viagem, mas...se ele falasse algo poderia mudar? O que ele poderia mudar? Ela já estava saindo. Era agora. Era aquela hora    
        - D-Dani! - chama Miguel, antes de Dani pegar a bolsa para sair
        - Oi, Miguel. O que foi?
        - Eu...bem...eu
        - O que? Pode falar
        - Eu..
        - Hmm?
        - É que eu...EU GOSTO DE VOCÊ! - diz ele, em um tom bastante audível.
        Sim. Ele disse isso.


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Notas finais do capítulo

 No próximo capítulo, o desfecho disso tudo. Até lá! /



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