- C-Como? Quer que eu te apresente pra ela? - repete Miguel, ainda com um alto grau de tensão.
      - Bem...se você puder...
      - Então...eu...
      - Mas, espera! - o garoto interrompe - Quer dizer...não precisa ser agora... - diz Mateus, desviando o olhar e aparentando uma expressão encabulada.
      - Não precisa..ser agora? - repete Miguel, aliviado, mas estranhando.
      - É que...eu nem sei o que falar pra ela agora. Ainda...preciso me preparar para isso...
      - Como assim? O que exatamente você quer com ela? - Miguel pergunta, como se não soubesse a resposta para essa pergunta.
      - Não, nada...eu só...só queria conhecê-la...ela é tão bonita
      - É...é bonita, né? - concorda Miguel, desviando o olhar também. Por um golpe de sorte, o outro garoto parecia ser tão tímido quanto ele (se é que isso é possível).
      - Ei, você sabe se ela tem namorado? Ou algo assim? - o outro garoto pergunta, visivelmente vermelho.
      - QUÊ?! Namorado? Hã? - responde Miguel, por sua vez, visivelmente tenso.
      - Nada, nada...eu não falei nada...deixa pra lá! - Mateus tenta disfarçar o que perguntou. Era natural que estava gostando de Dani, mas parecia ser tão envergonhado quanto Miguel, embora fosse mais cara-de-pau em pedir a ajuda dele desse jeito.
      - Sobre isso...eu não sei, mas...ela não parece estar muito interessada em namoro..hehe - Miguel tenta se explicar, muito embora ele não tivesse muita ideia do que estava falando.
      - Sério? Então...ela está solteira mesmo... - diz Mateus, numa voz baixa.
      - Disse alguma coisa?
      - Hã? Não, não.
      "O que estou fazendo? De onde esse cara surgiu? Tá na cara que ele também tá a fim dela...o que eu faço? Digo que estou gostando dela? Quer dizer, digo o que realmente está passando pela minha cabeça. Droga...se fizer isso ele vai achar que sou doido! Mas, calma...nem tudo está perdido...seria pior se ele agisse sem me falar nada. Se eu ganhar a confiança dele talvez...talvez eu possa fazê-lo desistir dessa ideia. É isso. Bem, eu não sou muito bom em fazer amigos, mas acho que esse cara não deve se muito difícil de impressionar", Miguel pensa, como de costume, racionalizando a situação o máximo que conseguia.
      - Escuta...você disse que era da sala B, não é?
      - Sim
      - Hmm...por isso que eu não lembrava de você. Raramente converso com pessoas de outra sala
      - Sério? Eu também não. Para falar a verdade, mal falo com as pessoas da minha sala. Só os caras que andam comigo, mas no fundo somos os excluídos da sala.
      - Excluídos?
      - É. Eles nos acham nerds demais     
      Miguel, de alguma forma, estava se vendo naquele garoto. Caramba, se eles estudassem na mesma sala provavelmente se dariam muito bem. O que mais ele tinha a dizer?
      - Sério? O pessoal da minha sala me acha assim também. Mas acho que eu sou anti-social demais mesmo.
      - Sei como é. Hehehe. Desculpa te incomodar..é que...sei lá...aquela menina parecia ser diferente
      - Como assim diferente? - pergunta Miguel num tom preocupado
      - Não sei explicar, cara. Mas ela tem um jeito mais puro ou mais meigo do que a maioria das meninas que eu vejo por aí. Só queria falar com ela para ver se não estou enganado.
      - Bem, ela é uma pessoa bem doce mesmo. Eu mesmo não falava com ela há pouco tempo
      - Sério? Então ela é mesmo uma boa pessoa
      "Saco. Acho que isso não está me ajudando muito...", pensa Miguel
      - Acho que podemos dizer que ela não é uma má pessoa
      - Legal. Você parece ser bem amigo dela
      - Mais ou menos. Como eu disse, comecei a falar com ela há pouco tempo...mesmo porque ela se mudou pra essa escola esse ano
      - Ah! Então ela é caloura
      - É - diz Miguel, já achando que revelou muita coisa.     
      - Por isso que nunca a vi por aqui antes...entendi...
      - Parece estar beem interessado nela, né? - pergunta Miguel, já um pouco nervoso, embora sua personalidade não permitisse mostrar isso abertamente.
      - Interessado? Ah, é esquisito isso, né? Como alguém pode se apaixonar do nada assim? Duvido que um nerd que só sabe jogar video-game e ler mangá como eu teria alguma chance, mas...sei lá...senti algo de diferente por ela.
      "O pior é que eu te entendo perfeitamente", pensa Miguel consigo
      - Bom...não sei se posso te ajudar muito, mas... - Miguel tenta agir da forma mais cuidadosa possível.
      - Não, não. Relaxa. Não precisa se preocupar comigo. Seria legal se você pudesse me apresentar para ela, mas se você diz que não é tão próximo assim dela, pode deixar quieto
      - É...ficaria meio estranho...na verdade, eu sou péssimo pra falar com qualquer menina
      - Sério? Então eu não sou o único
      - Não é? E...
      Mas nisso, chega Camila para pedir alguma coisa para Miguel
      - Aí, Miguel, você pode me emprestar um trocado pra comprar um lanche? Eu te pago depois
      - Ah, claro
      O que acaba de acontecer não condiz muito com o que Miguel acabou de falar para Mateus, mas ele tenta se explicar.
      - Ah, é...essa é a minha prima, Camila. A gente estuda na mesma sala
      - Oi - cumprimenta Mateus timidamente, um pouco constrangido com a beleza da menina e meio desacreditado por ela ser tão diferente de Miguel.
      - Beleza? Você não é da nossa sala, né?
      - Não. Sou da B. Meu nome é Mateus.     
- Nossa, que milagre você conversando com alguém de outra sala, Miguel. Até que você é bem popular
      - A gente já jogou xadrez no ano passado...quando nossas salas se juntaram na Educação Física...até fiquei envergonhado porque eu não lembrava dele
      - Relaxa. Mas seu primo é um cara gente boa. E joga xadrez bem pelo que eu me lembro
      - Mais ou menos - Miguel responde modestamente.
      - Entendi
      - Bom. Eu vou indo nessa. Mas, valeu pela força aí, Miguel
      - Não foi nada
      No que o rapazinho vai embora, Camila já trata logo de sanar sua curiosidade.
      - Força, é? Não parece ser muito do seu feitio...
      - Tsc. Foi tudo um mal-entendido. Acho que agora acabei de me ferrar de vez
      - Por que?
      - Esse cara, o Mateus, ele quer falar com a Danieli!
- E o que é que tem?
      - Falar com a Danieli significa...ele também gosta dela
      Camila arregala os olhos, mas logo percebe que era uma situação extremamente natural
      - Sério? Que babado! E o que você falou pra ele?
      - Aí é que está...ele também não parece ser lá muito esperto e, no fundo, está com medo de falar com ela. Mas disse que se apaixonou pelo "jeitinho" dela!
      - Caraca...já vi esse filme
      - Pois é. Como isso é possível?
      - Acho que a Dani tem o poder de atrair nerds tímidos..
      - Disse alguma coisa?
      - Não. Não disse nada. E o que mais você falou?
      - Também falei que eu não conversava muito com ela e não conseguiria ajudar...
      - Você o que?
      - Sim. Falei isso.     
- Ai, meu Deus...você só deu mais esperança pra ele
      - É. Eu não sei mentir.
      - Não preciso nem perguntar se você disse que gostava dela, preciso?
      - Não, não disse
      - Caraca..você é muito desligado... - diz Camila, não sabendo se ficava séria ou dava risada - Mas olha...foi bem-feito! Bem-feito mesmo! Se você tivesse falado com a Dani logo de uma vez isso não teria acontecido. A sua sorte é que esse cara parece ser mais tapado do que você!
      - Credo. Não precisa falar assim. Lembra que você ainda quer dinheiro emprestado...
      - Esquece o dinheiro! Estamos falando da sua felicidade! Vai entregar a menina que você gosta para um cara assim? De bandeja?
      - Mas...vai saber se ela não vai ser mais feliz com ele?
      - Deus do céu..você não existe...espera um pouco, deixa eu adivinhar...você deve ter se identificado com esse cara e não quis deixar ele magoado, é isso?
      - Não, não é bem assim
      - Acho que foi assim. Se fosse alguém como o Toni, por exemplo, aposto como teria mentido na cara dura
      Miguel já estava com raiva de si mesmo e as críticas da prima já não estavam ajudando muito
      - Mas tudo bem, tudo bem. Relaxa. É só enrolar esse cara que ele nunca vai sequer falar com a Dani
      - Enrolar, enrolar...pra você a vida sentimental é toda na gambiarra, né?
      - Tá. Eu vacilei. Mas dá pra ver que esse cara não vai chegar muito longe. Tá tudo bem, tá tudo bem
      Camila já estava cheia da passividade do primo e não fala mais nada. De fato, pra ele estava tudo sob controle. Durante a tarde, como não havia ensaio, Miguel pode passar o resto da tarde vagabundeando. No outro dia, estava perfeitamente confiante de que o surgimento de Mateus não iria dar em nada. Ele não podia sequer ser considerado como uma ameaça. Quem precisa se preocupar? Mas Mateus aborda Miguel novamente naquela manhã, muito embora tenha sido um encontro ao acaso.
      - Opa. E aí? - cumprimenta Mateus, chegando no portão junto com Miguel
      - Beleza - é o que ele se limita a dizer. "Já encontro com esse cara logo de manhã? Tsc...mas tudo bem...se depender dele mesmo, ele nunca vai falar com a Dani. E eu vou enrolar o máximo que puder para mantê-la longe dele. Não tem porque se preocupar!", pensa Miguel, plenamente confiante em suas próprias intuições. Mas, às vezes, nossa intuição falha. Naquele momento, quando Miguel ainda estava junto com Mateus, Danieli aparece, do nada, vindo em sua direção.
      - Oi, Miguel! Bom dia! - diz a mocinha, toda sorridente (para um feliz sorriso de Mateus, que estava bem ali, do lado do nosso pobre herói).
      "Fuuuu...por que isso só acontece comigo?!!", pensa Miguel, nem um pouco feliz.