Depois da pequena discussão que tiveram, não se viram mais há uma semana e meia. Gisele havia ficado um pouco triste com isso, mas sempre mantinha a esperança de que ele podia descer as escadas e se sentar à beira da mesa ou sorrir inesperadamente ao ouvir sua risada.

Aquele mistério todo que a alteza fazia estava deixando Gisele louca. Estava desconfiada do que poderia estar atrás daquele capuz. Seria ele tão feio a ponto de ser uma fera?

***

Gisele estava sozinha com seus pensamentos em seu quarto, como fazia quase todo dia. Ela estava quase entrando em depressão. Ficava por muito tempo sozinha naquela casa enorme e quase nunca a alteza a deixava sair. Ela pensava várias vezes “Se ele não vem até mim, vou até ele”. Ia até a porta a qual foi proibida de ultrapassar, encarava esta por alguns segundos e logo desistia porque o medo lhe dominava. Mas, depois de tanto tempo, cerca de um mês sem vê-lo, ela não aguentava mais ficar sozinha. E pior: com curiosidade.

Mal sabia ela que sempre quando estava tocando piano, ou lendo, ou até mesmo comendo, a alteza estava lá, observando ela e Fernan conversando sobre o passado dela e ela tentando descobrir algo sobre quem passou a chamar de fera.

Apenas uma vez nesse intervalo de um mês sem ver a fera, se atreveu a comentar com Fernan sobre o “apelido” que deu a alteza. Fernan lhe advertiu que se ouvisse isso novamente, contaria a alteza e também lhe disse que sua reação não seria das melhores. Desde então, Gisele guardou essa brincadeira de mau gosto apenas para ela mesma. Fernan compreendia estas brincadeiras e esperava outras vindas de uma menina de apenas 18 anos. Mal sabia ele que Gisele tinha mais maturidade do que a própria alteza. Era responsável como poucos. Sempre tirou as melhores notas na escola e foi sempre a melhor da classe. Educada, respeitadora e popular por ser assim.

Gisele ainda estava sozinha com seus pensamentos. Resolveu ver o que tinha naquele quarto tão misterioso. Ela já tinha certeza de que a fera ficava lá. Ela apenas queria confirmar. Saiu de seu quarto e ficou encarando a porta que ficava perto da sua porta. Ela estava prestes a colocar a mão na maçaneta, quando, de repente, a figura escura que sentia falta apareceu em sua frente.

– Fernan lhe disse para não vir aqui, não disse?

– Disse. – Gisele estava muito nervosa, mas não com medo.

– E por que veio? – Gisele ficou quieta. – Responda. – Ele tentou ser paciente.

– Eu estava curiosa.

– Curiosa com o que se tinha certeza do que tinha aqui?

– Eu...

– Sentiu minha falta? – Brincou.

– Senti.

Ele não esperava, de jeito nenhum, essa resposta. Ele não estava preparado para um “não”. Mas estava menos preparado ainda para um “senti”. Ele se aproximou mais dela e sentiu seu cheiro, aproximando seu rosto de seu pescoço. Gisele estava tensa e nervosa, mas feliz por tê-lo ali. Ela não continha sua curiosidade.

– Me diga seu nome. – Ela sussurrava.

– Quero que fique mais curiosa. Ainda não direi.

– Então, me mostre seu rosto.

– Talvez, algum dia.

– Hoje, por favor. – Ela colocou a mão no capuz dele.

No mesmo momento em que ela fez isso, a alteza se afastou, rapidamente.

– Desculpa, eu não queria...

– Eu sei que você está muito curiosa, mas preciso me preparar antes. Pode esperar por isso?

– Eu posso tentar.

– Mais tarde irei jantar com você.

– Está bem.

Ele entrou em seu quarto e, antes que Gisele pudesse ver algo, ele fechou a porta. Ela estava prestes a explodir de felicidade. Correu para o seu quarto para comemorar. Ela tinha intenção de esconder sua reação, mas não esperava que ele estivesse observando tudo o que fazia. Ele sorria como um adolescente ao vê-la comemorando daquela forma.

Gisele aguardava a hora do jantar ouvindo música em seu rádio. Foi o que mais fez no tempo que ficou nessa casa. A alteza nem precisava ligar o seu rádio porque Gisele ouvia as mesmas músicas que ele.

– Com licença.

– Pode entrar, Fernan. – Gisele sorria.

– Fico feliz em saber que você está animada.

– Sim, muito animada!

– O jantar está servido.

– Já vou descer.

– Está bem. Com licença. – Fernan saiu.

Gisele se olhou no espelho para garantir que não tinha nada de anormal em seu rosto. Estava, novamente, com seu moletom cinza e um short jeans. Ela preferia ficar descalça. Fernan, como sabia disso, limpava sempre o chão antes que Gisele acordasse ou saísse do quarto.

Ela desceu as escadas na esperança de que a alteza pudesse vê-la descendo, mas ele ainda não estava lá.

– E a f... – Gisele lembrou que Fernan não queria mais ouvir essas brincadeiras.

– Fera? – Fernan disse.

– Me desculpe por isso. – Os dois riram.

– Não é uma coisa agradável para se dizer. A alteza sempre te trata bem, portanto, não há motivos para brincar assim, certo?

– Certo. Estou envergonhada disso.

– Não fique. Estou acostumado com isso. – A alteza disse, enquanto descia as escadas. Estava vestido da mesma forma que se vestia sempre.

– Meu Deus! Não queria que você ouvisse isso. Eu ia parar de falar isso porque você é tão legal comigo e...

– Gisele, se você está arrependida, não se lamente. Eu já tive a sua idade e também já brinquei assim com os meus amigos.

– Quantos anos você tem?

– Isso importa?

– Acho que não.

– Vamos nos sentar.

Eles se sentaram e Fernan os serviu.

– Macarrão? – Gisele disse, sorrindo.

– Sim. Você pediu. – A alteza disse. Fernan sorriu ao ver a reação da menina.

– Não sabem como me sinto ao comer isso.

Ela comia e não dizia nada, diferente do normal. O mordomo e o amo estranharam o silêncio extremo e a concentração na hora de comer de Gisele.

– Aconteceu algo?

– E, se tiver acontecido? – A alteza ficou surpresa com o tom que Gisele o respondeu. - Me dê um bom motivo para lhe contar.

Gisele o havia desafiado. Ele não admitia isso de quase ninguém, mas, quando vinha de Gisele, ele aceitava e se sentia mais curioso para descobrir o mundo daquela jovem.