As lágrimas já não caíam mais. Não valia mais a pena deixá-las rolar. As pessoas não mereciam suas lágrimas. Ou seu sorriso. Nem ao menos sua presença. Pessoas são tão desprezíveis. Elas fingem. Elas traem. Elas mentem. E acima de tudo: elas nos decepcionam.

Rafael não sairia da cama naquela segunda-feira, não fosse motivado pela sua sede. Foi até a cozinha arrastando os pés e pegou um copo d'água. Ignorou a dor em seu peito ao ver o copo ganho de presente de casamento. Ignorou a água descendo como uma lixa em sua garganta seca há dias. Ignorou o cheiro ruim que seu corpo exalava graças à falta de banho. Viu seu reflexo pálido e magro espelhado no vidro da porta. A barba por fazer, o cabelo desgrenhado. Olheiras fundas.

Andou até a janela. Abriu-a com medo do que pudesse vir a encontrar. O vento frio bateu contra seu corpo coberto apenas por um calção. Era tão boa a sensação de não ter ninguém por perto. Ninguém para atormentá-lo. Ninguém para magoá-lo.  Ficou parado por um tempo, sentindo o sol aquecer sua pele clara.

Voltou ao quarto em busca da carta que havia escrito na noite passada. Leu mais uma vez sua explicação para partir. Faltava algo. Chutando as roupas acumuladas pelo chão, o rapaz procurou por uma caneta. Acrescentou apenas uma palavra ao final da folha. "Adeus". Procurou pela corda que havia deixado ao lado da porta. Foi até o quintal. Deixou a carta próxima aos seus pés. Subiu no banco ao seu lado e pendurou a corda. O nó já feito era mais alto que seu pescoço, para o caso de arrependimento ou qualquer outro imprevisto, ele não voltaria atrás. Mas a quem estava tentando enganar? Ele não voltaria atrás.

Passou a mão pelos cabelos. Não pode conter um sorriso ao pensar que deixaria aquele mundo. Subiu novamente no banquinho e com aquele sorriso no rosto ele colocou seu colar de corda. Suas pernas vacilaram e ele desceu do banco. A corda apertou seu pescoço, queimando-o com o atrito. Sua garganta ficou seca novamente. Respirar se tornou um ato difícil, parando aos poucos. E ainda sorrindo, toda vida do garoto se esvaiu.

Ele não está mais entre nós.