O Príncipe Cinza escrita por Micaela Salvya


Capítulo 16
Minha Nova Amiga Gandara




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Icarus

Eu estava tão cansado de ser importante, de ser o herdeiro. Algumas vezes pensava que talvez meu irmão seria melhor nisso do que eu.

Zane.

Só de pensar nele, meu peito se comprimia. Eu sentia tanto sua falta. Fazia tanto tempo desde a ultima vez em que nos vimos.

Aconteceu tão de repente e desde de então nunca mais nos vimos novamente. Nunca mais tive alguém que me fizesse lembrar que eu nao era so um herdeiro, mas algo mais. Ele era quem me fazia ter orgulho de ser eu mesmo. A culpa me corroía até hoje por nao te-lo seguido. Nunca me perdoei por ter deixado Zane sozinho.

Porque essa era a dolorosa verdade, ele sempre estivera lá por mim, e quando ele mais necessitara da minha ajuda eu nao estava lá.

A noite estava gelada, o vento suave. Em todo castelo, aquele local em especial era o meu favorito, uma varanda feita de cristal, uma formação natural, tão rústica e transparente que era possível ver a cidade dali de cima.

A lua estava incrivelmente brilhante e grande naquela noite, noite de lua cheia.

– Nao consegue dormir, Vossa Alteza? - uma voz macia me tirou de devaneios. Me virei para ver a figura escondida nas sombras.

– Me espiando?- perguntei divertido.

– Me desculpe, nao foi minha intenção. Eu irei embora.

– Nao! Isso nao foi... -suspirei pesadamente - era uma tentativa de uma piada. - sorri desajeitadamente.

Ela riu antes de cessar de repente, como se ela se lembrasse com quem estava. Resmunguei irritado, quantas vezes meu titulo tinha entrado no meio, me impedindo de simplesmente ser normal?

Dei um passo a frente.

– Você está com medo de mim? Porque prometo que nunca machucaria você, mesmo nao sabendo quem eh.

– Acompanho as Caçadoras.

Entao ela era a ruiva de olhos verdes gigantes, pele translúcida, roupas simples e modos de uma dama. E que claramente escondia um gênio tempestuoso que parecia vir em conjunto com as ondas alaranjadas suaves.

– A aprendiz da minha avo, nao eh? Laranja. Alice White?

– Sim.

– Então...porque está com medo?

Ela deu mais um passo para trás, tentando escapar, quase alcançando a entrada para dentro do castelo. Nao pude me conter, estendi minha mão para alcança-la e puxa-la para luz . Calculei errado e usei muita forca, ela era muito delicada. Alice acabou de encontro ao meu corpo.

No momento em que senti sua pele encostar na minha, eletricidade pura preencheu minhas veias. Sua pele era suave, sua expressão de surpresa adorável. Seus olhos eram verdes, muitas sardas cobriam suas bochechas e sua estrutura era forte apesar de tudo. Fora das sombras sua pele parecia brilhar como se milhares de estrelas a cobrissem inteira.

Prata.

Sua pele brilhava um cintilante tom de prateado. A lua iluminou seu cabelo alaranjado de tal modo que também pareceu único.

Ela estava destinada a ser minha.

Sorri abertamente. Nao pude me conter, beijei seus lábios e devorei sua boca.

Minha futura Rainha Alice.

–---

– Não sei o que quer dizer, Vossa Alteza. -respondeu a ruiva de olhos verdes fingindo confusão.

Me levantei sobre a mesa e aproximei meu rosto a centímetros do dela que estava sentada no lado oposto ao meu. Apoiei minhas maos sobre mesa e cheguei ainda mais perto. Sussurrei.

– Vá comigo. - sorri amplamente com seu desconforto.

– Ir onde? -ela sabia exatamente sobre o que estava em debate na mesa do café da manha. Estávamos sozinhos, Arina estava em reunião com o Conselho e Laura Hunter estava... atrasada. Dormindo provavelmente.

– Voce sabe bem onde. -respondi.

Ouvi um grunhido nada feminino e me voltei para a porta.

– Essa historia de novo? -perguntou a Caçadora sarcástica de corpo esguio e cabelos negros, entrando na sala e se sentando a mesa.

Nao era a primeira vez que minha proposta surgia.

– Ainda falta um mês, você provavelmente vai ter mudado de ideia até lá. - teimosamente insistiu Alice se encolhendo na cadeira e tentando me empurrar de volta ao meu lugar. Ignorei seus intentos me mantendo firme a centímetros de seu rosto.

– Eu sou fiel a minha palavra, se direi que irei com você, não a desapontarei.

– Vá de uma vez! Todos sabemos que você quer ir. - disse Laura jogando um pãozinho em Alice. Esta fez uma careta e prosseguiu.

– Sei que é uma pessoa fiel a sua palavra, só pensei que entre tantas outras, não há uma razão especial em me escolher.

Ela mal sabia a verdade. Porque sim, ela era especial.

– Vamos fazer cara ou coroa. Nao! Já sei, bem-me-quer, mal-me-quer! Hum, e se... - Laura se armou com mais um pãozinho e jogou em Alice novamente.- Qual eh o seu problema? Você tem alguém com quem ir na festa, nada menos que o bem apessoado Príncipe Herdeiro, - ela piscou para mim. - e quer dar opções para que ele te dispense? Se ele ofereceu diga sim antes que ele mude de ideia e acabe por levar alguma herdeira rica ou algo assim.- ela então se virou para mim e prosseguiu.- Vossa Alteza, Alice White diz sim. - Ela então pegou uma maça vermelha e saiu da sala, sua postura dizendo "estou dando espaço, mas se nao funcionar, eu volto e intervenho".

– Me desculpe por isso, ela pode ser extremamente...inapropriada as vezes. -ela riu levemente. - Sempre, na verdade.

– Já recebi o sim que eu queria. Estou garantido, você com certeza estará lá, Laura fará que sim.

–---

Zane

Quando tudo acabou, somente eu restava em pé Os olhos de Balcas pareciam perfurar os meus.

– Muita coragem? Ou será talvez falta de medo?

– Tal conhecimento concederia muito poder e controle sobre um homem só. -respondi.

– Quer dizer então que nao tenho tal controle sobre você? -indagou a Sombra com um misterioso sorriso nos lábios.

– Depende se sabe ou nao o que motiva um ser humano, alguém como eu.

– Você é bom em evasivas, meu jovem. Você é diferente, sei disso. O que motiva os outros homens nao é o que te motiva. Assim como o que assusta os outros nao se aplica a você.

Seu olhar de escrutínio era curioso.

– Me diga seu nome.

– Zane. Zane Lightcastle.

– O grande traidor? -um brilho diferente aderiu ao seu olhar. Enquanto para o resto do mundo meu titulo seria horrível, na Irmandade aquele titulo me garantia respeito. O que era bem idiota se você pensar a respeito. Era como ter um caso com uma mulher casada e esperar que quando ela se casasse com você ela fosse fiel. Se ela nao foi fiel da primeira vez, porque seria na segunda tentativa? De qualquer maneira assenti. Eu era um traidor.

– Achei que estivesse numa missão no Continente.

– Eu estava.

Eu nao responderia mais do que aquilo, evitaria perguntas sobre isso por agora. Balcas levantou uma sobrancelha ante a mais um ato desafiador.

– Você tem coragem.

Continuei a olha-lo fixo nos olhos. Eu nao desviaria nem mostraria submissão.

– Gosto de você, mas se continuar a me desafiar abertamente serei obrigado a ensinar uma lição. - Assenti caladamente ante sua ameaça me virei e parti da sala.

Foi só depois que o jovem saiu que o superior percebeu que ele nao negou ou jurou mais respeito no futuro. Ele nem desviara os olhos ante a repreensão, ele simplesmente dera as costas.

–---

Duas semanas depois

Meu caminho estava obstruído. Nenhuma surpresa. Afinal esta era Floresta Esquecida, no lado oeste da ilha de Core, esta era tão selvagem e intocável como nenhuma outra . Apesar das roupas serem especiais para a regulamentação da temperatura corporal, nada protegia o rosto de ataques assassinos de mosquitos e seus amigos voadores. Minha primeira missão sozinha, nada muito grande. Entregar um pacote ao Rei Celentino e voltar, pois é e eu esperando uma grande missão da parte do príncipe. Que decepção. Com o facão, cortava toda vegetação esverdeada em meu caminho, incluindo algumas outras plantas dentro de um ramo diversificado de outras cores.

Um zumbido irritante e insistente me fazia cada vez mais nervosa com aquele ambiente repleto de tantos outros insetinhos irritantes e também insistentes. Talvez esse fosse o intuito da minha missão, adquirir paciência. Talvez até tolerância ao stress.

Senti um arrepio na base da coluna até a nuca e continuei andando, mantendo o ritmo do meu facão. Alguém estava me observando. E eu devia manter meu ritmo até que eu fosse capaz de descobrir quem era e o que queria. Discretamente peguei um lamina de arremesso presa na minha coxa. Continuei o movimento exaustivo e barulhento da minha atividade desobstruidora. Ampliei meus sentir e respirei fundo. Nas ultimas semanas eu praticara tanto que eu já era capaz ampliar a três quilômetros o meu perímetro.

Curiosidade.

Estranho, geralmente a essência das pessoas era muito complexa sequer para descrever em poucas palavras. A maioria mudava de acordo com os sentimentos, as situações, as pessoas ao redor e entre outros fatores. Esse caso era completamente diferente. Nao havia sentimentos transitórios. A maior parte das vezes apesar da alta gama de emoções nao-fixas, havia sempre os elementos da personalidade que permaneciam as mesmas nao importavam as situações.

Minha curiosidade falou mais alta. Nao havia conflito nesta essência. Me virei devagar com a lamina e o facão em riste.

Um híbrido de onça pintada e pantera negra se estendia a minha frente farejando o ar. O felino possuía um corpo enorme e negro, em algumas partes era possível ver as manchas de onça, suas garras se estendiam por baixo das patas gordas e felpudas.

Hum...na verdade era uma menina.

Virei a cabeça para o lado igualmente curiosa com a sua falta de hostilidade, nem mesmo sua postura exalava agressividade. O grande animal imitou minha ação. Tive uma vontade incontrolável de rir. A felina imitou com um barulho próprio, parecido com uma risada. Dessa vez ri alto.

– Quantos anos será que você tem? -falei comigo mesma.

Por alguma razão soube a resposta automaticamente. Ela ainda era um bebe, por isso era tão instigada pela curiosidade. Estranho, por diversas vezes eu passara perto de um cachorro na rua, uma pomba na janela e nunca nem sequer uma única vez sentira sua essência. Por que será que este gato gigante era uma exceção?

Ouvi um estalo de um galho, alerta vasculhei a área com o meu sentir.

As essências eram tão escuras e tenebrosas, repleta de sussurros que logo descobri quem eram. A Irmandade Nanquim.

Minha companheira mudou para uma posição alerta e feroz. Seu grunhido era baixo e hostil. Nao pude evitar um frio passar pela minha espinha, aquele som e a visão das presas dela era horripilantes. Ela então abaixou a cabeça e balançou na direção de uma arvore gigante de tronco grosso.

Ela estava me dizendo para me esconder?

Ela então deu um som parecido com um suspiro e me mostrou como eu deveria fazer. O tempo todo olhando para mim como se dizendo: entendeu?

Eles estavam tão perto agora que pude ouvir suas vozes. Fiz uma oração rápida para que ela nao me comesse viva e nao fosse uma armadilha perspicaz de onça/pantera negra e me escondi onde fui ordenada.

– Nao acredito que está se envolvendo com a patricinha rica. Se o pai dela descobrir, você nao só será um desertor como também será frito pelo "animal de estimação" dele.

– Quem se importa, você viu aquele vestido que ela estava usando? Nao deixava espaço para imaginação. -ambos riram e eu revirei os olhos, meu Deus, homens podiam ser tão ridículos.

– Mudando de assunto, você viu como Balcas olhou para o Príncipe Traidor? Quem diria, eu imaginava ele um covarde, mas ele se manteve. Por alguma razão acho que Balcas gosta dele, mas se o comportamento dele continuar assim, ele nao terá apoio durante a cerimonia das Sombras para conseguir a marca.

– Tem razão, ele é muito... indomado. Vamos ver se ele vai continuar assim depois que a Fumaça tomar conta dele.

– Vamos ver.

– Fumus Intercludat, cara.

–Fumus Intercludat.

Só ouvi então o som da conversa se esvaindo cada vez mais distante do alcance dos meus ouvidos.

Me levantei do meu esconderijo e a felina me acompanhou. O único Príncipe Traidor que eu conhecia era Zane, era muito ruim imaginar quem ele realmente era, o seu titulo de Príncipe Traidor me fez sentir tristeza. A pessoa que eu conhecera nao parecia um traidor. Tudo bem talvez alegar tais coisas sobre um desconhecido nao fosse o recomendável, mas eu conhecia as pessoas, eu as sentia. E nenhuma das vezes que me encontrei com ele senti algo assim tão corrompido em sua personalidade, ou em seus pensamentos. Por alguma razão me senti traída, pela minha habilidade, porque ela nao me deu um sinal? Qualquer coisa.

A felina pareceu sentir a tendência triste dos meus pensamentos e se aproximou.

– Oh, espere ai gatinho. Nao quer me comer, certo? Juro que tenho um gosto horrível.

Ela então parou em meio movimento e deitou ali mesmo no chão, com as patas estendidas e a cabeça apoiada em cima.

– Será que você tem um nome, menina?

Gandara. Este esse era seu nome.

– Uau isso é incrível, como eu posso sentir sua essência tão bem? Isso nunca aconteceu antes. Muito menos com um animal, sem ofensa.


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