Little Bell escrita por Blodeu-sama


Capítulo 1
Little bell, sing, sing




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Um pequeno sino tocou quando Harry abriu a porta do Pub escuro. Ele lançou um breve olhar em volta, um vento repentino fez com que sua capa trouxa fosse erguida e algumas folhas vermelhas conseguissem passar por baixo de seus braços antes que ele fechasse a porta atrás de si.

Caminhou a passos lentos para o balcão de madeira e pediu uma cerveja com um aceno. Gostava dali, daquele Pub trouxa meio escondido, como o Caldeirão Furado, exceto que ali ninguém o reconhecia e ninguém vinha lhe apertar a mão. O anonimato sempre fora algo que Harry Potter apreciava. Pubs escuros com cervejas de verdade eram uma coisa que aprendera a gostar recentemente.

- Dói, não é? É como se os tivessem tirado de nós.

Harry, ainda sentado no balcão com sua cerveja entre os dedos, virou o rosto para trás. Devia estar muito enferrujado por não nota-lo ali. Sentado na ultima mesa encostada a parede, as pernas cruzadas uma sobre a outra, os dedos rodeando delicadamente um copo de whiskey com gelo, os longos cabelos platinados caindo sobre os ombros. Os anos haviam sido muito generosos com Draco Malfoy.

- É o meu segundo. – disse, baixo, mas acrescentou ao ver o olhar de zombaria do outro – Não melhora em nada.

- Hump... filhos! Astoria esta em casa se debulhando em lagrimas, pensando em como é pequeno e indefeso seu bebê e quão cruel é manda-lo para Hogwarts tão cedo...

- E o que você acha? – perguntou Harry, interessado pela conversa casual entre eles, pelo tom amigável que Draco usava, embora houvessem se passado dezenove anos desde a ultima vez que haviam se falado.

- Acho que Scorpius é muito parecido comigo, naquela idade. – Draco levou o copo aos lábios e sorveu dois goles rápidos. O gelo tilintou quando ele voltou a pousá-lo sobre a mesa.

Harry riu. Ele entendia isso. Al era imensamente parecido com ele, também, e não apenas em aparência. Tinha uma leve apreensão que fosse cometer os mesmos erros.

- E o seu garoto, Potter... o mais novo. Acha que esta preparado para Hogwarts?

- Ah, ninguém esta preparado para Hogwarts, até que esteja lá. Al vai se dar bem. Ele é igual a mim.

- Eu não consideraria isso um consolo. – Embora a frase pudesse ser ofensiva, Harry voltou a sorrir. Pensando em todas as encrencas que se metera em seus anos de escola, realmente não era nenhum consolo.

- É, touchê. Mas as crianças sempre crescem, Draco, mesmo que desejemos que elas estejam sempre sob nossa proteção. Não dá pra parar o tempo.

Draco fixou os olhos nele por um momento, então encarou o fundo de seu copo. Harry achou que havia imergido completamente em pensamentos, e voltou novamente o corpo para frente, bebendo sua cerveja. Que encontro estranho, aquele. O que afinal Draco estaria fazendo em um Pub trouxa?

- Se fosse possível... – começou o loiro, erguendo novamente os olhos para ele. – Se fosse possível Potter, parar o tempo. Quando pararia?

Harry não se voltou. Ele pensou por um momento, mas esta era uma pergunta difícil. Levantou-se por fim e se sentou na cadeira oposta a do loiro, encarando-o.

- Acho que pararia o tempo quando Lily nasceu. Tudo era perfeito quando Lily nasceu. Estávamos todos imensamente felizes.

Foi a vez do moreno baixar os olhos para sua bebida. Sim, é claro que estava feliz hoje. Tinha ótimos filhos e os amava muito. Mandara dois deles para Hogwarts naquela mesma manhã com pesar e orgulho. Tinha uma família enorme com todos os Weasley e Teddy e Hermione (que agora era uma Weasley também). Seu emprego lhe dava emoção o suficiente para não cair no tédio e quando isso acontecia, uma partidinha de quadribol com Ginny resolvia muito bem o problema. A única coisa que o incomodava era que... quadribol era a única coisa interessante em seu casamento.

Harry virou sua cerveja, e enquanto o álcool descia por sua garganta em goles largos ele pensou que não sabia bem em que momento nem porque, mas seu amor por Ginny havia voltado ao nível fraternal.

- Interessante. Achei que diria algo como “minha primeira partida de Quadribol”, “quando derrotei o Lord das Trevas” ou “A primeira vez que infringi as regras”.

O moreno encarou Draco com as sobrancelhas franzidas diante da provocação. Então viu um meio sorriso irônico no belo rosto do antigo rival. Um pequeno sorriso surgiu em seu rosto involuntariamente e alguns segundos depois os dois homens riam juntos sonoras gargalhadas.

- Okay Malfoy! Primeiro... minha primeira partida de Quadribol foi incrível! – disse em alto e bom som – Tudo graças a você e sua idéia brilhante de roubar o Lembrol do pobre Neville... Segundo, infringir regras não era algo que eu gostava de fazer, eu simplesmente precisava fazer.

- Oh certo! Fingirei que acredito nisso.

- Eu precisava! Mas talvez... – Harry pediu outra cerveja erguendo a mão – eu gostasse só um pouquinho.

Draco balançou a cabeça, rindo e com esse gesto fazendo seus cabelos muito lisos esconderem parcialmente o rosto.

- E terceiro, o dia em que derrotei Voldemort esta longe de ser feliz.

As risadas morreram de súbito. Harry não sabia porque havia dito aquilo, mas só percebera depois de falar. E só ao ver Draco desviar os olhos cor de chumbo para o lado que notou que havia destruído a recém amizade entre eles.

- ... bem, nisso você esta certo Potter. – O loiro afastou cuidadosamente as mechas claras de cabelo do rosto e aproveitou o silencio e o garçom que viera trazer a segundo cerveja de Harry para pedir mais uma dose para si.

- Bem Malfoy, aquilo é passado. Graças a Merlin, é passado.

O loiro brincava com o gelo que restara em seu copo. Dois de seus dedos longos rodeavam as pedras transparentes fazendo-as girar dentro do recipiente. Demorou a falar.

- O passado não apaga todas aquelas mortes desnecessárias. De ambos os lados, houve muitas mortes desnecessárias... Muitas cicatrizes que nunca vão sumir.

Casualmente, o loiro ergueu os dedos frios e úmidos pelo gelo e tocou a cicatriz em forma de raio. Harry sentiu um leve arrepio na espinha, talvez por causa do frio, mas permitiu o toque.

- Sim... muitas cicatrizes. Nem todas tão populares quanto essa aqui.

- Eu tenho uma também Potter. Não é muito popular, claro. – Draco baixou a mão, rompendo o contato. Levou os dedos a camisa de seda italiana negra e começou a abrir os primeiros botões. Abriu-os até o meio do peito liso e pálido. Então afastou o tecido e deixou a vista parte de uma linha branco-avermelhada que cortava todo o seu tórax. Era um corte reto. Harry sentiu o rosto corar profundamente.

- Quanto a isso, nunca tive oportunidade de pedir desculpas.

- Você salvou minha vida depois, estamos quites. – A nova bebida do loiro chegou e ele encarou o moreno com o que poderia ser um sorriso sincero no rosto, embora Harry não pudesse ter certeza porque nunca vira um na face de Draco antes.

- Não. Eu não sabia o que o feitiço provocava, foi inconseqüente e irresponsável usa-lo em você. Se Snape não tivesse chegado a tempo você talvez...

- Não se torture. Chega de bancar o herói, você já fez isso a vida toda Harry. E isto, como você disse tão sabiamente, é passado.

Muito mais timidamente que Draco, Harry esticou o braço e roçou os dedos pela linha ainda exposta. Ao toque, quase não se distinguia da pele aveludada do outro. E sua pele era realmente macia ao toque. Foi só quando constatou isso que Harry percebeu, com embaraço, que Draco o havia chamado pelo primeiro nome pela primeira vez desde... sempre. “Harry” nunca havia soado tão exótico antes.

Um clima estranho tomou conta deles e Harry rapidamente se afastou. Draco bebeu um gole de seu whiskey e voltou a abotoar a camisa. O silencio parecia impossível de ser rompido de maneira casual, agora.

- Dezenove anos... é muito tempo. – murmurou o loiro, os olhos baixos, fixos do chão.

- ...porque agora? Eu nunca imaginei encontrar você por acaso em um bar trouxa...

- Não foi acaso. Eu vim procurar você.

Harry ficou surpreso. Não tanto pela declaração, mas pelo fato de Draco ter despejado a verdade nua sem enrolação.

- Por quê?

O outro deu de ombros. Não sabia responder a essa pergunta, nem para si mesmo.

- Eu senti que deveria. Talvez para pedir desculpas pela minha estupidez adolescente, não sei... Dezenove anos repentinamente me pareceu tempo de mais sem vê-lo Potter.

Sabia o que o outro queria dizer. Tivera a mesma sensação difusa na plataforma aquela manhã, ao olhá-lo junto à família. Que se passara tempo de mais, que as coisas haviam mudado de mais, e que eles precisavam de um final.

Harry não tinha idéia de que significava ter um final com Draco Malfoy.

- E agora? – perguntou por fim, encarando Draco e fazendo-o erguer os olhos também.

- Não sei.

Acabaram de beber o conteúdo de seus copos em silencio, ambos imersos em seus próprios pensamentos. Harry deixou algumas notas sobre a mesa e Draco o imitou, deixando notas de valores absurdamente maiores. O moreno não se incomodou em lhe dizer que estava deixando gorjeta de mais... Os Malfoy tinham dinheiro para gastar. Levantou-se e esperou que Draco o seguisse, e abriu a porta para ele fazendo soar mais uma vez aquele sininho pequeno e agudo. Quando estavam fora do Pub uma forte lufada de vento fez os impecáveis cabelos de Draco voarem em todas as direções e os dois foram atingidos por uma chuva de folhas vermelhas. Uma delas prendeu-se a confusão dourada na cabeça de Draco. Harry sorriu e ergueu a mão para retirá-la dali.

- Quem tem cabelo bagunçado agora? – perguntou zombeteiro, e Draco ergueu os olhos cinza para ele com aquele mesmo sorriso sincero no rosto.

Foi o momento em que Harry percebeu qual era o final. Estavam próximos, mas não muito. O rosto quase branco de Draco se destacava da paisagem avermelhada... Mais belo do que Harry jamais havia reparado. Os traços aristocráticos, tão bem assentados nele, tão elegantes e diferentes de tudo o que Harry estava acostumado. Muitas coisas vieram a sua mente e começaram a fazer sentido. Sua obsessão por Malfoy, seu desejo de salva-lo quando não devia. Draco gritando “Não o mate”. Sua dor e arrependimento em feri-lo. As briguinhas infantis. O calor do corpo de Draco apertado contra o seu em cima dos demônios de fogo. Aquele encontro. Sem conseguir se conter, Harry se aproximou um passo, com a folha ainda presa entre os dedos. Draco era talvez, cinco centímetros mais baixo que ele. Ou menos. Seus olhos se encontravam facilmente. Seus lábios também.

- Harry... Pense bem no que esta prestes a fazer. – murmurou o sonserino, quase inexpressivo – Você sabe o que acontece se você fizer o que...

Ele foi calado quando Harry pousou dois dedos sobre seus lábios.

- Você sempre falou de mais. – murmurou. E venceu a distancia entre eles.

Os lábios se tocaram suavemente. Mais uma rajada de vento fez a folha entre os dedos de Harry voar e se juntar as outras. Draco inclinou levemente o rosto para o lado e entreabriu os lábios e Harry aproveitou aquela brecha para aprofundar o beijo. Seus corpos se colaram. Por um ínfimo instante, eles recuperaram a inocência de se amarem simplesmente. Então o beijo se rompeu.

- E Ginevra?

- Não a amo mais. E Astoria?

- Nunca a amei. Harry?

O moreno continuou encarando aqueles olhos de mercúrio.

- Isso é o fim de nós... Estou certo?

- Sim... E não. Isso não é um livro, é vida real Draco. Na vida real... Todo fim é só um novo começo.

Draco riu sarcasticamente, afastando-se um pouco e começando a caminhar, embora sua mão roçasse a se Harry levemente.

- Quando romantismo grifinorio...

- Quando você pararia o tempo? – Harry lembrou-se de perguntar, de repente, segurando-o pelo pulso para fazê-lo parar.

- ...agora. – Draco sussurrou. Seus lábios novamente roçaram os de Harry, apenas roçaram, e ele recomeçou a caminhar, elegantemente como sempre. – Mas não percamos tempo no meio da rua. Leve-me a algum lugar trouxa de casais Potter, eu sei que você os conhece. Privacidade seria uma boa idéia para agora.

Harry sorriu, correndo para alcançá-lo e segura-lo pela mão.

- Quanto romantismo sonserino! – resmungou baixo em seu ouvido, e antes que Draco pudesse dizer qualquer coisa, haviam girado e desaparecido da rua deserta com um estampido baixo.

O vento soprou forte, fazendo o ar encher-se de folhas e do barulho distante de um pequeno sino.


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