O Cientista escrita por Baptista


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Tirando minha aparência de ser uma pessoa meiga(sintam a ironia profunda nesse ponto) lá nas notas, espero que gostem do texto.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/351340/chapter/1

Ela era apenas mais uma no meio de uma confusão de pessoas apressadas. Cabeça abaixada, caminhava olhando para o chão. Passos rápidos, tentando se equilibrar em cima dos sapatos de salto alto. Volta e meia, ela colocava uma mecha do cabelo ruivo espesso para trás da orelha. Uma das mãos segurando firmemente sua bolsa negra, cheia de papéis e pequenos objetos. Ela passou na frente dele, e não o viu. 
Ele estava sentado na fonte da praça central. A viu se aproximar. Seus cabelos ruivos brilhando à luz do sol. Mesmo na multidão, ela jamais era apenas "mais uma". Ela chamava a atenção, ela era diferente. E não fazia ideia do quanto ele a achava bonita. Aliás, ela não tinha ideia de que ele existia.
Esse não é um conto de amor. É um conto de tristeza, de como a vida passa pelos nossos olhos, e não a vemos. Não citarei os nomes dos dois personagens. Mas tudo se passará no ponto de vista do garoto. E o chamarei de "o cientista".
O cientista estava sentado na fonte da praça central, observando as pessoas irem e virem. Elas caminhavam de cabeça baixa, apressadas. A maioria usava negro, a "cor da elegância", como as revistas apresentavam. Todos pareciam iguais. Todos andavam da mesma forma. Todos eram robôs criados pelo capitalismo. Ele não saberia se diferenciar deles, na verdade. Escravos de uma sociedade neocontemporânea, onde o dinheiro representava poder e status. E todos corriam atrás de status.
Perdido em seus pensamentos, ele não reparou na garota que cruzava à sua frente. Cabelos ruivos, pele branca, roupas joviais, seguindo o novo estilo "hipster" que invadia as capas das revistas teens. E ela não reparou nele, um garoto de cabelos rebeldes, negros, calças largas demais para seu corpo, e uma velha camiseta branca manchada de tinta. Ela não reparou, também, que o cientista desenhava tudo o que acontecia ali em um surrado bloquinho de notas. 
E assim se seguiu, por dias. Ele sentava na fonte da praça central. Ela passava por ele, sem nunca olhar para o lado. Sem nunca reparar em seu desenho sempre inacabado. Ambos perdidos demais em seus mundos, ambos interiorizados em seus próprios pensamentos. 
Porém, o cientista, um certo dia, esqueceu-se de seu velho bloco de notas. Apenas se sentou na fonte da praça central, e pôs-se a observar a movimentação, o ir-e-vir das pessoas, a pressa e o cansaço que todas tinham incrustado em suas faces. Começou a imaginar mil e uma situações, sua mente divagando de um rosto para outro, criando histórias e vidas para cada um que passava por ali. Foi quando a viu. Como uma chama surgindo no horizonte, ela entrou em seu campo de visão. A ruiva, que ele nunca havia visto. Ela se aproximava dele, cabeça erguida, andar confortável, usando um velho tênis, os cabelos soltos ao vento, emoldurando seu rosto jovial. Ela passou em sua frente, e ele a admirou como jamais admirara ninguém. No outro dia, o garoto fez a mesma coisa. A observou passar, sem dizer uma palavra. Ele começou a reparar mais na aparência da ruiva. A cada dia, via um novo detalhe nela; e conforme os dias passavam, ele via algo novo, mas esquecia um outro detalhe. E viu que dessa forma não poderia mais continuar. 
Por algum tempo, ele apenas a observou. Passados alguns dias, ele pegou seu bloco de notas, e começou a fazer alguns pequenos rabiscos. Desenhou os olhos claros dela, seu cabelo ruivo, o sorriso discreto que ela possuía. Ela fora imortalizada em um velho bloco de notas de um garoto invisível. Ele a imortalizou em sua ciência artística, de onde ela jamais seria esquecida.
Em um certo dia, o destino resolveu agir. Sem motivos, o cientista resolveu ir até um pequeno café próximo ao parque em uma certa manhã enuviada. A cafeteria estava bastante lotada, cheia de pessoas vestindo roupas negras. Ele viu uma mesa livre no canto mais afastado do café, e foi para lá que se dirigiu. Rabiscou um novo desenho da garota enquanto esperava ser atendido por uma garçonete mal-humorada. Não viu quando a porta se abriu, e por ela passou uma ruiva com roupas joviais, sorriso alegre estampado no rosto, cumprimentando a todos e não recebendo nenhum "bom dia" em retorno. Ele só a viu quando ela se dirigiu até a mesa mais afastada do local, e lhe disse "bom dia". Sem jeito, ele a respondeu educadamente. E ela pediu para se sentar ali. Não vendo nenhum problema em dividir a mesa com a garota que ele havia imortalizado em diversos desenhos, ele lhe lançou um sorriso, perguntando seu nome.
Veja bem, a garota obviamente tem um nome. Porém, se eu lhe disser seu nome, você se apegaria a ela da mesma forma que o cientista se apegou. A imortalizaria em sua mente, e talvez até em desenhos. Ela já fora imortalizada antes; não há motivos para ser imortalizada novamente. Portanto, seu nome não nos interessa.
E assim, com essa pequena brincadeira do destino, os dois se conheceram. Conversaram por muitos dias, se tornaram bons amigos, e cometeram o maior erro que poderiam ter cometido. Apaixonaram-se um pelo outro.
Semanas se passaram, ambos no auge da felicidade. O cientista agora a conhecia, conhecia seus detalhes. Poderia fazer desenhos melhores tendo ela como sua modelo. E ela também o imortalizara, em suas fotografias. Eles se amavam, é claro, e não havia ninguém que pudesse alegar o contrário. 
Exceto o destino. E essa é a segunda vez que ele aparece aqui.
Por bobagem, os dois discutiram. Era um dia feio, aquele. O céu era cinza, a chuva não queria cair e o sol não desejava aparecer. Era um daqueles dias onde tudo parece dar errado com todo mundo. E com eles, não foi diferente. 
Discutiram. Por horas. Ela decidiu deixar tudo para trás e ir embora da cidade. "Para sempre", dissera. Mal sabia ela que o para sempre mal dura alguns anos. Discutiram, os dois. Romperam o relacionamento ali. Deixaram seus corações se quebrarem. Jogaram a culpa um no outro, esquecendo-se de que os únicos culpados eram eles mesmos.
Depois desse dia cinzento, ele nunca mais a viu. Mas ele nunca mais a esqueceu. Sofrendo, ele a desenhou. Em diversos locais, ele a imortalizou. Porém, um novo dia cinzento surgiu. Ele tentou ligar para ela, sem sucesso. Chorou suas lágrimas, as secou, pensou incansavelmente no motivo do fracasso do relacionamento. Engoliu seu orgulho; queria-a de volta. Como jamais quisera algo antes. Mas era tarde demais.
 Ele queria mostrar a alguém sua dor. Então, pegou todos seus desenhos na qual ela era a única modelo. Foi até a fonte da praça central, no começo do dia, e soltou seus desenhos. Eles se espalharam ao vento, alguns chegaram nas mãos de outras pessoas. As pessoas guardaram estes desenhos, por não entenderem o que sentiam quando os viam. Era de uma beleza inegável, e de um mistério maior ainda. Um acontecimento em seus dias. Talvez elas fizessem isso para sentir que ainda eram vivas.
Mas havia um desenho que o cientista manteve consigo. Era um belo desenho da moça segurando uma câmera fotográfica, e em anexo, havia uma fotografia dele, a desenhando. Suas imortalidades numa única obra de um sentimento inexplicável. Seria impossível transcrevê-la aqui. Mas imagine o mais lindo dia, o sol brilhando, o céu sem nuvens. A temperatura perfeita, a companhia perfeita. Sua mente em paz... E a melhor música do mundo tocando ao fundo. E de repente, o céu escurece, fica de um azul-marinho mágico, horrível e belo ao mesmo tempo. A companhia ainda está ali, a temperatura caiu alguns graus. A chuva começa a cair de forma agradável, estragando, mas ao mesmo tempo, melhorando seu dia. Acho que essa obra que o cientista mantinha consigo era mais ou menos assim. Horrível, e lindo ao mesmo tempo.

Muitas semanas se passaram. Ele ainda pensava nela. Ela estava desaparecida para ele. Não se sabe de seu paradeiro. 
E agora, o destino resolve agir mais uma vez. A terceira e última vez.
A garota voltara a cidade. Mas não era mais uma garota. Agora, ela era uma pessoa importante. Muito séria. Trabalhava em um escritório no centro da cidade, e todos os dias, passava pela fonte da praça central da cidade...
Ele ainda desenhava por hobbie, ia para a fonte da praça central e observava o movimento. E então, percebeu alguma coisa de diferente no mar de pessoas infelizes.
Ela era apenas mais uma no meio de uma confusão de pessoas apressadas. Cabeça abaixada, caminhava olhando para o chão. Passos rápidos, tentando se equilibrar em cima dos sapatos de salto alto. Volta e meia, ela colocava uma mecha do cabelo ruivo espesso para trás da orelha. Uma das mãos segurando firmemente sua bolsa negra, cheia de papéis e pequenos objetos. Ela passou na frente dele, e não o viu. Mas ele a viu, e percebeu que mesmo depois de tanto tempo, seus olhos claros ainda eram de uma cor indefinida. Seus cabelos ainda eram rebeldes. Mas ela não era mais a jovem fotógrafa sonhadora por quem ele havia se apaixonado.
E assim, essa história se mantém por dias... Porém, não há o destino agindo. E ela nunca reparou no seu amor, sentado na fonte, a eternizando em um velho bloco de notas. Aliás, como qualquer outra pessoa, ela nunca reparou que não era só mais uma. E de tanto não reparar, ela acabou se tornando isso... Apenas mais uma na vida d'o cientista, que incansavelmente, dia após dia, a imortalizava novamente em uma nova folha de papel em seu bloco de notas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não serei hipócrita: reviews? Gosto de reviews. Sejam fofos como a tia Bru não é, e por favor, deixem reviews, seus lindos.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Cientista" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.