Vida Interrompida (HIATUS) escrita por Allie Próvier


Capítulo 2
1. À espera


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem. (:



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CAP. 01: À espera

"É muito frio lá fora para os anjos voarem."

The A Team - Ed Sheeran

Acordei com o despertador berrando em meu ouvido. Gemi de desgosto, pegando o despertador na mesa de cabeceira e o arremessando longe. Ele voou, bateu com força na parede e caiu no chão, e mesmo assim não parou de tocar. Bufei.


– Josh, levante agora!- minha mãe gritou de fora do quarto.


Depois de alguns segundos tentando, inutilmente, cochilar novamente eu decidi levantar e me arrumar para o colégio. Teria jogo hoje, e eu realmente não podia me atrasar.


Peguei minha mochila com os livros que eu teria que usar hoje e saí do quarto. Esbarrei com Anna, - minha irmã caçula – no corredor. Ela me olhou através de sua franja castanha, a expressão séria de sempre.



– Bom dia. - ela murmurou pra mim.


Logo me deu as costas, enfiando-se dentro de seu quarto. Suspirei ainda parado no meio corredor. Anna é três anos mais nova que eu, tem apenas 14 anos. E mesmo assim, age como se fosse mais velha do que nossa mãe, Samantha. Depois que nosso pai morreu em um acidente, há quatro anos, ela parece ter se trancado em seu próprio mundo. Quase não fala, não nos olha nos olhos, tenta afastar todos que tentam uma aproximação. Minha mãe tentou fazê-la ir ao psicólogo, mas Anna parece ter voltado de lá ainda mais perturbada.

Dei de ombros, saindo do meu transe e fui à cozinha. Encontrei minha mãe cantarolando alguma música velha enquanto fazia o café-da-manhã.

– Mereço algo especial por ter jogo hoje? - perguntei, sorrindo.

Minha mãe sorriu levemente, me olhando com as sobrancelhas arqueadas.

– Quando você ganhar o jogo eu penso no seu caso. Enquanto isso curta o seu cereal. - ela falou, colocando uma tigela de cereal na minha frente.

Tomei meu café-da-manhã rapidamente e logo estávamos no carro. Minha mãe deixou Anna no colégio primeiro, e logo parou em frente ao meu. Como meu carro estava no conserto, eu teria que ser levado pela minha mãe pelo resto da semana.

– Estarei aqui na hora do jogo, querido. - ela disse, sorridente.

Sorri e dei um beijo em seu rosto. Saí do carro logo em seguida, e pude ver os outros membros do time de basquete reunidos no gramado do campus.

– Pensei que fosse se atrasar novamente! - Henrie disse, jogando uma bola de basquete em minha direção. Eu a peguei rapidamente e a joguei de volta para ele.

Cumprimentei todos os outros do time, e me juntei a eles no gramado. Estava meio alheio do assunto deles, quando Henrie me cutucou.

– Lá vem ela. - ele murmurou.

Procurei com os olhos a pessoa a quem ele se referia, e logo a vi. Vestia seu casaco longo e cor de caramelo, uma blusa branca de botões, calça jeans e sapatilhas. Seus cabelos lisos, longos e loiros estavam presos em um rabo-de-cavalo frouxo, como sempre. Em seu ombro estava pendurada sua bolsa e em seus braços, seu livros. Ela folheava algumas folhas, sem olhar por onde andava. Ela não nos percebeu ali, estava concentrada em algo escrito nos papéis em suas mãos, então não percebeu quando Henrie colocou o pé em sua frente.

Apenas vi seu corpo ir em direção ao chão, e as folhas que segurava voarem. Algumas pessoas ao nosso redor viram o que aconteceu e riam, assim como Henrie e os outros.

– Opa! Não vimos você. - Henrie disse, provocando mais risos.

Engoli em seco, forçando um riso para eles. Pelo canto dos olhos pude vê-la suspirar e limpar sua calça. Recolheu sozinha cada uma das folhas que haviam caído. Quando terminou, timidamente olhou para mim e voltou a andar em direção ao corredor dos armários.

– Essa garota é muito otária. - um dos caras disse, ainda com um sorriso no rosto.

– Não sei qual é a graça que vocês veem em judiar dela, sério. - Katherine, namorada de Henrie, disse ao vir até nós de repente.

– Ela é patética. Por isso fazemos isso. - Henrie disse, rindo consigo mesmo.

Katherine revirou os olhos, bufando.

– Pare de falar assim dela, ok? Ela é legal. Me ajudou em vários trabalhos e... - Katherine falava, mas foi interrompida por Henrie.

– Kate, fique quieta um pouco.

Katherine engoliu em seco, observando-o. Henrie a ignorou e voltou a falar algo sobre as estratégias do jogo com os outros. Pude ver Katherine suspirar, e se sentar ao meu lado.

– Você realmente deve gostar dele. - falei para ela, sorrindo levemente.

Ela me olhou e riu, balançando a cabeça.

– Para aguentá-lo tem que gostar muito, mesmo. - ela disse. - Mas e você? Parece distante hoje.

– É o efeito pré-jogo. Meio que não sinto nada ao meu redor. - murmurei.

Katherine riu.

– É bom que durante o jogo você sinta, e muito, o que acontece ao seu redor. Sabe como Henrie fica. “Eu sou o líder, não me envergonhem!” e toda aquela baboseira. - Kate disse, revirando os olhos.

Engoli em seco.

– Acha que vai dar tudo certo? - perguntei, sentindo toda a minha confiança se esvair.

Henrie sabia ser irritante quando queria. E quando se tratava de jogo, ele ficava mil vezes pior do que o normal. Um passo em falso, e ele poderia me matar.

– Dê o seu melhor. Henrie é todo chato em relação a jogos, mas vocês treinaram bastante. Acho que irá dar tudo certo, sim! - Kate disse, sorrindo abertamente.

– O que vocês estão cochichando aí? - Henrie nos olhou desconfiado.

– Nada, Henrie. Pode voltar a dar atenção aos seus amigos. - Kate disse, forçando um sorrisinho para o namorado.

Henrie deu de ombros, voltando a fazer o que ela disse. Isso me irritava, realmente. Katherine era ótima, tanto como amiga quanto como namorada, pelo o que eu via. E ele, simplesmente, dava de ombros e a ignorava. Voltei meus olhos para Kate, que agora estava com seu olhar focado no gramado abaixo de nós.

– Você está bem? - perguntei realmente preocupado.

Era péssimo vê-la assim. Kate forçou um pequeno sorriso e deu um tapinha em meu ombro, ficando de pé.

– Tenho que estar. Vou indo, ok? Tenho que me encontrar com as meninas. - ela disse para mim. - Henrie, eu já vou!

– Ok, até mais.

“Ok, até mais”, era o que ele dizia a ela. Realmente, ele não a merecia.

Katherine se foi, juntando-se às suas amigas. Voltei a prestar atenção aos outros, que agora falavam comigo sobre os cuidados que eu teria que tomar com o time adversário.

Eis um fato tenebroso: esse era o meu primeiro jogo importante. Todos os outros do time já haviam jogado em campeonatos importantes, e essa era a minha primeira vez. Eu estava confiante, até. Tinha que estar, claro. Mas ainda sim não deixava de estar receoso também. Tentei me distrair e aliviar a tensão conversando com os outros caras, mas realmente estava nervoso.

– Você tem que relaxar, cara. - Jake, um dos jogadores, disse. - Se quiser, posso te mostrar o meu segredo para relaxamento.

– Que segredo?

– Tem um quartinho onde são guardados os materiais de limpeza atrás do vestiário. Antes dos jogos eu sempre dou uma escapada com alguma garota e...

O interrompi já sabendo o que viria.

– Não, obrigada. Relaxarei bebendo água. - falei.

Jake gargalhou.

– Qual é o seu problema? As garotas se jogam em cima de você!

– Não quero ficar com ninguém agora. Tenho que me concentrar no jogo. - murmurei.

Jake balançou a cabeça, desacreditando.

– Pode confiar em mim, Josh. Você está virando gay? - ele perguntou sério.

Não aguentei e ri.

– Vai à merda, Jake!

– Pode ser sincero, cara! Não irei contar a ninguém, nem te trancar em um armário! - ele disse com uma expressão séria.

Fiquei de pé, prevendo que o sinal tocaria em instantes.

– Já fiquei com quase metade da escola, está na hora de dar um tempo. - falei, rindo.

Jake revirou os olhos, ficando de pé também. O sinal soou e vimos que os outros caras do time já estavam longe.

– Ninguém espera ninguém nessa merda. Vamos lá. - Jake murmurou, irritado.


As aulas foram um tédio total, como sempre. Minha sorte era que eu estava liberado das últimas duas aulas, que seriam de Física e Literatura. As piores, em minha opinião. O jogo seria após as aulas, mas como tínhamos que nos preparar por um tempo, eles nos liberaram dos dois últimos tempos.



O sinal indicando o fim da aula de Filosofia soou, e eu suspirei aliviado. Guardei meu livro e o caderno, enquanto todos os outros saiam da sala. Fechei minha mochila e quando me preparava para sair, a vi parada a um metro de mim.


Ela. A que todos judiavam por a considerarem “estranha”.

– Oi. - ela sussurrou, me olhando.

– Oi. - respondi de volta.

Minha vontade mesmo era de sair correndo dali. Eu não gostava de ficar perto dela, não gostava de quando ela tentava puxar algum assunto comigo. Não gostava que ela me cumprimentasse. Não apenas por considera-la estranha também, mas por sentir que ela me observa desde que éramos pequenos.

Estudamos juntos no jardim de infância, e desde aquela época ela me olhava com aqueles olhos. Grandes, azuis, naturalmente assustados, - porém doces.

Eu não gostava desse olhar.

– O que você quer? - perguntei impaciente para poder ir embora dali o mais rápido possível.

Vi suas bochechas corarem levemente, e tive vontade de rir. Ela era realmente patética, como Henrie dizia.

– Eu apenas... Apenas gostaria que... - ela parecia perdida quanto ao que dizer.

– Gostaria de quê? - perguntei.

Ela suspirou, colocando as mãos dentro dos bolsos de seu casaco.

– Eu gostaria de falar uma coisa com você. É importante. Você poderia se encontrar comigo em frente à lanchonete que há a uma quadra daqui? - ela falou tudo rapidamente.

Fiquei parado onde estava digerindo o que ela havia dito. Ela queria conversar comigo? Algo importante? Queria que eu me encontrasse com ela?

– O que você quer falar? Fale agora. - falei, soando irritado.

Eu não lembrava muito bem do nome dela. Hally... Ou Hanna? Era algo com “H”, disso eu sabia.

Ela pareceu ficar um pouco sem graça com o meu tom de voz rude, mas eu não me importei. Percebi que seus dedos apertavam levemente a borda dos livros que segurava, e isso parecia ser uma mania nervosa.

– Eu acho que... Aqui não parece ser o melhor lugar. – falou com a voz baixa. – Peço que vá, por favor. Não tomarei muito do seu tempo.

Engoli em seco, desviando o olhar dos seus. Seus olhos eram azuis demais, e isso era desconcertante. Apenas assenti, e ela sorriu levemente. Passei por ela apressado, sem olhar novamente para o seu rosto, e saí da sala.

Eu ainda tinha uma hora e meia de treino antes do jogo, e tinha certeza de que Henrie estava numa pilha de nervos. Ele era legal, um bom amigo, mas sabia ser irritante.

– Finalmente! Pensei que iria casar, com toda essa demora! – Henrie disse assim que eu entrei na quadra.

Bufei, joguei minha mochila em um dos bancos da arquibancada e rapidamente agarrei a bola de basquete que jogaram em minha direção.

– Vamos jogar para ganhar! – Henrie disse, sua voz fazendo eco em toda a quadra. – Entenderam?!

Todos nós demos um grito coletivo, e começamos o treino.

Uma hora e meia se passou. Encerramos o treino e fomos para o vestuário para nos prepararmos. Durante o banho de ducha eu pude ouvir o falatório no lado de fora. Provavelmente a quadra já estava enchendo de gente. Rapidamente me sequei e vesti a roupa azul.

– Josh! – Jake chamou. – Tá preparado, cara?

Sorri levemente, negando com a cabeça. Jake riu alto, e jogou seu braço sobre os meus ombros.

– Fica tranquilo. É só fazer tudo certinho, e com atenção. – ele aconselhou.

– Se por um acaso eu errar algo... Henrie fará da minha vida um inferno, certo?

Jake fez uma expressão pensativa, e deu de ombros.

– No meu primeiro jogo um cara do time adversário se jogou em cima de mim, eu fui parar no hospital com a perna fraturada, e por causa disso perdemos o jogo. Eu fiquei um tempo sem andar, acho que uns dois meses... – ele disse pensativo. – Durante esses dois meses, sempre que Henrie me via, ele ficava irritado e me culpava por termos perdido o campeonato. Mas depois que a minha perna ficou boa, ele voltou a ser como antes.

Jake riu ao fim da história, ao ver minha expressão confusa. Deu dois tapas em minhas costas.

– Mas fica tranquilo, vai dar tudo certo! – falou. – Com troféu ou não, nós vamos sair para comemorar após o jogo. Vem com a gente?

Eu já fazia menção de aceitar o convite, quando me lembrei da garota...

Ela pediu para eu encontra-la às seis horas da tarde, e o jogo terminava cinco e meia. Bufei.

– Quando o jogo terminar eu dou uma resposta, ainda não sei se vai dar. – falei.

Jake sorriu e assentiu, e logo fomos nos juntar aos outros. Henrie nos lembrava, mais uma vez, das estratégias. E logo o treinador veio nos chamar.

Estava na hora.

[...]

– Oh querido, parabéns! – minha mãe disse, se pendurando em meu pescoço e enchendo meu rosto de beijos.

Eu ria, tentando controla-la. Logo ela me soltou, e eu notei Anna ao seu lado. Sorri para ela, e ela sorriu levemente para mim. Eu já estava até acostumado com o seu jeito reservado. Minha mãe continuou me apertando, até que Jake chegou com John e Lucas.

– E aí, vamos comemorar? – perguntou animado.

Olhei para a minha mãe. Ela sorriu, assentindo, e me abraçou. Logo se despediu de Jake, John e Lucas também, e se foi com Anna. Fomos até o vestiário para tirar o suor do corpo, e quando todo mundo já estava pronto, fomos para o estacionamento. Avistei Kate com Henrie, encostados no carro dele, enquanto ele conversava com algumas outras pessoas. Nós nos aproximamos e nos dividimos. Eu fui no carro de Henrie com Jake e Lucas, e Kate na frente. Ela não falou nada o caminho inteiro, o que eu estranhei. Geralmente ela não se importava de estar no meio dos amigos de Henrie, ela falava e zoava com todos. Jake, em compensação, falava sem parar com Henrie.

Passamos por uma lanchonete, e sem me conter olhei o relógio em meu pulso.

Seis e oito da tarde.

Será que ela estava mesmo esperando?

Senti Henrie parar o carro, e descemos. Agradeci aos céus por não termos ido à lanchonete em que a menina havia pedido para eu me encontrar com ela. Havíamos ido em uma mais distante. Henrie deixou Kate de lado, e seguiu na frente com os outros.

– Abre um sorriso, garota. – falei, cutucando Kate de leve com o braço.

Ela me olhou pelo canto dos olhos e sorriu levemente.

– O que aconteceu dessa vez? – perguntei.

Katherine era minha amiga, e vê-la daquela maneira não me deixava bem. E vê-la daquela maneira por causa de Henrie era pior ainda.

– Ele se superou dessa vez. – ela disse com a voz monótona.

Eu a olhei confuso, e ela suspirou cansada, e desatou a falar:

– Fui parabeniza-lo pela vitória, mas antes de eu conseguir chegar até ele, aquela líder de torcida oxigenada, a tal da Ashley, chegou antes de mim e o beijou. E ele não fez absolutamente nada. A não ser é claro, corresponder ao beijo. E ainda teve a cara-de-pau de sorrir para mim como se nada tivesse acontecido, sabendo que eu vi tudo.

Vi seus olhos úmidos e suspirei me sentindo de mãos atadas. Eu não poderia abraça-la para reconforta-la... Se Henrie visse isso, mesmo que eu fizesse com a melhor das intenções, ele ficaria cheio de marra. E a última coisa que eu quero agora é ter que me afastar de Kate, e perder sua amizade, por causa de Henrie. Além de namorado dela, ele era o líder do time. Poderia muito bem me tirar do grupo.

Ao invés de abraça-la, acariciei levemente o topo de sua cabeça. Ela era bem mais baixa do que eu, e levantou a cabeça, me olhando com olhos tristes.

– Não fica assim, ok? – pedi, e ela assentiu. – Mas me diga... Você realmente gosta tanto dele para continuar aguentando tudo isso?

Ela suspirou, seu olhar desviando de mim e cravando em Henrie, que procurava por uma mesa com os outros. Todos riam, animados, lembrando e falando do jogo. Kate olhou para o chão, e assentiu brevemente.

– Ok, então vamos esquecer isso ao menos por hoje. Abre um sorriso, e se divirta. – praticamente implorei. – Você poderia conversar melhor com ele depois... Já tentou isso?

Kate ia me responder quando ouvimos nossos nomes serem chamados. Olhamos e vimos Jake. Ele nos olhava confuso, e fez um gesto com mão para que nos apressássemos, já que já havia escolhido uma mesa grande o bastante para todos nós.

– Depois conversamos melhor. – Kate disse.

Apenas assenti e ela apressou o passo até a mesa. Fui até Jake, que me olhou arqueando uma sobrancelha.

– O quê?

– Cara, você e a Kate não... – ele deixou a frase no ar, e eu entendi o que ele queria dizer.

Bufei, revirando os olhos.

– Não viaja, Jake. É claro que não.

– Tem certeza?

Ri, assentindo, e ele deu de ombros.

– Apenas não deixe Henrie desconfiado com essa amizade de vocês. – ele alertou.

Sentamos em nossos lugares, e Kate já parecia um pouco melhor, já que ria dos garotos e zoava com eles. Eu imaginei que, após o jogo, Henrie iria querer beber em algum lugar. Ele tinha cara de fazer isso, e pelo o que eu sabia, o fazia, mas não após os jogos. Era como uma tradição deles ir àquela mesma lanchonete após todos os jogos.

Um bom tempo depois, vimos que chovia. O céu estava escuro, e as ruas vazias. Decidimos esperar a chuva passar para irmos embora. Eu estava sentado na cadeira ao lado da imensa janela de vidro que havia ali, de frente para a rua. Vi os carros passando, e senti uma sensação estranha. Uma sensação de vazio. Um arrepio percorreu minha espinha, e eu engoli em seco.

Olhei em meu relógio de pulso. Sete e quarenta e três da noite.

Provavelmente ela já teria notado há tempos que eu não iria encontra-la, e a essa hora estaria no conforto de sua casa.

– Ei. – senti um cutuque em minhas costas e vi que era Kate. – Preocupado com algo?

Neguei, forçando um leve sorriso. Kate crispou os olhos para mim, claramente não engolindo minha mentira. Realmente, não dava para esconder nada dela.

– Uma menina pediu para eu me encontrar com ela em uma lanchonete perto do colégio, após o jogo, e eu não fui. – expliquei.

– Que menina? – ela perguntou sorrindo maliciosa.

Revirei os olhos.

– Aquela com quem o Henrie vive implicando... – falei. – Eu não lembro o nome dela.

A expressão de Kate ficou séria instantaneamente, e ela me olhou profundamente.

– Espera, você ao menos avisou que não iria ao encontro dela? – ela perguntou.

Neguei. Kate arregalou os olhos.

– E a deixou esperando?! – perguntou exasperada. – O que você tem na cabeça? Está chovendo, e escuro!

Suspirei.

– Ela provavelmente está bem, Kate. Já deve estar em casa.

Ela balançou a cabeça, desapontada.

– Não acredito que você fez isso. – ela murmurou.

Bufei.

– Caramba, ela está bem, Kate. Tenho certeza que o que ela queria falar comigo nem era importante, então não perdi nada. – falei, dando mais um gole em meu refrigerante.

Kate fez uma expressão estranha.

– Ela quase não falava com ninguém. Se ela pediu para você encontra-la porque tinha algo para te falar, então era sim algo importante.

Sua voz era dura, e eu me senti mal pelo modo como Kate me olhou. Fiquei sem saber o que responder, e ela bufou audivelmente. Os outros não pareceram perceber nossa discussão.

Logo a chuva diminuiu, e dividimos a conta. Entrei no carro de Henrie, sentindo um mal-estar. Durante todo o caminho Jake não calava a boca, e eu já sentia vontade de manda-lo fazer isso, mas fiquei na minha. Logo o carro parou em frente à minha casa, e eu me despedi de todos.

Encontrei minha mãe na cozinha, cantarolando enquanto preparava um prato de comida. Provavelmente para Anna.

– Boa noite. – falei, dando um beijo em sua bochecha.

Ela sorriu, acariciou minha cabeça, e se pôs a terminar de preparar a comida de Anna. Enchi um copo de suco para mim, me sentindo de repente exausto. Eu senti como se houvessem amarrado um peso em minhas costas. Meu peito doía um pouco, e eu não fazia a mínima ideia do por quê.

– Querido, você pode levar a comida de Anna para mim? – minha mãe perguntou.

Assenti e terminei de beber meu suco. Logo peguei o prato e o copo de suco que minha mãe havia posto para Anna em uma bandeja, e praticamente me arrastei pelas escadas. Anna geralmente jantava em seu quarto, quando se sentia muito cansada. Eu não sabia o porquê, nem a minha mãe, visto que Anna apenas estuda. Não a vemos se esforçando demais, nem nada assim. Mas à noite ela fica fraca, pálida, e quando deita na cama não consegue sair, por isso minha mãe prepara uma bandeja para ela.

Bati na porta de seu quarto, e ouvi sua voz baixinha dizer “Entre”. Entrei em seu quarto escuro, e fiz um malabarismo com a bandeja para conseguir acender a luz. Anna gemeu quando as luzes foram acesas, e vi o contorno de seu corpo pequeno debaixo dos edredons na cama. Sorri. Enquanto andava até sua cama, avaliei o quarto. Estava sempre bem organizado, ao contrário do meu. Notei os desenhos presos à parede, acima de sua escrivaninha. Nas raras vezes em que eu entrava ali, sempre tentei “desvendar” o que eles retratavam, mas era um enigma para mim. Eram muitos rabiscos, alguns muito coloridos e vívidos, outros em tons sombrios.

– Pensei que fosse a mamãe. – a ouvi sussurrar.

Olhei para a cama e vi apenas os olhos de Anna para fora dos edredons. Sorri levemente para ela, e ajeitei os pés da bandeja sobre o seu colo. Anna suspirou e se ajeitou melhor, tirando as cobertas da frente de seu rosto. Seus cabelos castanhos e ondulados estavam um pouco revoltos, e seus olhos levemente fechados. Ela estava muito pálida, mas não parecia tão mal.

– Precisa de mais alguma coisa? – perguntei.

Ela me olhou brevemente, rapidamente desviando o olhar do meu. Como sempre. Negou levemente com a cabeça, e eu assenti, indo em direção à porta.

– Espere. – ela sussurrou.

Virei-me para ela, esperando ela falar, mas ela apenas me olhava estranho. Como se me avaliasse. E acho que pela primeira vez nesses últimos anos ela me olhou diretamente nos olhos sem desviar o olhar.

– Por quê? – ela sussurrou novamente.

Eu a olhei sem entender.

– Por quê o quê?

Anna engoliu em seco, e fez uma expressão quase sofrida. Dei um passo em sua direção, alarmado, mas paralisei onde estava quando ela falou:

– Por quê a deixou lá?

Arregalei os olhos. Anna suspirou, fechando os olhos, parecendo sentir fraqueza. Quando os abriu, os focou em no nada aos pés de sua cama, e balançou a cabeça levemente, como se tentasse espantar algo de sua mente.

– Anna... – murmurei.

– Saia. Por favor.

– Mas eu não entendo, como você...? – murmurei incerto.

Anna não me olhou. Apenas pegou o garfo em sua bandeja e levou um pouco de comida à boca. Eu sabia que ela não iria me explicar nada. Saí de seu quarto, desconcertado.

Todos agora resolveram me criticar por ter deixado a garota esperando? Mas Anna... Como ela sabia, afinal? Eu não havia contado sobre aquilo a ninguém, apenas à Kate. Apenas ela sabia. Mas Anna...

Minha irmã era realmente estranha, e eu nunca consegui entender o porquê de ela ser assim. Em parte, eu sei, foi devido à perda do meu pai. Eles eram muito próximos. Eu mesmo fiquei mal por uns meses, assim como a minha mãe, mas sabíamos que tínhamos que seguir em frente. Mas Anna... Ela se fechou nela mesma. Ela não falava, não se abria. E por vezes eu a peguei andando sozinha pela casa de madrugada.

Ela me dava cada susto que eu pensava que iria morrer.

Ela me deixava realmente confuso. Caramba, ela tinha 14 anos! Garotas de 14 anos não saem com a amigas, fazem festas do pijama e conversam sobre garotos? Eu nunca sequer vi uma amiga de Anna. Antes da morte do meu pai eu lembro de ela trazer algumas meninas para a nossa casa, e ela sempre sorria.

Sempre.

Mas após o acidente parece que todas as amigas e os sorrisos de Anna se foram junto com o meu pai. Quanto a “namoradinhos”, eu tenho uma certa noção do porquê não ver nem ouvir falar de nenhum. É meio óbvio.

Bufei, me jogando em minha cama. Tudo isso têm me dado um cansaço mental extremo. Eu me ajeitei na cama, sem nem trocar de roupa, e assim que encostei melhor o meu rosto no travesseiro, me entreguei a um sono sem sonhos.



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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! :D
Deixem reviews, please! Eu tentarei postar uma vez por semana! Digam o que acharam, etc. etc. hahahah
Beeeeeeeijos!