Katniss POV

Eu ouvi-o bater na porta.

Sua voz estava pastosa de choro,e ele soluçou umas duas vezes murmurando meu nome,e eu ouvi a dor estampada em sua voz.
Minha maior vontade naquele momento,por incrível que pareça,não era enterrar minhas unhas no seu pescoço,mas sim meus braços.Apertá-lo com força contra o peito,dizer que o perdoava e que iria ficar tudo bem.Que a gente poderia ir pra sala,assistir The Graduate.Que eu sujaria seu controle de Nutella como da última vez,que comeríamos pizza e iríamos rir da típica frase “Mrs Robinson,you’re trying to seduce me”.Me deitaria em seu peito,quietinha,e adormeceria por lá.

Mas o que fazer com meu orgulho ferido?O que fazer com toda aquela mágoa enorme?O que fazer com meu coração frágil feito de bobo?

Deixei escapar um soluço seco,pois até agora eu lutara contra as lágrimas.Além do mais,havia o tal acordo matrimonial.
Eu havia parado para pensar nisso durante um bom tempo.Eu vi nos olhos do Sr.Mellark toda a simpatia que faltava nos de sua mulher.Vi que ele tinha um apreço enorme pelo filho,e queria vê-lo feliz,o que me leva a pensar que,para pedir a Peeta que aceite esse tal acordo,a situação devia estar péssima.

Acho que seria melhor para ele assim.Fazer o quê?A gente junto só sabe se magoar.Talvez a melhor opção para nós dois fosse deixá-lo ir.Seria fácil?Nem um pouco.
Mas,dessa forma,talvez ele pudesse ter um tempo para ele mesmo.Organizar as idéias.Me esquecer.Tentar de novo no amor,e dessa vez se sair melhor.
Sem brigas.Sem choro.A empresa do Sr.Mellark seria bem sucedida novamente.
Todo mundo feliz.

Então,aquela pequena parte do meu cérebro que eu chamo de “Voz da Razão” me chamou a atenção para algo.E eu?Eu conseguiria seguir frente?Eu seria feliz assim?

Não sei.Não quero saber,pelo menos não ainda.Além do mais, a vida sempre dá um jeitinho de se encarregar do resto.Eu ficaria bem.Melhor?Nunca.Mas bem,sim.
Afinal,eu era inconstante como uma tempestade.Capaz de fazer da minha briga meu abrigo,e tanto faz nunca satisfez o que eu preciso.Quero sempre mais,quero a paz que ele me prometeu.
Volto atrás,se ele voltar atrás assim como eu.

Uma batidinha na porta,que me arrancou dos meus devaneios.Ergui a cabeça,que em algum momento havia enterrado no travesseiro,e engasguei para o nada:

-Vai embora.

Eu ouvi um clique metálico,e em seguida Madge irrompeu no quarto.

-Não me diga o que fazer.-Ela disse,fechando a porta ás suas costas.

-Como...-Comecei eu,sendo logo interrompida:

-As fechaduras são todas iguais.Usei a chave do meu quarto.-Explicou,simples.

Madge se sentou ao meu lado.Ela me encarou,com a expressão neutra,procurando em meus olhos molhados alguma lágrima voluntária a escorrer.Nenhuma veio.Porém minha expressão deveria ser tão mortalmente ferida que ela suspirou fundo e segurou minha mão,como se eu estivesse morrendo.

-O que eu não entendo,criatura,é como você continua estacionando essa droga de coração em local proibido.-Ela disse.-Já não foi multada que chega?Quero dizer...Tyler,Jason,Peeta,Peeta de novo...Caramba.Onde mais precisa doer para você tomar jeito?

Eu a olhei torto.

-Que jeito gentil de consolar as pessoas.-Comentei com um resmungo.Madge revirou os olhos.

-Sei que você pode,talvez,estar achando que nunca mais vai transar na vida,que ninguém nunca peça para ser seu marido ou que aquela coisa de felicidade esteja cada vez mais longe,mas...

-Eu não estou achando isso.-Disse.-Ugh,Madge,que deprimente.

-Só estou dizendo que,-Continuou ela.-é só mais um relacionamento falido.Você ainda vai quebrar muito a cara por aí...Só relaxa,e chora um pouquinho.Tira esse peso de você.Ás vezes a nossa vida fica um lixo mesmo,mas não dá pra ficar feliz e saltitante o tempo todo.Nada é fácil.

-Madge,você é sensível como um tijolo.Mas,obrigada mesmo assim.-Eu disse,com a voz embargada sem querer.

A batida na porta se repetiu,e Madge se levantou para atender.Quando ela abriu,pude visualizar com certa dificuldade,duas pessoas lutando ardentemente no corredor escuro.Uma delas segurava a outra pela camisa e pelo braço,mas a outra tentava se desvencilhar com tudo.

-Ei,o que estão fazendo?-Madge perguntou,num sussurro rascante.-É melhor você não entrar,pelo amor de Deus.

A pessoa sussurrou algo de volta que eu não entendi,e conseguiu adentrar no quarto.O rosto de Peeta,vermelho pelo esforço,com os olhos inchados e a camisa toda marcada se fez presente.Gale entrou logo atrás,segurando seu braço.

-Por favor,fala comigo.-Ele pediu.Uma pontada dolorosa no peito me disse para pedir a Gale que  o tirasse dali.Mas eu não tenho sangue de barata,tenho?Olhei significativamente para os dois e eles balançaram a cabeça negativamente.

-Relaxem...-Nem eu mesma estava reconhecendo minha voz.Minha língua estava seca e pegajosa,e meus dentes doíam.Gale segurou a cintura de Madge e a guiou para fora,fechando a porta atrás de si.Peeta fungou,infeliz.

Entre nós a conversa sempre fluía espontaneamente.Ele falava um pouco,eu prestava atenção,e depois chegava a minha vez.Parecia que tínhamos algum segredo em comum.Mas naquele momento,estávamos agindo como estranhos um para o outro.
Eu não conseguia sequer sustentar o seu olhar,enquanto ele,por outro lado,me radiografava com seu azul-anil.A pergunta infantil escapou-lhe dos lábios:

-Você me odeia?

-Não.-Respondi.Acho que estava sendo sincera.-Só isso?

-Me dá uma chance de explicar o que aconteceu.

Eu não respondi.Peeta pegou minha mão,e eu não ofereci resistência alguma.Eu não estava emocionalmente resistente,e ele sabia disso.
Começou a falar,sem ponto ou vírgula.Uma história envolvendo Marvel,uma bebida amarela e ele não se lembrar de muita coisa.Ao fim,ele manteve o olhar fixo em mim,como se esperasse uma reação.

Como não esbocei nenhuma,ele suspirou.

-Você não acredita em mim,não é?-Sussurrou.

-Acredito.-Sussurrei de volta.-É que tudo isso parece tão errado.Nós.O que acontece com a gente...Quero dizer,Peeta,você nem me conhece direito.E eu também não te conheço.Com todos esses erros e desgraças acontecendo...eu me pego pensando se nós devemos mesmo ficar juntos.

-Temos todo esse tempo para tentar.-Ele disse.

-E nós tentamos.Mas olha onde estamos agora.-Eu disse.A voz saía de minha garganta rasgando-me por dentro.Eu não deveria ter aberto meu maldito bocão.

-Por favor,não desista de mim.-O tom de sua voz me fez desmoronar completamente,e eu mordi o lábio inferior para me impedir de chorar.
Eu não fiquei calada por falta de resposta,mas sim porque se eu falasse eu desabaria em um choro compulsivo e soluços brutais.

Peeta soltou minha mão.

-Você vai continuar aqui,não é?-Ele perguntou,com a voz falha.

-Acho que sim.Por Gale e Madge.Eles não ficariam sem mim,e sei que gostam daqui.-Disse eu.Peeta simplesmente assentiu e saiu,antes de ver a gota quente rolar pela minha bochecha.

Juro que amanhã mesmo demito o roteirista da minha vida.Não é assim que se escreve uma comédia romântica,seu retardado.

Deixei a mente saltar por conta própria,e quando dei por mim já estava no corredor.Olhei para o local onde eu e Peeta brigamos há pouco e constatei satisfatoriamente que seu celular se encontrava caído no mesmo local.
Apanhei-o e olhei a lista de contatos.Depois de descer um pouco,finalmente achei o número que estava procurando e,com uma ligeira hesitação,disquei rapidamente,com o coração pesado.

Não era o correto a se fazer,mas eu havia perdido a razão há muito tempo.

Peeta POV

Sabe o que é dormir uma noite péssima?O que é dormir com o peito latejando,a mente confusa e os olhos inchados?Eu sei.

Foi a pior noite de toda a minha vida.Eu me lembro de ter deitado na cama,incrédulo e dolorido.Minha cabeça explodiria se já não tivesse explodido.Eu estava torcendo para ser tudo um sonho muito,muito,muito ruim.

Uma noite recheada de pesadelos horrorosos,envolvendo Katniss,Marvel,a ruiva,Gale e a maldita bebida amarela.Eu ia matar o Marvel.
Mas eu não me importava,porque o maior pesadelo de todos era quando eu abria meus olhos no meio da noite,com a pulsação acelerada e encharcado de suor,e me lembrava de eu não poderia abraçá-la e pedir para que ficasse tudo bem.Acredite,dormir sem sonhar era o melhor.

E,quando acordei,para completar a desgraça,quase morro do coração.

Digamos apenas que levantar da cama,pesaroso e moído,ir até a cozinha para buscar um copo de água e encontrar seu pai estirado no seu sofá te olhando como um psicopata não seja minha ideia perfeita de “acordar bem.”

Assim que entrei na sala,eu estava tão grogue que nem notei sua presença ali.Apenas quando estava quase na porta da cozinha e ele exclamou:

-Bom dia,filho.-Eu notei.Dei um salto,ao sentir o arrepio do susto percorrendo meu corpo,ao mesmo tempo que fechava os olhos.

-JESUS-MARIA-JOSÉ!VOCÊ FICOU MALUCO???COMO ENTROU AQUI??-Gritei,com a mão no peito.Meu pai não respondeu.Ele simplesmente se levantou e me abraçou,com um sorriso no rosto.

-Ah,meu filho.-Ele disse.-Que bom que ouviu a voz da razão!

-Quê?-Perguntei,confuso.

-Decidiu repensar a decisão do acordo.Excelente!-Ele vibrava.

Eu estava meio perdido.Em parte por ser cedo,em parte pela dor de cabeça e em parte porque o que o meu pai estava dizendo não fazia sentido nenhum.Como assim repensar a decisão do acordo?Pai,querido,eu disse não.Se orienta.

-E então?-Ele repousou a mão no meu ombro,e eu ouvi o barulho de uma porta se abrindo.-O que me diz?Vai aceitar o tal acordo matrimonial?

Katniss apareceu no corredor.Meu pai não percebeu,mas eu a vi ali,só de pijamas,emoldurada no portal e me olhando.Tive a impressão de que ela ouviu a pergunta,e fixei meu olhar no seu ao responder:

-Eu aceito.