POV Peeta

Já deveria ser mais de 20h da noite quando eu decidi me levantar e virar gente.

Eu havia passado,veja bem,desde 12h30min. até aquele momento deitado –lê-se esparramado de forma nada formal- no sofá assistindo a uma maratona de Bob Esponja e Hora de Aventura na Nick e no Cartoon Network.Eu lembro que disse a Cato que era desenho de criança.Pois então,não era.
Me levantei vagarosamente,sentindo o braço esquerdo,sobre o qual estava deitado,adormecido.Vesti uma camiseta qualquer e uma bermuda confortável,apanhei a carteira e saí.
Talvez eu devesse chamar Katniss para sair comigo,agora que éramos “namorados”.Soava tão bobo para mim.
Bati em seu quarto 1,2,3,4,5,6 vezes,mas ninguém me atendeu.Ela deveria ter saído com Madge.

Me adiantei até o elevador,e a surpresa foi grande ao encontrar Delly Cartwright lá dentro.Ela não me olhou com cara feia ou de mau humor,como era de se esperar depois daquela noite.Quando me reconheceu,ela sorriu e me abraçou.

-Loirinho-Disse.-,quanto tempo.

-Oi,Delly.-Eu disse,sorrindo também.Era ligeiramente mais constrangedor para mim.

-Como vai?Eu não te vejo desde aquele dia.-Sério que ela não estava brava?

-Bem...retirando o fato de que quase perdi o pé esquerdo,estou bem.-Respondi,olhando o pé enfaixado.Ela desceu o olhar para ele,mas não se desgastou em perguntar como aconteceu.

-Tem certeza que está bem?Está com uma cara péssima.-Ela disse,e depois olhou nos meus olhos.-Oh,já entendi.É a garota,não é?Kathryn.

-Katniss.-Corrigi.-É,mais ou menos.

Delly Cartwright era pouco mais que uma estranha,mas eu dava a mínima para isso.Se eu estivesse com vontade de falar sobre meus problemas,eu falaria,desde que ela estivesse disposta a ouvir.

-Ah,vamos lá loirinho.Eu gostava era do garoto animado e engraçado que eu conheci,não essa coisa deprimente.-Delly disse,com um sorriso compreensivo.

-Eu faço tudo errado com ela.Até quando eu faço certo,eu faço errado.-Eu disse,de um modo  quase brusco,porque isso me irritava demais.

-Talvez esteja certo,mas ela não queira ver.Ela só precisa saber que não tem com  o que se preocupar,que você ta ali e tal...

-Uma garota me beijou na frente dela.-Acrescentei,infeliz.

-Mau começo.Mas...wow,você não tem cara de quem se abala por ninguém.Deve gostar mesmo dela.Bem,faça o que acha certo fazer.Se ela gostar mesmo de você,vai entender.Se não,talvez ela não seja sua garota certa.-Concluiu ela,e me deu um beijo na bochecha.Depois que as portas do elevador abriram,no 1 andar,ela saiu.-De qualquer forma,se não der certo,me liga.Quem vai estar perdendo é ela.

Eu sorri de uma forma débil,e coloquei a mão no bolso.Um papelzinho estava lá,e deduzi que talvez fosse o número de Delly.Eu ligaria para Delly Cartwright,com certeza,mas não para o motivo que ela estava pensando.
Ela seria uma amiga fantástica.A galera de New York sempre é.

O elevador só desceria mais um andar.Delly estava certa,eu deveria fazer o que eu achava melhor.Agora só precisava arrumar coragem para isso...

Quando ganhei o ar quente da noite,me senti muito menos sufocado.Sabe quando você se sente bem instantaneamente?A noite estava linda –existem noites feias no Hawaii?- e eu me sentia como se um peso enorme tivesse sido tirado de mim.
Tudo ali me fazia bem.O ar,o barulho leve dos carros,das músicas nos bares,das pessoas.

Larry’s havia se tornado meu restaurante preferido.Não só porque a comida era excelente,e eles tinham o melhor arroz havaiano da ilha,mas por causa do ambiente.Na primeira vez que eu fui,eu não parei muito para reparar,mas voltei lá mais vezes.Á primeira vista,era um lugar elegante e comum.Porém,quando você entrava,notava que todas as paredes ao redor das mesas eram de vidro,proporcionando uma vista maravilhosa da praia e do jardim que estava ao redor.Caso conseguisse a proeza de conseguir uma vaga no jardim,você seria privilegiado com um showzinho particular á noite,e o som das cascatas durante o dia.Era tão “feng shui” que se abrisse um desses em LA ia ser mil vezes mais concorrido.Era toda a paz do Hawaii concentrada em um lugar.

Eu caminhei de modo despreocupado até chegar na esquina em que se encontrava o restaurante e olhar para seu interior.Em uma das mesas,mais próxima á parede de vidro,estavam sentados Jason e Katniss.

Ele contava algo a ela,que ria de modo educado,porém histérico.Ela bebericou o vinho,e ele colocou sua mão sobre a dela.Ela não estava com a expressão abismada que eu vira quando Jason chegara,e nem parecia pálida.Excelente,então.Ela havia feito sua escolha.E escolhera ele.

Eu atravessei a rua e entrei em um bar.Um pub bem freqüentado pela melhor seleção de putas e bebuns do Hawaii,ironicamente posicionado em frente a um dos restaurantes mais chiques do lugar.Era um lugar para quem unicamente queria beber bebidas famosas ou exóticas,nada muito comum.Se você pedisse vodka,eles te dariam vodka com limão,gelo seco e o caralho a 4.Me joguei em frente ao balcão e bati na mesa.O bartender tinha um olhar vazio e louco de quem fumava maconha.

-Vodka.Á moda da casa.-Pedi.O cara se virou para trás e começou a preparar.Estava sinceramente temeroso com o que eles poderiam colocar na minha bebida.Mas foda-se.

O bartender voltou com a bebida.Estava azul e saía a fumaça do gelo seco.Tomei meio copo de um gole só.A música era sinceramente deprimente,e a fumaça doce dos cigarros irritava meus olhos.Eu não estava exatamente acostumado com isso,essa sensação de perder.Mas ultimamente eu vinha perdendo tudo.E tudo se resumia a ela.
Eu não queria perdê-la,por mais que eu fingisse não me importar.
Eu precisava dela.E isso me assustava.

Eu nunca tive tanta certeza de que a amava até vê-la com outro.
Delly talvez tivesse razão.Talvez ela não fosse a garota certa para mim.

Uma garota olhou para mim e piscou.Era bonita,mas seu rosto estava excessivamente maquiado.O último gole da vodka desceu queimando pela garganta,quando do outro lado da rua,eles se despediam na portaria.Ela o abraçou,e um gosto amargo desceu pela minha garganta.Eu perdi dessa vez.

Deixei o dinheiro no balcão e saí.A noite não parecia mais tão agradável.Meus passos eram curtos e rápidos.Talvez eu ligasse para Glimmer.Não que eu achasse certo usá-la desse jeito,mas eu precisava urgentemente esfriar a cabeça.

Mas estava tudo bem.Estava calmo e ponderado.Mesmo que minha maior vontade naquele momento era sair descendo o braço em todo mundo,dizer um bocado de verdades e sair pisando duro,eu não ia fazer nenhuma loucura.
Eu só precisava de alguém com quem chutar o pau da barraca,e digamos que Cato não era a pessoa mais paciente para isso.

Entrei no hotel de maneira rápida e rude,quase sem olhar para frente,mas antes que chegasse ao elevador dei um encontrão em alguém.A pessoa me segurou antes que eu caísse,mas eu me desvencilhei com brutalidade.Gale não pareceu se importar,mas impediu que eu avançasse.

-Que merda você ta fazendo?-Perguntou.-Onde está Katniss?

Eu me tornei,entre o furioso e o transtornado.

-Com aquele mauricinho bosta.Mas o que eu tenho a ver com isso?Nada,né?Que se explodam os dois,eles se merecem.

-Você é muito burro.-Concluiu Gale.Ah,ok,já não bastava eu estar na pior ainda tínhamos o santo Gayle dos conselhos fudidos pra piorar.

-Olha,eu não to aqui pra...-Comecei.

-Pra de ser imbecil cara,e me escuta.Ela não voltou com o Jason.

-O quê?Como não,se eu vi os dois jantando juntos...ela toda feliz,mil sorrisos lá e tal?-Eu disse,confuso.

-Ela chamou ele para sair sim,mas não foi para reatar.Foi para terminar de vez,tchau,adeus Jason.-Ele explicou.-O máximo que ela quer dele é a amizade,e mesmo assim nem muito próxima.Ela te ama,seu tapado.

Eu não sei exatamente o que deu em mim.Eu não sei de onde arranjei energia para correr.Eu não disse nada a Gale,eu simplesmente saí correndo,completamente impulsionado pela adrenalina.Uma chance.Mais uma.
O ar mais frio da noite batia em meu rosto,enrijecendo os músculos mas eu nem ligava.Fui encontrá-la no meio do caminho,andando de forma calma e despreocupada.Estava linda.O cabelo não estava mais preso como no restaurante.Em algum momento o vento ou ela mesma o soltara.Os lábios,molhados não sei se pelo batom,vinho ou a própria saliva,estavam pintados de um carmim forte.A maquiagem nos olhos,apesar de básica,realçava surpreendentemente seus olhos muito claros.Eu derrapei na frente dela,que primeiramente me pareceu assustada e depois nervosa.

-Hum...oi.-Eu disse.Que droga,me deu um branco.Eu não sabia o que falar.

-Oi.-Ela respondeu.Ficamos alguns segundos em um silêncio horrível e constrangedor.

-Eu preciso falar com você.-Eu disse,tomando uma grande dose de coragem [em que 80% provinha do álcool no meu sangue.]

Ela me lançou um olhar encorajador,pedindo para continuar e eu engoli em seco.Faltava ar,faltavam palavras,faltava tudo.Não,nem tudo.Ela estava ali.E encarar seus olhos cinzentos foi o suficiente para que em mim viesse uma lufada de coragem.Respirei fundo.

-Há mais ou menos duas semanas atrás,eu não conseguia me imaginar passando a vida com uma única pessoa.Mas agora....agora eu não consigo me imaginar passando um dia sem você.Tua ausência faz silêncio em todo lugar.E pra dormir em paz,a única coisa que eu preciso ouvir é um “eu te amo” seu.

A brisa agitou os cabelos de Katniss.Ela me olhava,inexpressiva.Eu comecei a me sentir um tolo,um retardado,um idiota.Até que seus olhos brilharam inocentemente,exatamente como no dia em que ela me dera um tapa.Mas dessa vez ela não me bateu.

-O problema é que eu to completamente apaixonada por você.E isso é uma merda,porque,quando você quer,você me quebra facinho.-Ela disse,com a voz falha.

E depois me abraçou.

De uma forma terna,confortável.Eu não sentia mais o frio da brisa.Apenas o cheiro adocicado do perfume de morango.Ela se afastou de mim,mas não tirei os braços de sua cintura.

-Só te peço uma coisa,então.-Ela disse.-Quando estiver comigo,realmente esteja.De corpo e alma.Não me venha pela metade.Não tenta me iludir com presentes ou coisas do tipo,jóias,carros e dinheiro não me interessam.Eu não quero saber quanto você ganha.Eu quero saber se ganha o dia quando está comigo.

Então ela me beijou.Por livre e espontânea vontade.Havia algo de tão sincero naquele beijo,algo de tão especial nas unhas que se entrelaçavam nos meus cabelos e algo tão doce em seus olhos que o fôlego era o menor dos nossos problemas.Pois o amor é um encontro.De você com você mesmo.É se enxergar nitidamente nos olhos do outro,mesmo que este esteja de olhos fechados.

E nem mesmo os clichês e entediantes pingos de chuva que nos encharcaram depois me incomodaram.Não há nada como a respiração profunda depois de um beijo bom.Finalmente,a barriga dolorida pelos motivos certos.

Me lembrei de uma citação antiga. “Encontre alguém que,entre as idas e vindas da vida,prefira ficar”.

Eu não me sentia azarado.Na verdade,eu só me senti sortudo por completo quando ela se curvou e sussurrou em meu ouvido:

-Eu odeio amar você.