Lembro-me de poucas coisas antes de vim parar aqui. Nesse lugar bem parecido com uma cidade fantasma, tudo em preto e branco e luzes ofuscantes em meu rosto, pelo menos sei que elas são só os faróis do carro, o que me acalma. Eu morri faz só alguns meses eu deveria estar triste e bem longe daqui, mas não consegui atravessar os portões para seguir meu rumo, minha jornada nesse mundo ainda não acabou. Costumo frequentar os restaurantes e “pegar” algumas comida, sem ninguém me ver. Tenho uma amiga aqui, o nome dela é Iza, também morta claro, mas de um jeito não tão trágico como o meu, ela sempre me segue e faz piadas, nada engraçadas, mas finjo rir. Iza passou vinte anos rodando por aqui, e sabia de muita coisa, ela me contou que tem um jeito de possuir os corpos das pessoas, também falou sobre pessoas que veem espíritos e que para enxergar com mais clareza, ou seja, sem o foco preto e branco basta se concentrar e pensar na vida. Vida, até parece uma palavra irônica pra mim, eu nem sequer vivi, morri com dezessete anos faltando um mês para fazer dezoito (sempre quis ser maior de idade!), minha vida em tese foi detestável, minha mãe era uma egocêntrica e ruim, ela ignorava todos os direitos humanos ( ela era advogada) e não ajudava a família. Eu nunca havia conseguido compreender isso, como essa mulher minha mãe poderia ser tão ruim, minha vó passava fome (se não fosse por mim) e ela ignorava totalmente. Estou intacta, não posso sair daqui, preciso ir pro céu... Mas não quero e não sei como fazer isso!

Um papel caiu sobre a mesa. Iza surgiu ao meu lado cantarolando como sempre.

-O que é isso – perguntei.

-Um papel – ela falou

-Jura – tentei parecer irônica – Eu nem percebi, sabia

Iza me ignorou, sentou ao meu lado e fez uma caneca de café aparecer misteriosamente. Sempre que eu pergunto sobre como faz isso, ela enrola e muda de assunto.

-Papel! Papel! Papel – ela cantarolava – Eu amo papel!... Agora é sério, eu finalmente recebi a carta divina!

Não era possível! A carta divina? Ela estava seriamente brincando, eu sempre quis receber a carta divina, a carta que lhe dava permissão para tomar seu rumo. Quão divina era essa carta, constava seu futuro e a ida dessa isolação, mas eu ainda nada fiz nada de bom, nada de importante... Nada que me fizesse sair daqui. Toquei o papel. Nesse instante senti um choque elétrico em meu corpo, quase como uma ordem de que eu não triscasse ali. O papel voou para mão de Iza e se encaixou perfeitamente entre os seus dedos. Ela me olhou com uma expressão triste. Estava indo embora!Lágrimas escorreram pelos os meus olhos, eu não sabia nem que podia chorar. Iza triscou em meu rosto e pétalas vermelhas caíram sobre mim, enquanto sua mão descia pelo meu rosto, todo o seu corpo parecia brilhar e se dissolvia cada vez mais... Indo embora. Indo para o céu! Eu sempre tive certeza de que ela ia pro céu, ela tem que ir... Ela é boa e foi à única que falou comigo. As outras almas são tão frias!

- Tchau anjo! – resmunguei ao ver a ultima pétala caindo no chão.

De repente bum! Eu não estava mais sentada em uma mesa e sim flutuando numa espécie de capsula pequena, tudo era branco e as luzes machucavam meus olhos. Olhei para mim, eu estava divinamente perfeita, usava um vestido branco que ia até o meu pé e meu cabelo preso a um rabo de cavalo. Na minha frente uma onda frenética, quase com um furação se formando e vindo à minha direção. Queria gritar... Queria tanto gritar, mas só me restou ficar lá parada olhando enquanto a onda vinha até mim. Fechei os olhos e supirei.

∞

Nada aconteceu. Arrisquei abrir os olhos e tinha sumido, não havia nada lá além de cinzas e luzes. Tampei meus ouvidos ao ouvir um estrondo.

- Annabeth Chase!

Alguém tinha pronunciado meu nome. A voz vinha bem atrás de mim. Virei-me e vi um anjo.

-Annabeth vejo que se superou, não gritou e não se moveu. Estou orgulhoso!

Quem era aquele anjo? O que ele queria comigo? O que eu fiz? O anjo me rondou, ele era divino assim com eu imaginava como os anjos eram: cabelos loiros e olhos azuis.

- Você é...

-Sou o anjo John! Você passou no teste. Bom me escute tenho muitos outros afazeres. Você tem a chance de receber a carta divina, mas para isso tem que fazer algo divino. Então eu e a anja Nat decidimos que você poderá vagar pela terra como espírito lógico a procura de alguma coisa especial para fazer. Lembrando: Você vai ter todas as habilidades que a amiga Iza, porém ignore os humanos que podem ver espíritos. Nada de falar com humanos. A Iza mandou beijos!

Ele me entregou uma caixinha vermelha, eu tinha muitas perguntas mas todo o que falei foi:

-A Iza está bem?

John riu e partiu.

Caí!