Olá, faz bastante tempo, não?
Estou aqui para agradecer a você, que desde quando eu era um pequeno e indefeso feto, cuidou de mim e me alimentou. Eu fui crescendo e ficando mais forte e mais forte, até que você me esqueceu.
Muito tempo depois, você voltou a cuidar de mim e então me deu pernas, pernas fortes e sadias para que eu pudesse ir e voltar sozinho. No inicio nós não nos encontrávamos com frequência, só uma vez aqui e outra lá, casos raros e encontros casuais, quero dizer, nós não marcávamos nada, só nos encontrávamos e ficávamos como sempre ficamos. Mas nossa “relação” foi crescendo e crescendo, e começou a se tornar forte. Eu comecei a ficar mais próximo de você... Sabe eu não conseguia ficar longe...
Não, não consegui, na verdade nem tentei... E apesar de saber que tudo aquilo era errado continuava me chamando e alimentando minhas esperanças. Foi quando aquilo aconteceu, eu achei estranho, pois você não se lembrava de mim, tinha coisas mais importantes pra se importar, mas eu não entendia, havia um motivo por trás disso... Um motivo tão forte, mas você não dava nenhum sinal e simplesmente não se lembrava de mim.
Foi quando você ouviu aquela baboseira sobre o tempo como era mesmo?
“O tempo cura nossas feridas.”
Você como sempre assentiu com a cabeça e nem pensou no assunto, mas o que você não sabe que isso pesou em tudo o que você é e tudo o que poderia ser... Engraçado não? Como uma pequena frase muda todo o curso uma vida. E então depois de um tempo você, me chamou novamente, e eu obediente como sou, fui até você, mas agora era diferente, era profundo, mais profundo que qualquer coisa que alguma vez eu senti de você, e desta vez, somente desta vez resolvi ficar. E finalmente você tinha me dado braços, eu podia exercer minha vontade sobre você, sem você perceber, eu podia te manipular e brincar com você do jeito que eu quisesse eu tirava aquilo que eu precisava, e também o que eu não precisava, afinal eu só estava fazendo meu trabalho exercendo meu papel. E aquilo voltou, e nos tornamos mais íntimos eu não podia viver sem você... Não diga que isso é culpa minha, nada disso, você sabe que a culpa é inteiramente sua, você me deixou entrar, me deixou ser parte de você, e queria que eu simplesmente fosse embora? Eu entendo, é impossível resistir, hora ou outra, todos vocês me chamam. Eu não podia eu tinha que estar ali até o último momento até a última gota. Foi quando você percebeu que comigo por perto não conseguiria suportar. Rezava aos deuses e suplicava aos homens para que eu fosse embora, pedia aos céus e aos infernos para tirar-me dali, implorava por 5 minutos de trégua, mas eu não conseguia, eu não queria, ficava cada vez melhor e mais gostoso ficar perto de você. Foi quando você me deu a consciência, quando me deu o poder de tomar controle total sobre você. Sabe de uma coisa? Na primeira oportunidade que me deu eu o fiz. Tomei controle sobre você e então me tornei onipotente. Você soube quem eu era e o porquê de eu estar ali, no fundo acho que sempre soube, mas um pouco tarde demais. Seus últimos segundos, os segundos mais dolorosos de toda sua miserável vida, para mim foram os melhores, os mais intensos, regados a desespero, desolação e desesperança.
Quando você saltou, por uma fração de segundo se sentiu bem, mas isso durou até perceber o que te aguardava, quando você bateu contra o solo quebrando todos os ossos de seu corpo, o sentimento cessou, e eu voltei a ser um feto, bobo e frágil, capaz de evoluir novamente em um hospedeiro que me alimentasse devidamente, um hospedeiro que alimentasse sua tristeza.