É agosto, seu mês favorito. Você ama os longos dias claros, não é? Sempre preferi o frio úmido do outono, as folhas alaranjadas cobrindo o chão. Hoje é uma combinação de ambos os gostos: os arredores do lago estão iluminados, radiantes com o pôr-do-sol que se aproxima, e as árvores ainda gotejam a chuva da noite curta.

Foi tudo tão rápido quanto o verão.

Pela trilha estreita, caminho só. Muitos cruzaram o bosque na mesma direção que eu hoje, mas ninguém está aqui agora. Estou atrasado e sei disso. É de propósito. Ando mais devagar para me relembrar de que não é por acaso.

Minä pukeudun mustaan

(Eu me visto de preto)

Takkiin ja liiviin

(Casaco e colete)

Haaveesi täyttyy

(Seu sonho se torna realidade)

Sä valkeaan verhoudut

(E você se veste de branco)

Eu poderia não ter vindo, e mesmo assim estou na sua lista. Poderia ter odiado o mundo como fiz tantas vezes até pouco tempo atrás. Poderia ter acendido a lareira, desnecessária nesta época, apenas para ter o prazer de assistir à bela caligrafia dourada de seu nome se retorcer no fogo. Sou indesejado no lugar para onde estou indo agora, e vou de qualquer modo. Não há motivo para seguir em frente e virar à esquerda ao passar pelo carvalho, e é isso que vou fazer. Eu tinha certeza de que este dia, hoje, iria chegar, fosse ele de fato hoje ou não. E, quando fatalmente desdobrei sua carta, me surpreendi comigo mesmo, com a paz que me habitava. Mais ainda porque a calma me pareceu natural.

Quem será que eu estava me tornando? Sorrio, mesmo que ninguém veja.

Quando reflito a respeito, não me sinto mais o mesmo, confesso. Não consigo uma explicação exata, não uma que demonstre por inteiro quem sou neste momento. A confiança silenciosa de que alguém querido está num lugar melhor talvez seja uma boa tentativa. A sensação de que uma parte de mim foi arrancada e apenas me anestesiei possa completar a imagem, quem sabe. A placidez daquele que espera a morte sem medo é uma sugestão interessante. O fato é que não estou completo. E a dor é suave, branca, pacífica. Não me faz em pedaços.

Ainda é longe, mas já posso ver. Mulheres e homens vestidos como eu. E então, você, solitária como eu.

Olet kaunis kuin muisto

(Você está bela como uma memória)

Viipyvän unen

(De um sonho duradouro)

Elokuiseen iltaan kun

(Em uma noite de agosto)

Valkeaan verhoudut

(Você se veste de branco)

Se pudesse, perguntaria a você se a minha presença te choca. Se era o que você esperava de mim. Se você esperava alguma coisa, qualquer coisa de mim. Não posso perguntar, pois sei que você não vai ouvir e que não devo falar com você. Seu destino, seus deveres, seu lugar, são totalmente diferentes do meu agora. Aquilo que um dia foi nosso ficou para trás, é uma lembrança que vai envelhecer, uma vida que preciso matar antes que se torne... Viva demais outra vez.

Pessoas te cercam, todas em seus lugares. Seriam as mesmas que estariam à nossa volta se tudo tivesse sido diferente? Elas carregam em seus rostos, ou sobre suas máscaras, o mesmo sentimento que carregariam? Juntos, poderíamos parar, observar e pensar, como nos nossos jogos. Era disso que você gostava em mim, não era? Que eu transformava tudo em um jogo. Esse modo novo, diferente de ser. Mesmo nas minhas condições, eu mesmo e minha lógica não me deixam fugir.

        

Tanssikaa, te vieraat

(Dancem, convidados)

Ja ruusuja tuokaa

(E tragam suas rosas)

Valssiin kun vanhuskin taipuu

(Quando os idosos se curvam para a valsa)

Tanssikaa, te vieraat

(Todos os convidados dançam)

Nyt laulakaa, juokaa

(Agora cantam e bebem)

Häävalssi mollissa kaikuu

(A valsa de casamento soa em menor)

Logo, deve anoitecer. A música corre por meus ouvidos. Há luzes por todos os lados, acendendo-se aos poucos, flutuando no ar. Em mais um agosto onde a escuridão demora a vir. Sei o quanto você ama isso. Como se isso tivesse nascido com você. Com a mesma certeza que eu te amava. Escondo qualquer vestígio. Ninguém pode saber.

Minä lauluni lasken

(Eu abafo minha canção)

          Suruhunnuksi juhlaan

(O véu de luto sobre a festa)

          tarinaan jää virhe

(Na história ficará um erro)

          tuo morsian ei oo mun

(A noiva não é minha)

É então que eu vejo de fato. Não imagino, não fantasio, ninguém me disse. Você entregue a outros braços, não aos meus. Deveria doer. Dói e não dói. É como olhar para um corte que sangra num corpo que nada sente.

Assisto a tudo em silêncio, sem ser notado. É melhor que não me percebam. O resto do mundo sumiu. Só existe o agora e o aqui. Eu e você.

É só neste momento que a anestesia de antes passa. Aos poucos, ela vai embora, uma cortina erguida para a verdade. Noto o quanto estou ferido e não senti. O quanto ignorei minha vida correndo para fora de mim. Como isso tudo é real, concreto. Sem retorno. Eu também tinha sonhos, querida. Tinha, sim.

Minä pukeudun mustaan

(Eu me visto de preto)

Yöhön ja tuhkaan

(Na noite e em cinzas)

Haaveeni jäähtyy

(Meu sonho resfriará)

Kun valkeaan verhoudut

(Quando você se vestir de branco)

Não choro, mesmo que eu queira. Não é hora para isso e não tenho lágrimas. Que tudo continue como está. Que ninguém pare a cerimônia. É assim que deve ser. Não sei por que, só sei que é como as coisas devem seguir. Como em uma prece, eu peço por isso e digo adeus. É para sempre.

Tanssikaa, te vieraat

(Dancem, convidados)

Ja ruusuja tuokaa

(E tragam suas rosas)

Valssiin kun vanhuskin taipuu

(Quando os idosos se curvam para a valsa)

Tanssikaa, te vieraat

(Todos os convidados dançam)

Nyt laulakaa, juokaa

(Agora cantam e bebem)

Häävalssi mollissa kaikuu

(A valsa de casamento soa em menor)

É aquilo que chamamos de último desejo.