Plantio Maldito escrita por fosforosmalone


Capítulo 1
Genêsis


Notas iniciais do capítulo

A fic é um prequel do conto "As Crianças Do Milharal", mas também pode ser vista como um prequel de sua adaptação, o filme "Colheita Maldita".

A história também pode ser apreciada por aqueles que ainda não tem conhecimento deste universo criado por Stephen King, já que não revela o desfecho da obra original.

Alguns personagens são citados no conto original e desenvolvidos por mim aqui. Outros são de minha propria autoria.

Boa leitura, e espero que gostem!



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"Você beberá do riacho, e dei ordens aos corvos para o alimentarem lá". (Livro Dos Reis. Antigo Testamento)





CEMITÉRIO DE GATLIN



O sol se põe na cidade de Gatlin, trazendo uma brisa fresca para aliviar o intenso calor. Um grupo de pessoas está reunido em torno de um túmulo, enquanto o caixão é baixado lentamente. Um homem alto, de cabelos grisalhos e batina branca está do lado oposto ao das pessoas que assistem o enterro. O religioso fala com voz potente, mantendo os olhos fechados.

PADRE HORTON

Do pó viemos, e ao pó voltaremos. Que Deus receba a alma de nosso irmão Johnny em seu reino, e o perdoe de todos os pecados que ele possa ter cometido em vida. Oremos.

A maior parte dos presentes abaixa a cabeça, e fecha os olhos para orar pela alma de Johnny Franklin. Mas o Xerife Timoth Harris mantém os seus olhos abertos, observando as pessoas ao redor. Assim como Timoth, que trocara o seu uniforme azul por um paletó preto, todos ali também estavam de preto, excetuando o padre.

Harris não é religioso, diferente da falecida esposa. Timoth tem plena consciência que é o Xerife de uma cidade onde a religião é muito influente, portanto está ali somente pela imposição do cargo que ocupa, e não por um dever cristão, como a maioria. Muitos dos presentes não sentiriam falta do morto. Johnny era um alcoólatra. Não fora nem uma e nem duas vezes que Julie Franklin fora buscar o marido na cadeia depois de ele ter arranjado confusão em algum bar. Como recompensa, tudo o que Julie recebia era pancada. A mulher nunca dissera nada á ninguém, mas Gatlin inteira sabia.

Mas nenhum dos cidadãos parecia se preocupar com Julie. E o pior, havia o pequeno David, filho do casal, exposto as bebedeiras do pai e a fraqueza da mãe. O Xerife Harris queria ter feito algo para ajudá-los, mas estava de mãos atadas sem uma denuncia de Julie. Ao olhar para a viúva, com as mãos nos ombros do filho, Timoth não pôde deixar de pensar que a morte do marido era uma benção e uma maldição para Julie Franklin. Se por um lado, os maus tratos teriam fim, por outro, Julie tinha agora não só um filho para criar sozinha, mas também as dividas do marido.

Eram tempos difíceis. Como grande parte do estado do Nebraska, Gatlin tinha na agricultura a sua principal fonte de renda. Mas nos últimos três anos, o clima voltou-se contra o pequeno povoado. O grande milharal que cercava a cidade já não vingava mais como antes. As últimas colheitas foram as piores em mais de cem anos. Johnny era um dos tantos moradores que tinha uma pequena fazenda de milho, e que estava sofrendo com a crise. Sua situação fora agravada pelas noites de jogo e bebedeira. A pressão fora demais para o homem, que acabou por enfiar uma espingarda na boca, e atirar.


CASA DO XERIFE


Ao entrar em casa, Harris sente o cheiro de café fresco, e ouve no rádio a musica “House Of The Rising Sun” do “The Animals”. Timoth adentra a cozinha, e vê Linda, sua filha mais velha, servindo ovos mexidos no prato de Kathryn, sua segunda filha, uma menininha morena de cinco anos, e olhos castanhos, que parecia uma bonequinha em seu vestido rosa.

Linda completara dezessete anos á poucas semanas. Ela tem belos cabelos ruivos caídos até os ombros, e olhos verdes como os do pai. A garota usa uma blusa verde e uma saia vermelha. Embora não fosse nenhum velho (tem quarenta e três anos), Timoth ainda não havia se acostumado com as combinações de cores que os jovens andavam usando. Mas Linda sempre foi uma ótima filha. Roupas coloridas não mudavam isso. Além do mais, a jovem vinha suportando muita coisa ultimamente.

Há dez meses, sua esposa Martha falecera durante o parto do terceiro filho do casal, Dan. Foi um golpe duro para Timoth, e ele não sabe se teria conseguido aguentar se a filha mais velha não estivesse lá para apoia-lo. Linda foi obrigada a amadurecer rápido demais para ajudar o pai a cuidar dos irmãos.

Kathryn era só uma criança que ainda não entendia direito por que perdera a mãe. E Dan era um bebê que necessitava de cuidados. Outras jovens poderiam ter fraquejado, mas Linda manteve-se firme ao lado do Xerife, dedicando-se aos irmãos o máximo que podia. E era exatamente o que ela estava fazendo quando Timoth Harris voltou do enterro.

LINDA

Oi Pai. Como foram as coisas?

TIMOTH

Tristes.

O Xerife senta-se ao lado da filha menor, que bebe uma xícara de café com leite.

TIMOTH

E você princesinha, como passou à tarde?

Kathryn vira-se para o pai com um pequeno bigode de café com leite, e diz aborrecida.

KATHRYN

Foi legal. Só que a Linda não deixa fazer nada! E fica ouvindo essas musicas o dia todo!

Timoth presta atenção no ultimo trecho da musica que diz “E tem sido a ruína de muitos pobres garotos, e Deus, eu sei que sou um”.

TIMOTH

Parecem as musicas que os bêbados cantam nas celas da delegacia (Diz com desaprovação).

A garota senta-se ao lado do pai, segurando o próprio prato, e diz com censura.

LINDA

Não implica, pai! As musicas do “The Animals” são legais! Vai querer um ovo mexido?

TIMOTH

Obrigado, mas eu to sem fome. Onde está o Dan?

LINDA

Esta lá em cima. Dei uma espiada nele não faz cinco minutos.


QUARTO DE DAN


Harris se aproxima do berço onde dorme o seu filho. Ao olhar dentro do berço, Timoth vê a criança olhando curiosa para ele. Delicadamente, ele pega o bebê, o aninhando em seus braços.

TIMOTH

– Ouviu o papai chegando?

Dan responde apenas com os típicos balbucios de bebê. O Xerife sorri diante das tentativas falhas de comunicação do filho. Ele amava aquela criança de todo o coração. Fora o ultimo presente que Martha deixara para ele. E o homem o amaria da mesma forma que amava as outras duas filhas. O Xerife beija o filho amorosamente na testa, e o leva para fora do quarto.


FAZENDA FRANKLIN


A noite já caiu sobre Gatlin. David Franklin se encontra deitado em seu quarto. Quem olhasse para o menino de oito anos, moreno e de olhos verdes, fitando o teto do quarto, poderia supor que ele estivesse morto, tamanha era a sua imobilidade. Sua mãe entra cuidadosamente pela porta aberta, olhando para o filho com preocupação.

JULIE

Quer que eu prepare alguma coisa pra você comer?

David permanece em silêncio.

JULIE

Se precisar de qualquer coisa, vou estar no quarto (Diz aflita)

Julie se retira, e em seguida, o garoto escuta o som da porta do quarto da mãe bater com força. David sabe exatamente o que a mãe vai fazer agora. Ela vai se trancar no quarto, e se entupir de remédios para dormir, como fazia na maioria das vezes em que se via diante de um problema. Esta “mania” da mãe causava em David uma mistura de pena e desprezo. Como era possível que sua mãe fosse tão fraca que não fosse capaz de protegê-lo naquele momento?

Pior, como Deus, que o Padre Horton dizia ser tão poderoso e bondoso, capaz de ver a tudo e a todos permitia que ele sofresse, com aquela família horrorosa? Como permitia que a cidade sofresse tanto com a fome e a miséria provocada pelas colheitas ruins? A última pergunta de Johnny Franklin ainda ecoa na cabeça do filho. Deus havia abandonado Gatlin?

Neste instante, David ouve um leve ruído ritmado. O menino olha assustado ao redor do quarto, procurando no escuro a fonte daquele repentino barulho. Mas ao olhar para a janela, a criança se acalma ao ver um corvo bicando o vidro insistentemente.

Os pais de David detestavam corvos. Diziam que eles acabavam com a plantação. Mas o menino sabia que os animais eram o menor dos problemas enfrentados pelos milharais da cidade. Além disso, o garoto admirava a coragem dos pássaros em ignorar completamente os ridículos espantalhos que seu pai e os outros adultos da cidade espalhavam pelo milharal.

Sem saber o porquê, a criança levanta-se, e abre a janela. O corvo entra batendo as asas e pousa em cima do armário. David anda lentamente até o armário, olhando para o pássaro, que o encara de volta com vívida atenção.

DAVID

O que você tá fazendo aqui?

O corvo grasna em resposta, e voa pela porta aberta. David corre para o corredor e vê o pássaro empoleirado no corrimão. O menino vai em direção ao animal, que volta a alçar voo, planando para o andar de baixo. O garoto desce as escadas correndo. Ao chegar ao pé da escada, ele volta a ver o corvo, desta vez, empoleirado sobre a maçaneta.

Ao se aproximar, o menino sente uma pontada de medo. Ele vira-se para o armário de ferramentas do seu pai sob a escada. O menino abre o armário, e retira uma velha foice de uma das prateleiras. O corvo continua a observar a criança, sem demonstrar reação. David vai até a porta, mas antes que toque a maçaneta, o corvo volta a alçar voo. Desta vez, o menino pode sentir as asas do animal roçarem o seu rosto. O garoto abre a porta, e segundos depois, o corvo passa por cima de sua cabeça, e some no céu noturno, sobrevoando o milharal.

Enquanto desce os degraus da varanda, David observa o milharal em frente á sua casa. Há algo diferente neles. Antes do anoitecer, os pés de milho estavam secos e fracos. Mas agora, mesmo tendo somente a luz da varanda como única fonte de iluminação, o garoto consegue perceber que a primeira fileira do milharal ostenta pés de milho vistosos e saudáveis.

Havia mais alguma coisa diferente. David pode ouvir alguém andando por trás das fileiras. Mais do que isso. Ele pode sentir que há alguém andando por trás das fileiras. Repentinamente, uma voz falou com ele. E ao ouvir aquela voz, David sentiu medo, mas também profunda admiração.


QUARTO DE KATHRYN: MANHÃ SEGUINTE


O quarto da pequena Kathryn Harris é banhado pela luz do céu no momento em que o pai da menina abre as cortinas. A garotinha revira-se na cama, cobrindo-se com o lençol.

TIMOTH

Levante e brilhe, mocinha (Diz puxando o lençol).

A menina senta-se na cama, ainda esfregando o rosto, e põe os chinelos.

TIMOTH

Anda, vai lavar o rosto. Daqui a pouco Linda vem te ajudar com o uniforme.

A menina vai emburrada para o banheiro. Timoth sai do quarto de Kathryn, e bate na porta do quarto ao lado, pertencente á filha mais velha.


QUARTO DE LINDA


Linda esta sentada em frente a sua penteadeira, fitando-se no espelho, com uma expressão angustiada no rosto. Ela já esta usando o uniforme do colégio, mas a péssima noite de sono que teve pode ser constatada em seus olhos cansados. A garota sobressalta0se ao ouvir as batidas na porta. Ela rapidamente levanta-se da cadeira onde está. Só uma pessoa bate na sua porta.

LINDA

Entra pai.

Timoth abre a porta, permanecendo parado na soleira.

TIMOTH

– Você pode ajudar a Kathryn a se arrumar enquanto eu preparo o café de vocês duas e esquento o leite do Dan?

LINDA

Claro, pai (Diz cansada)

A moça passa por Timoth na porta, mas ele delicadamente pega o ombro da filha.

TIMOTH

Espere ai. Você tá com algum problema?

LINDA

Problema? Claro que não!

TIMOTH

Eu conheço você. Tem alguma coisa te incomodando.

LINDA

Eu já disse que não tem! (Responde ela com contida irritação)

Por um instante, Linda arrepende-se do seu tom de voz, já que vê magoa e irritação surgir nos olhos do pai, mas estes sentimentos logo são substituídos por compreensão.

TIMOTH

Talvez... Talvez você não queira conversar sobre esse problema comigo. Mas eu quero que saiba que estou aqui para o que precisar.

Pai e filha se encaram em silêncio. Linda baixa os olhos para o chão

LINDA

Obrigada, pai (Diz em voz baixa)

Neste instante, Kathryn sai do banheiro e fala impaciente.

KATHRYN

Linda! Pensei que você ia ajudar a me vestir.

LINDA

E vou. Vamos lá, resmungona.

Linda passou a mão pelo ombro da irmã menor, e a conduziu para o seu quarto.


ESCOLA BLOCH


Timoth estaciona sua caminhonete em frente á única instituição de ensino de Gatlin. A escola é dividida em dois pequenos blocos, separados por uma grande cerca de metal gradeado. O primeiro bloco abrigava os alunos do primário e do secundário. Uma pequena pracinha está instalada na frente deste bloco. Tanto o chão quanto as paredes são pintadas de azul e laranja, dando um ar bastante lúdico ao local. Já o segundo bloco recebe os alunos do ginásio. Ao invés de uma pracinha, há uma quadra poliesportiva. As paredes do local são cinzas e brancas, contrastando com as cores do bloco do outro lado da cerca.

As duas garotas descem do carro, uma após a outra. Ambas usam o uniforme da escola, uma saia verde musgo, e uma blusa branca. O bebê Dan já havia sido deixado na creche da cidade, administrada pela igreja local.

Timoth, já usando o uniforme e chapéu azul que o identificavam como Xerife da cidade também desce do carro, juntando-se as filhas na calçada. A adolescente dirige-se ansiosamente ao pai.

LINDA

Eu preciso ir. Quero falar com algumas amigas antes que a aula comece.

TIMOTH

Claro. Você pode ir.

KATHRYN

Tchau Linda! (Gritou abanando para a irmã).

A adolescente abana desanimada para a irmã, e desaparece ao passar pelo portão.

TIMOTH

Agora vamos, mocinha. Eu quero falar com Annie antes que a aula comece.

A menina olha assustada para Timoth.

KATHRYN

Por que quer falar com a minha professora, pai? Eu fiz alguma coisa de errado?

TIMOTH

O que quero falar com a Srta. Leigh não tem nada a ver com você (Diz tranquilizador).

KATHRYN

Mas então o que você quer falar com ela?

TIMOTH

Deixa de ser curiosa e vamos logo!

O Xerife e sua filha entram pelo portão que dá acesso a colorida pracinha. Algumas crianças já brincam por ali.

TIMOTH

Pode ir brincar com os seus amigos.

Kathryn lança um ultimo olhar curioso para o pai, e vai se encontrar com algumas amigas que brincam em um balanço da pracinha.

O Xerife Harris atravessa a pracinha, e entra em um amplo corredor, que é tão colorido quanto o pátio do lado de fora. Timoth anda calmamente passando por algumas poucas crianças que preferiram brincar por ali. O policial pára diante de uma porta aberta, onde se pode ver um cartaz colorido escrito “Turma C”. Uma bela mulher de cabelos negros e usando um comportadíssimo vestido cinza está sentada na mesa dentro da sala, escrevendo concentrada em seu caderno. O homem ergue a mão e dá duas pequenas batidas na porta.

TIMOTH

Bom Dia, Annie. Posso entrar?

A professora vira-se para a porta para ver o seu visitante. Ao ser fitado pelos belos olhos castanhos de Annie, Timoth lembrou-se quando ambos eram mais jovens e namoravam. Como ele adorava aqueles olhos! Na juventude, ele achava que amaria Annie para sempre. Mas então Martha apareceu, e tudo mudou. Ele se apaixonou perdidamente pela mulher que se tornaria mãe de seus filhos, e rompeu o namoro com Annie Leigh.

Contra todas as expectativas, Annie e Timoth tornaram-se bons amigos. No começo, essa amizade gerou intrigas e fofocas na cidade, mas Martha nunca se importou. Tinha convicção de que Timoth lhe era fiel, e dizia inclusive gostar de Annie. Embora elas nunca tenham se tornado amigas de fato, Annie fora convidada para jantar pela falecida Sra. Harris mais de uma vez.

Annie tornou-se professora logo que Linda entrou na escola, e por essa razão, sua convivência com o casal Harris diminuiu. Entristecia o Xerife o fato de Annie nunca ter se casado, e ele torcia para que não tivesse nada a ver com isso. Desde a morte do pai há cinco anos, a professora tornara-se uma mulher solitária, excetuando um ou outro namoro mal sucedido com forasteiros, até onde ouvira falar. Por não seguir as regras sociais de “casar na idade”, a professora era um alvo fácil para as línguas ferinas de Gatlin, e Timoth não hesitava em usar a sua autoridade para sufocar tais comentários quando tinha a oportunidade. Pois apesar de não amar mais Annie, nunca deixou de respeita-la, admirá-la, e confiar nela.

ANNIE

Claro. Entre Timoth. O que faz por aqui? (Diz sorrindo amigavelmente)

O Xerife entra retirando o chapéu da cabeça, revelando os cabelos pretos que aos poucos começam a ficar grisalhos, e aproxima-se da mesa da professora.

TIMOTH

Eu precisava pedir um conselho. Na verdade, talvez seja um favor.

ANNIE

Anda tendo algum problema com a Kathryn?

O xerife torce levemente o chapéu nas mãos, parecendo hesitante.

TIMOTH

Não. Com Kathryn as coisas estão calmas. Quer dizer tão calmas como poderiam com uma menina espoleta como ela. O meu problema é com a mais velha.

Annie arregala os olhos, espantada.

ANNIE

Linda? Mas Ela não é minha aluna há muito tempo. Eu não vejo como...

TIMOTH

Eu sei, mas eu realmente preciso de ajuda com ela. Eu tenho certeza que Linda esta com algum problema, mas não acho que seja algo que ela queira... Conversar com o pai, entende?

ANNIE

Entendo, Tim. E eu adoraria ajudar, mas...

TIMOTH

Ela gosta muito de você. Até hoje ela diz que você foi a melhor professora que ela já teve. Linda tem suportado muita coisa desde a morte de Martha, e me apoiou muito. Tenho tentado fazer o mesmo por ela, mas acho que tem coisas que só uma mulher pode fazer.

ANNIE

Tudo bem, mas por que eu, Tim?

TIMOTH

Por que eu não confio em mais ninguém pra fazer isso por mim. Por favor, Annie, eu sinto que minha filha esta sofrendo. (Diz deixando escapar uma nota de suplica).

Annie olha em duvida para o Xerife, parecendo constrangida, mas enfim assente.

ANNIE

Muito bem. Eu vou falar com ela e ver o que eu posso fazer.

TIMOTH

Obrigado Annie. Eu sabia que podia contar com você (Diz sorrindo com gratidão).

Timoth volta a colocar o chapéu na cabeça, e dirige-se á saída. Ao chegar até a porta, ele volta-se para a professora.

TIMOTH

Só tome cuidado ao falar com ela, sim? Apesar de madura, ela ainda é só uma menina e...

A mulher lança um olhar rígido para o Xerife.

ANNIE

Eu vou falar com ela, Tim (Diz rispidamente).

O espanto no rosto de Timoth logo se transforme em um sorriso. Annie podia ser uma pessoa doce, mas nem por isso deixava de ter um gênio forte. Talvez essa tenha sido uma das razões de ele ter se apaixonado por ela quando ambos eram mais jovens.

TIMOTH

Claro. Como eu disse, confio em você.

PORTÃO DA ESCOLA BLOCH

Enquanto atravessa o pátio, o Xerife Harris vê a filha mais nova brincando no balanço com uma amiguinha. Não havia assunto que ele não pudesse falar com Kathryn. Em outros tempos, também fora assim com Linda, mas este tempo havia passado, assim como o tempo de Kathryn passaria.

Nesse momento, alguém esbarra de leve em Timoth. Alguém pequeno. O Xerife segura a reprimenda que ia dar ao ver qual criança esbarrou nele. Ninguém menos do que o mais recente órfão de Gatlin, David Franklin.

TIMOTH

Desculpe, David. Eu não vi você.

David encara Timoth com um olhar frio. Não parecia estar bravo, mas curioso. Entretanto, a curiosidade que brilhava no rosto do menino não era a típica curiosidade infantil, mas sim analítica. Aquele era um olhar que o Xerife não estava acostumado a ver no rosto de uma criança.

DAVID

A culpa foi minha, Xerife (Responde o garoto educadamente).

Definitivamente, Harris não estava acostumado com aquilo. Quando as crianças de Gatlin se dirigiam a ele, sempre era com certo medo respeitoso imposto pelo uniforme de Xerife. Mas Timoth tinha a ligeira impressão de que não havia nenhum sinal de temor na voz do menino, e apesar do tom formal, também não havia respeito.


PÁTIO DO COLÉGIO


É hora do intervalo na Escola Bloch. Vários alunos caminham pelo enorme pátio localizado atrás do colégio. Diferente do pátio frontal, que separa os alunos mais velhos dos mais novos através de um muro, este pátio não distinguia as crianças dos adolescentes.

A maior parte dos estudantes do ginásio preferia ficar no pátio frontal, ou nos corredores do colégio reservado aos últimos anos de ensino, para não ter que compartilhar o seu espaço com os pequenos. Mas este não era o caso de Richard Deigan.

Richard Deigan era um repente de dezoito anos, temido por alguns de seus colegas. Gostava de perseguir e implicar com os mais tímidos e fracos. Mas entre os alunos menores, era considerado um verdadeiro bicho papão. O rapaz roubava o lanche e o dinheiro de muitas das crianças, e as intimidavam, falando-lhes sobre o que aconteceria a elas caso ousassem contar alguma coisa a alguém.

Richard está escorado no muro, cercado por mais três amigos. O rapaz observa os alunos que passam, saboreando cada olhar de medo e admiração que lhe é lançado. Neste momento, um menino de cabelos escuros se aproxima do grupo. Deigan fita a criança com atenção, e incomoda-se ao perceber que o garoto aproxima-se dele sem demonstrar sinal de hesitação. A expressão em seu rosto é quase serena.

David para diante do grupo, e dirige-se diretamente a Richard Deigan, com a voz firme e tranquila.

DAVID

Eu preciso conversar com você.

Richard desencosta-se do muro, fitando David com desdém.

RICHARD

E o que um merdinha como você ia querer comigo?

DAVID

Eu sei por que você sente essa necessidade de se colocar acima dos outros, mas não precisa ser assim (Diz o menino inabalável).

Richard dá um passo na direção do menino.

RICHARD

Como é, moleque? (pergunta em tom ameaçador)

DAVID

Você sabe do que eu estou falando, Richard. Estou falando das suas noites sem dormir, e dos pesadelos que tem quando consegue dormir. Todo esse ódio dentro de você esta envenenando a sua alma. Mas eu posso...

Em um movimento rápido, Richard agarra a gola de David, puxando o menino para perto de si. Só as pontas dos pés da criança tocam o chão. A raiva faísca nos olhos de Richard Deigan.

RICHARD

Eu devia te fazer engolir os dentes por ficar falando essas merdas.

David estica o pescoço, até a sua boca ficar ao lado do ouvido do valentão. O menino fala numa voz baixa e tranquila.

DAVID

Ele me contou como você se excita, Richard. A forma pecaminosa com que você faz isso. Não consegue obter prazer nos seus devaneios se ele não for obtido à força, não é mesmo?

Richard sente a raiva borbulhar dentro de si, e atira o menino com força no chão. O adolescente dá alguns passos na direção de David, que continua a olha-lo de forma desafiadora. Raiva não é o único sentimento que o valentão sente por aquela criança neste momento. Richard Deigan também está com medo. Os amigos de Deigan olham para o seu líder, esperando alguma ordem.

RICHARD

Quem... Quem te contou essas mentiras, pirralho? (Pergunta com voz tremula)

Richard sabia que esta era uma pergunta vazia. Não havia como ninguém saber de suas “fantasias”. Deigan nunca contara a ninguém, e nem registrara em lugar algum. Mas aquele maldito menino sabia. Ele sabia.

DAVID

– Deus me contou, Richard. O verdadeiro. O do antigo testamento. Aquele que se importa com Gatlin. Aquele que anda por trás das fileiras.

Um silêncio sepulcral se instala. Tanto Richard quanto seus amigos olhavam para o garoto no chão com um misto de assombro e incredulidade. Neste momento, a Sra. Waton, uma das monitoras, uma mulher com cerca de cinquenta anos, que usava óculos e mantinha curtos os seus cabelos grisalhos, aproxima-se do grupo.

SRA. WATON

O que esta acontecendo aqui? Aterrorizando os menores de novo, Deigan?! (Pergunta em tom autoritário).

David levanta, espanando a poeira da roupa com as mãos.

DAVID

Não é nada disso, Sra. Waton. Eu caí.

Apesar da postura firme do menino, a monitora não parece convencida.

SRA. WATON

Pode dizer a verdade pra mim, David. Você não precisa ter medo desses valentões. Dou a minha palavra que eles não vão machuca-lo.

David olha de forma quase carinhosa para Richard e seus amigos.

DAVID

Eu não tenho medo deles, Sra. Waton. O único que devemos temer é Deus, a senhora não concorda?

Ele sorri para a monitora, que sente um arrepio percorrer-lhe a espinha.

DAVID

Eu preciso ir agora. O recreio esta quase no fim. Terminamos nossa conversa depois, Richard, e pense sobre o que eu disse, tá?


CORREDOR DO PRÉDIO DE GINÁSIO


Linda Harris esta sentada em um dos vários bancos de madeira espalhados pelos corredores do Ginásio Bloch. A garota olha tensa para o relógio no alto da parede, constatando que faltam pouco mais de cinco minutos para o fim do intervalo. Ela precisa falar com Rob antes que o recreio chegue ao fim.

Foi então que a garota viu Rob Soul surgir no corredor acompanhado de seus amigos, e sentiu seu coração acelerar dentro do peito. A garota levanta-se e anda decidida em direção aos garotos. Ao ver Linda se aproximando, Rob abre um grande sorriso.

ROB

Oi Linda, tudo bem?

LINDA

Oi Rob. E ai pessoal, tudo bem? (Diz dirigindo-se ao resto do grupo)

AMIGO DE ROB

Salve a madame justiça!

Um dos amigos de Rob ensaia uma reverência, e todos, exceto Rob, caem na gargalhada.

ROB

Vocês querem parar com a palhaçada?!

Constantemente, Linda sofria provocações por ser a filha do Xerife. Isso nunca a incomodou, e especialmente hoje, ela sequer deu-se ao trabalho de responder.

LINDA

A gente pode falar... A sós? (Diz olhando constrangida para os outros garotos)

Os amigos de Rob voltam a cair na gargalhada e fazer piadas.

AMIGO DE ROB

Cuidado Rob. O pai dela te põe na cadeia.

Mais risadas. Desta vez é Rob que os ignora.

ROB

Claro Linda. Vem comigo.

O rapaz pega a garota pela mão, e a leva para longe. Linda mal percebe para onde Rob a esta levando. Tudo que ela quer é ter aquela conversa com o namorado de uma vez, e se livrar do fardo que estava carregando. Quando se deu conta, Linda estava de baixo da escada, perto do armário de produtos de limpeza. Não era um lugar romântico, mas era reservado o bastante para ela conversar o que queria com ele.

ROB

Então? Pode falar.

Linda olha fundo nos olhos de Rob.

LINDA

Na festa da Cissy, você falou em me pedir em namoro. Você falou sério?

ROB

Claro. Por mim, eu já tinha falado com o seu pai, mas você disse que era melhor esperar.

LINDA

Ele estava se recuperando do que houve com a minha mãe, e... Achei que não fosse a hora. Talvez tenha sido um erro. Um de muitos (Diz com uma nota de arrependimento na voz).

Rob olha com estranheza para a garota.

ROB

Linda, desabafa comigo. (Diz com sinceridade).

LINDA

Eu não vou forçar você a nada, Rob. Mas você tem que saber que você e eu fomos longe demais naquela festa.

Rob lembra-se da noite de amor que tivera com Linda em um dos quartos da casa de Cissy há quase dois meses.

ROB

Você se arrepende de ter tido a sua primeira vez comigo, é isso? (Pergunta encabulado)

Linda parece irritar-se com o comentário.

LINDA

Não! Você não entende mesmo, não é? Rob, eu ando sentindo umas sensações estranhas, e... Eu acho... Eu acho que estou grávida!



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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do capítulo. Ainda não houve grandes acontecimentos, pois queria usar este capítulo para apresentar os personagens principais e tudo mais.

Mas garanto que as coisas esquentarão bastante em Gatlin nos próximos capítulos.

Quem puder, deixe o seu review comentando o que funcionou ou não.

Abraço a todos, e até o próximo capítulo!