- SUZUNO, NÃO OCUPE TODA A CAMA SOZINHO!

- Pare de se mexer, por favor..

- COMO NÃO VOU ME MEXER? VOCÊ NÃO ME DEIXA ESPAÇO!!

- Pare de gritar, você ficou louco?

Estava realmente dificil dormir com esse cara. Suzuno se recusava a sair da cama, e eramos tão teimosos, que preferíamos nos apertar e dormir mal do que chegar a um acordo.

Ele era espaçoso, e eu acabava ficando no canto da cama, onde ele poderia facilmente me derrubar. 

- CHEGA PRA LA - Falei, empurrando ele mais para o canto.

- Ei..tire as mãos de mim - falou ele, tentando me empurrar para longe.

- Apenas vai pra lá!

- SAI - ele tentou me chutar para fora.

De repente, a porta se abre.

- NAGUMO, PORQUE DIABOS VOCÊ ESTA BERRANDO FEITO UM LOUCO AS 3 DA MANHA?? - Osamu estava bufando, parecia um zumbi.

Eu havia levado um susto tão miserável, que por alguns segundos deixei minha guarda baixa. Suzuno me chutou para fora da cama.

- O QUE VOCÊ ESTA FAZENDO, ENCAPETADO?

- Eu..EU..NADA, EU SÓ.. UM SONHO RUIM - tentei explicar, enquanto me levantava. Para ajudar o cobertor havia. de algum jeito, se enrolado em minha perna, dificultando as coisas.

- Eu estou dizendo, você precisa procurar ajuda.. esta ficando louco ou algum espirito ruim esta te atormentando - ele falou, me olhando como se eu fosse uma espécie de doido varrido.

- Eu diria que tem um espirito ruim me atormentando - falei baixo. Ele pareceu ter escutado, pois fez uma cara ainda pior, batendo a porta com força.

- Viu o que você me faz passar? - perguntei a Suzuno, que parecia estar tranquilo, como se nada tivesse acontecido.

- Se você não fosse tão escandaloso - disse.

- Ora, seu.. agora se ajeita nessa merda que eu quero dormir!

- Ah, tá, tá, vem logo então - ele foi um pouco mais para o canto.

Não havia ajudado muito, mas pelo menos meu braço não ficara para fora da cama, como antes.

Mais uma noite mal dormida.

No dia seguinte, acordei e Suzuno já estava fuçando meu guarda-roupa.

- O que você quer aí? - perguntei, irritado.

- Estou procurando roupas.. eu disse que tomo banho toda manhã - falou ele - você tem alguma cueca que você nunca tenha usado, por acaso?

Revirei os olhos.

- NÃO, maldito, agora pare de fuçar ai..

- Ah, é nojento se eu tiver que usar uma sua..

- NÃO USE ENTÃO! Fala como se não lavassem minhas roupas..

Ele havia feito uma zoa, ainda maior do que costumava ser. Principalmente quando ele puxou uma camiseta e toda roupa que estava perto despencou no chão.

- Filho da mãe - falei, me levantando - pare com isso.. porque diabos você não usa suas roupas ? 

- Elas ainda não secaram..

- Você lavou elas?

Ele acenou com a cabeça.

- Ontem de manhã - disse.

Esfreguei os olhos. Havia acabado de acordar e era como se quilos de areia estivessem presos em meus cílios, e tentei colocar as roupas de volta no guarda-roupa, de um jeito que elas não fossem cair.

Peguei uma bermuda qualquer e joguei nele.

- Pronto, não precisa ficar escolhendo, idiota..

Ele examinou a bermuda. Era jeans meio marrom.

- Você não tem nada azul?

- O QUE? Eu já disse que você não precisa ficar escolhendo! Caso você tenha esquecido, só eu posso ver você.. e não é como se fizesse diferença que cor de roupa você esta usando, babaca..

Ele refletiu um pouco, e saiu do quarto.

Bufei sozinho.

- Não tem jeito esse idiota.. - comentei, para o nada.

Saímos mais de uma hora depois. Suzuno enrolou no banho, para se trocar.. para tomar café (isso porque eu o disse para ir rápido, antes que Osamu aparecesse e se deparasse com uma xícara flutuando, e tivesse um colapso nervoso).

- O que vamos fazer? - ele perguntou.

Para nossa sorte, eu acho, estávamos de férias, então tínhamos tempo de sobra para fazer nada.

- Vamos pensar em uma maneira de fazerem se lembrar de você, esqueceu? - respondi - Alguma sugestão?

- Vamos ao lago.

Olhei para ele.

Como não tinhamos pensado nisso antes?

- Boa ideia.. - falei, tentando não parecer muito animado - vamos torcer para Midorikawa estar na casa do Hiroto hoje também!

- Ele deve estar..

- Sim, ele deve.

Corremos em direção a casa de Hiroto, mas acabamos deparando com o mesmo, uma esquina antes.

- Hiroto - chamou Suzuno, esquecendo completamente de que ele não iria ouvi-lo.

Até eu havia esquecido naquele segundo.

- Hei - gritei de apoio.

Hiroto parou e esperou que eu - nós - o alcançasse.

- O que foi, Haruya? - perguntou ele.

- Onde você esta indo? Midorikawa não esta com você? - perguntei.

- Eu pensei que não viveria para ver isso.. - Suzuno comentou. Era meio ironico, eu acho, ouvi-lo falar sobre "viver" e "ver"..

- Ah, Midorikawa foi para casa ontem - ele olhou meio abatido, mas depois sorriu - então eu estava indo para lá, jogar video-game..

- BOM, nós vam... EU VOU com você - falei.

Ele olhou surpreso.

- Mesmo? Você quase nunca aceita ir quando eu chamo.. ou você tem algum plano para hoje? - ele me olhou desconfiado.

- Sim, tenho.. - respondi - vamos a um lugar diferente.

- Onde? Posso saber o porque?

Olhei para Suzuno.

- Tem algo que eu quero que vocês lembrem - falei.

- Você anda muito estranho - ele comentou, e então, começamos a caminhar.

Levamos um bom tempo para chegar a casa de Midorikawa, que era longe. Pelo menos ela ficava na mesma direção do Lago que pretendíamos ir. 

Foi uma caminhada estranha. Hiroto falava comigo e eu tinha que responder e ignorar os comentários de Suzuno. O que era complicado, pois ele se metia na conversa e era como se ninguém estivesse invisível para ninguém.

A casa do garoto alface era um pouco menor do que a de Hiroto, mas tinha um quintal, o que a tornava um pouco mais atrativa. 

O outro ruivo tocou a campainha.

Midorikawa demorou para abrir, e já estava de mal humor.

- Hiroto.. você trouxe esse cara - falou ele, demonstrando desanimo ao olhar para mim.

- Desculpe se eu atrapalhei seus planos de namorar hoje - respondi, já irritado. Nunca tinha percebido como Midorikawa podia ser tão irritante quanto Suzuno, se quisesse.

Ele pareceu corar um pouco e virou a cara.

- Vocês vão entrar ou não? - perguntou.

- Não - respondi.

Ele pareceu surpreso.

- Ah, é que Haruya vai nos levar a um lugar hoje.. - disse Hiroto, um pouco sem jeito.

- De novo? - Midorikawa revirou os olhos - Vai nos arrastar para um lugar novo todo dia agora?

- Se for preciso, eu vou - falei, firme.

Midorikawa enrolou para trocar de camisa. Como se fizesse diferença para alguém se ele usasse a regata verde - que ele estava usando quando chegamos- ou se ele colocasse a camiseta escura.

O lago ficava a mais ou menos 40 minutos da casa de Midorikawa.

- Que tipo de lugar é agora? Mais mato ? - perguntava ele.

- Não, seu brócolis ambulante, é um lago, se você quer saber..

Hiroto deu um suspiro.

- Vocês vão ficar se engalfinhando mesmo? - perguntou ele.

- Fale pro seu namorado parar de ser tão irritante.. eu não me lembrava que ele era tão merdinha..

Midorikawa fez uma careta.

- Olha quem fala.. de uns dias pra cá você anda muito estranho.. ainda mais chato do que de costume, tentando chamar atenção.. o que deu em você? - falou o verde.

 Hiroto olhou para mim.

- É verdade, Haruya, você esta estranho.. você dificilmente aceitava sair com a gente.. só ficava de cara de bunda por ai.. mas de repente.. você parece estar tentando, sei lá, nos "unir"..? 

Olhei para eles assustado. Do que estavam falando? Eu podia até negar, mas sempre acabava saindo com esses caras.. e sempre arrastávamos Suzuno. Sim, era Suzuno quem sempre queria ficar sozinho, mas nunca deixávamos.. sempre acabávamos saindo nós 4.. mesmo com cara de bunda ou o que fosse.

- O que vocês estão falando? - perguntei, em tom de indignação. 

Suzuno colocou a mão em meu ombro.

- Eu acho que é diferente, para eles - ele falou.

- O que? - perguntei, sem me importar com Hiroto e Midorikawa me ouvindo - Como assim?

- Para eles.. as coisas são diferentes. - disse o albino - você não notou? 

Olhei para os dois. Eles pareciam assustados agora.

- Haruya - disse Suzuno, tão calmamente, que eu cheguei a estremecer ao ouvi-lo dizer meu nome de tal jeito - como eu não existi para eles.. as coisas não foram como nós dois nos lembramos. É como se.. para eles, você fosse outro Haruya, antes de você me ver.

Serrei os punhos.

"Então quer dizer que.. tudo que eu lembro, e que Suzuno lembra, não existiram para eles, realmente."

Tudo que estivesse de alguma forma ligado a Suzuno Fuusuke, nunca havia acontecido. Nunca havíamos ido ao Campo, já que era Suzuno que havia o encontrado primeiro. Nunca fomos ao lago, porque no dia em que o encontramos, foi ele quem venceu Hiroto num jogo de video game.

""" Flash back """

Tínhamos 15 anos (foi a quase 2 anos atrás). Havíamos passado a noite na casa de Midorikawa, pois a avó dele havia feito um bolo enorme e o sugeriu que nos levasse lá para fazer um agrado.

Eram quase 2 da tarde, e Hiroto estava agoniado de ficar em casa, com um dia tão bonito, segundo ele, lá fora.

Claro que o fato dele ter perdido umas partidas no video-game, para Suzuno, e desanimado do jogo, contribuiu fortemente para isso.

No fim, ele acabou conseguindo arrancar todos nós da casa.

- Vocês podem terminar de jogar mais tarde - falou ele, enquanto saiamos.

- TÁ, para onde a gente vai então? - perguntei, emburrado - Você não vai fazer a gente andar até a "civilização" (casa de Midorikawa ficava mais afastada do centro da cidade do que qualquer outra), não é?

Hiroto me deu um olhar sugestivo, que dizia: "Era a ideia.."

- Porque não andamos para lá? - perguntou Suzuno, apontando para o lado oposto do qual estavamos indo.

- O que tem lá? - perguntou Hiroto.

- Nem sei, nunca tive animo para andar até lá.. parece não ter nada - falou Midorikawa.

- Então é um lugar novo - disse Hiroto, se animando - vamos explorar.

- Só vejo mato - falei. Midorikawa concordou com a cabeça.

- Bando de preguiçosos, vamos logo.. talvez tenha algum lugar legal...sei lá.

- Vamos procurar um lugar fresco - falou Suzuno - seria bom se encontrássemos um rio, ou algo assim..

- Pode ser que tenha! - falou Hiroto.

- Que chato - esse foi eu quem disse.

Andamos por um tempo.. na época estávamos tão distraídos, -tentando abrir caminho pelo matagal, é claro - que nem nos preocupamos em calcular o tempo que ficamos andando.

- Vocês ouviram isso? - perguntou Suzuno.

- O que? Um bicho? Onde? - Midorikawa olhou em volta.

Eu e Hiroto nos entreolhamos.

- Não, parece barulho de alguma - falou Suzuno.

- E desde quando agua tem barulho? - perguntei - só se for uma cachoeira..

- Não, é como o barulho de alguma coisa caindo sobre a água..eu não sei como explicar, principalmente para um burro como você, asno, anta... - falou Suzuno.

Dei alguns passos em direção a ele, mas Hiroto me agarrou pela manga da camisa.

- ME DEIXE ARRANCAR OS BRAÇOS DELE - gritei, algumas vezes.

Andamos mais um pouco, até que Midorikawa - que era o que mais parecia estar prestando atenção ao caminho a nossa volta- nos avisou que tinha visto uma especie de trilha.

Nos a seguimos e fomos parar em um lago tranquilo, e limpo.

- Aaaaaah que bonito - falou Hiroto, se aproximando.

- É só um lago chato - falei.

- Será que tem algum bicho por aqui? - perguntou Midorikawa, ainda olhando em volta, como se a qualquer momento alguma coisa fosse pular na cara dele e comer seu cerebro.

- Deve ter kappas - falou Suzuno, se aproximando da água.

Midorikawa bufou.

- Eu sei que isso não existe.. - falou ele, enfezado.

- Como você pode ter certeza, Midorikawa Ryuuji ? - Suzuno continuou - você sabe que eles vivem em lagos..e esse é bem suspeito.

Hiroto olhou interessado.

- É verdade, porque as pessoas nunca vêem aqui? Porque nunca ouvimos falar desse lugar? Vocês viram, havia uma trilha para cá, então alguém já veio aqui... -  ele começou - só pode ter acontecido alguma coisa para ninguém mais querer vir..

Midorikawa parecia mesmo assustado. Eu apenas dei de ombros.

- Vocês são uns idiotas.. acreditarem nessas bobagens.. - falei.

- Acho que é melhor ser um idiota que se previne do que um que não acredita - falou Suzuno - porque quando o kappa aparecer.. ele não vai escolher entre quem acredita ou não.

Midorikawa engoliu em seco.

- Vamos embora daqui - falou Midorikawa.

- Tenha calma, Mido-chan - Hiroto se aproximou dando apoio ao amigo (namorado?) - eu sei como se proteger de um kappa.

- Como? - perguntou o outro.

- É só nos curvarmos educadamente para cumprimenta-lo. Quando ele repetir isso várias vezes, a água de sua cabeça vai derramar e ele será obrigado a voltar para o fundo do lago - respondeu Hiroto, confiante.

- Isso é muito tosco -falei - quem acredita nessas coisas..

- Mas isso ainda parece um pouco perigoso.. - falou Suzuno - acho melhor trazermos uns pepinos.

- Do que você esta falando agora, seu aguado? - perguntei.

- Você não sabe nada sobre kappas, não é Nagumelo? - ele disse - para você se prevenir de um kappa, alguém tem que escrever o seu nome em um pepino, e atira-lo no lago. Com isso, o kappa vai comer o pepino, que é sua comida preferida, e vai se sentir obrigado a poupar a pessoa em agradecimento.

- Isso é ridículo - continuei abismado.

- Suzuno esta certo, vamos voltar outra hora, com pepinos - falou Hiroto.

O mais idiota de tudo, e que realmente voltamos mais tarde, cada um com um pepino. Nos sentamos a beira do lado. Hiroto ao lado de Midorikawa, e Suzuno ao meu lado.

- Tudo bem, eu vou escrever o nome de Mido-chan - falou Hiroto, usando uma faquinha, que ele nos fez trazer cada um, para escrever.

- Então eu escrevo o seu - falou Midorikawa, escrevendo o de Hiroto.

E então, eles olharam para mim e Suzuno.

- Agora são vocês - Hiroto sorriu.

Olhei para Suzuno. Ele estava sério, segurando o pepino numa mão e a faca na outra. O que estavamos fazendo era tão idiota, que ao invés de sentir vontade de rir, eu queria desaparecer.

- Eu não vou fazer isso, é estupido - falei.

- Você vai deixar o kappa pegar Fuusuke? - perguntou Hiroto.

- Nenhum kappa vai pegar ninguém, seu idiota.. sabe porque? PORQUE NÃO EXISTE ESSAS MERDAS..!!

- E se eles existirem e pegarem Suzuno?- perguntou Midorikawa, sério.

- Eu não acredito que você esta me dizendo isso? Eu realmente escutei isso, cara de alface? Você realmente esta deixando esses dois fazerem sua cabeça? - perguntei.

Midorikawa virou a cara, irritado.

- Eu prefiro me prevenir - respondeu.

Bufei.

- Olhe, nós dois já escrevemos o nome um do outro.. vocês podem fazer isso, certo? Não é nada demais - falava Hiroto, calmamente.

Suzuno levou a faca até o pepino, mas eu o segurei antes de fazer alguma coisa.

- NÃO ESCREVA MEU NOME AI - falei - NÃO VOU FAZER PARTE DESSA IDIOTICE!

- O que? Você quer que o kappa sugue suas entranhas e beba seu sangue? - Suzuno perguntou, sério.

- Pelo amor de deus..

- Anda logo, Nagumo, deixa de graça - falava Midorikawa.

- Você não vai morrer por fazer isso - falou Hiroto.

Eu estava realmente irritado com aqueles idiotas. Porque tinhamos que sempre fazer algo estupido e vergonhoso?

Agarrei a maldita faca e o maldito pepino, e escrevi SUZUNO FUUSUKE, transmitindo toda minha raiva e meu ódio para a pobre fruta .

Provavelmente qualquer kappa que comesse aquilo, morreria.

- SATISFEITOS AGORA? - disse, mostrando o pepino para eles.

Suzuno delicadamente escreveu meu nome no dele, e mostrou.

- Aaaaaah, agora vamos terminar logo com isso, antes que anoiteça! - falou Hiroto, se levantando.

Ficamos de frente para o lago. Hiroto sempre teve essa mania de fazermos tudo juntos e ao mesmo tempo, como se fosse precioso.

- Vamos jogar e rezar para dar certo. - falou ele.

Contamos até 3 e jogamos. Joguei o meu com tanta força, que ele foi mais longe do que os outros.

- Agora estamos todos seguros - falou Hiroto, dando um sorrisinho.

- Nunca mais vamos fazer isso - falei.

De repente, escutamos algo se mexer na água, e a vimos fazer pequenos movimentos.

Claro, nem pensamos duas vezes antes de correr feito garotinhas, tropeçando uns nos outros.

Só paramos quando chegamos na porta da casa de Midorikawa, onde nos jogamos no chão tentando respirar, o que se tornou ainda mais dificil quando Hiroto começou a rir, nos fazendo segui-lo.

- NUNCA MAIS VAMOS VOLTAR LÁ - falava Midorikawa.

Hiroto estava chorando de rir.

""" Flash back encerrado"""