Era uma noite normal, a primeira vista.

Como de costume, todas as sextas-feiras nos reuníamos na casa de Hiroto para ver algum filme estupido. Eu havia feito a pipoca, já que toda semana a gente revesava quem faria isso. O meu erro foi ter deixado a tigela no sofá, enquanto fui ajudar Hiroto a escolher um filme (porque se fosse por ele, provavelmente teríamos que ver algum filme idiota de comédia romântica).

Quando eu e ele finalmente achamos o suspense perfeito para a noite, corremos animados de volta para sala, quase atropelando Midorikawa na escada. Porém, nossa alegria escafedeu-se quando deparamos com Suzuno largado no sofá devorando toda a pipoca.

– Seu maldito, você esta comendo tudo sozinho! - berrei.

A tigela estava praticamente vazia. Suzuno me olhou, erguendo a sobrancelha com um ar de "E dai?".

– Ah, não tem problema, a gente faz mais.. - Hiroto tentou intervir, mas eu não o escutei.

QUEM ELE PENSAVA QUE É AFINAL? Suzuno era tão folgado, tão chato e irritante. A cada minuto que eu passava com ele, sentia uma vontade enorme de socar aquela cara de anjinho que ele tinha.

– O QUE? EU USEI TODO O RESTO DE MILHO QUE TINHA NA DISPENSA! E esse folgado cara de gelo comeu tudo sozinho!

Suzuno deu de ombros e jogou um punhado de milho em mim.

– Você nem fez um bom trabalho, ficou um monte de milho no fundo da panela - disse ele, sem nem olhar para mim.

Meu sangue fervia, porém, antes que eu avançasse para cima dele, Hiroto e Midorikawa me seguraram.

– Por favor, de novo não - falava Midorikawa.

Era uma noite normal, como eu já disse. Toda semana passávamos por algo assim.

Mais tarde, depois do filme, fomos todos para o quarto de Hiroto. A gente sempre dormia na casa dele nessas ocasiões, e o quarto dele era grande o bastante para o colchonete de cada um.

Joguei o meu ao lado do de Suzuno, apenas para provoca-lo. Ele me lançou um olhar de desaprovação, mas eu o ignorei.

– Porque você esta deitado ai? Eu não quero ouvir você roncando a noite toda - falou ele.

– Não seja estupido, eu sei que você quer ..- respondi, irritado.

– Quero o que?

– Eu perto de ti.

Suzuno fez uma careta de nojo.

– Eu sinto muito mas eu não tenho interesse por botânica - disse ele, sarcástico.

– O que?

– Ah nada, claro que você não entendeu a piada.

– Era uma piada, sério? Você é tão engraçado, já pensou em fugir para um circo?

Ele passou as mãos nos cabelos.

– Não, porque eu já tenho que aturar você de palhaço, não preciso de mais..

– Ora, seu...

– HEI, VOCÊS DOIS QUEREM CALAR A MALDITA BOCA? - Midorikawa joga uma almofada grande e pesada em nós dois - TEM GENTE TENTANDO DORMIR AQUI.

– Se vocês querem continuar essa briguinha, vão la fora - acrescentou Hiroto.

Suzuno revirou os olhos e se deitou de costa para mim.

Eu apenas suspirei, com raiva. Será que eles notariam se eu o esperasse dormir e o matasse usando a almofada? Pensei comigo mesmo.

Já estava cheio de ter que conviver com Suzuno Fuusuke, na escola ou com meus amigos, e qualquer outro lugar que ele pudesse estar. Cansado das brincadeiras, das piadas idiotas sobre meu cabelo e de sua arrogância. Eu me sentia tão desconfortável, que cheguei a conclusão que dormir ao lado dele era a pior coisa que eu podia ter feito. Ele tinha um sono silencioso, mas a presença dele continuava me perturbando.

"Como eu queria que esse desgraçado sumisse" Pensei, "Eu acho que eu poderia viver bem melhor, se ele não estivesse por perto". Fechei os olhos tentando imaginar um mundo sem Suzuno. Era como imaginar o Jardim do Éden, o Nirvana, Gaya, o Céu ou qualquer outro paraíso ou coisa do tipo. Sorri com tal ideia.

Parecia realmente tentadora. Porém, mais tarde eu descobri que não era tão feliz assim.

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Fui o ultimo a me levantar, como de costume. Me arrastei até a cozinha, guiado apenas pelo cheiro dos ovos fritos. Hiroto tinha essa mania americana para o café da manhã, e eu realmente apoiava isso.

Levou um tempo para eu me tocar da ausência de um idiota entre nós, na mesa.

Midorikawa comia torradas. Hiroto trazia os ovos e o bacon. Mas..

– Hã? Cade o Suzuno? - perguntei.

Os dois se entreolharam e depois se voltaram para mim, confusos.

– Quem é Suzuno? - perguntou Hiroto.

– Como assim, quem é Suzuno? - perguntei, irritado.

– Do que você esta falando, Nagumo? - Midorikawa olhava desconfiado.

De repente, eu notei Suzuno surgindo na cozinha, como um zumbi, aparentemente ele não dormira tão bem.

– O que vocês estão falando de mim? - perguntou ele.

Hiroto e Midorikawa nem se quer olharam.

– Não estavamos falando nada - respondi. Suzuno me lançou uma careta.

– Eu escutei meu nome, não sou surdo.

– Você esta ouvindo coisas, devia deixar de ser egocêntrico.

– Olha quem fala.. o cara que pensa que o mundo esta aos seus pés.

– Pelo menos eu me esforço para demonstrar que estou certo, e você?

Suzuno riu.

– Seu esforço provavelmente é por causa de seu complexo de Napoleão, nanico.

Antes de responder de volta, notei o olhar de Hiroto e Midorikawa assustados em minha direção.

– O QUE FOI? - perguntei - O QUE VOCÊS DOIS ESTÃO OLHANDO?

– Huh.. Nagumo, você esta bem? - perguntou Midorikawa.

– O que? - fiquei confuso.

– Com quem você esta falando? - perguntou Hiroto.

Olhei para eles irritado. Que raios de brincadeira era essa?

– O que deu em vocês? Estou falando com Suzuno, não estão vendo?

Ambos balançam a cabeça negativamente.

Suzuno se aproximou, intrigado, ao mesmo tempo, bravo.

– Que brincadeira é essa? - perguntou ele.

– Esses idiotas pensam que eu vou cair nessa.

– Acho que ele enlouqueceu, de vez - comentou Midorikawa, virando para Hiroto.

– Ou ele esta caçoando a gente - o ruivo de cabelos lisos me olhou desconfiado.

Eu simplesmente não estava entendendo o que eles estavam fazendo. Não tinha graça nenhuma essa brincadeira. Tudo bem, seria legal brincar de ignorar Suzuno, mas não quando fazem parecer que você é uma espécie de maluco, por não estar por dentro das regras.

– Parem de palhaçada - falei, me levantando e batendo uma mão com força na mesa.

Eles ainda me olhavam assustados. De repente, até mesmo eu fui tomado por uma sensação estranha. E se eles não estavam enxergando Suzuno?

O que ? Isso era impossível! Suzuno estava bem alí.

Você olha para o albino, que parece estar tentando entender o que estava acontecendo, irritado e ao mesmo tempo confuso.

– Nagumo? - Hiroto te chamou.

– Hei, parem de me ignorar, olhem para mim pelo menos - Suzuno começou a tentar chamar a atenção deles.

– Parem de bancar os idiotas, estão agindo como Suzuno - comentei.

Suzuno se volta para mim, me dando um tapa no ombro.

Hiroto e Midorikawa observem-me reclamar de um tapa do nada.

– Você esta estranho, Nagumo, só pode ser alguma brincadeira de mal gosto, eu me recuso a participar dessas bobagens - Midorikawa se levanta, mal humorado.

– Do que você esta falando? Não estão realmente o vendo?

Levo minhas mãos a indicar onde Suzuno estava. Ele mostrava dedo para os dois, e eles simplesmente pareciam não estar vendo nenhum albino mal educado.

– SUZUNO ESTA ALI - continuei apontando.

– Não tem nada ali, Nagumo - falou Hiroto - chega dessas brincadeiras.

Ele também se levanta, ficando de pé ao lado de Midorikawa.

– Nagumo, o que eles tem? - Fuusuke começou a parecer preocupado.

Eu agarrei Suzuno pelo braço e sai, voltando para o quarto para buscar minhas coisas.

– Você esta vendo? Depois vão dizer que nós somos os imbecis - comentei, arrumando minhas coisas em minha mochila, mas Suzuno nem se quer havia se mexido - ande, vamos sair daqui, deixar aqueles idiotas e suas brincadeiras pra lá.

– Nagumo.

Suzuno me olha assustado.

– O que é agora?

– Onde estão minhas coisas?

Eu reviro os olhos pelo quarto. Não havia nenhum vestígio de que em algum momento Suzuno Fuusuke havia dormido lá. Não havia seu colchonete, nem sua bolsa, ou o par de meias que ele havia deixado ao lado do seu colchão.

Foi então que eu comecei a realmente me assustar também, corri até o cômodo ao lado da cama de Hiroto. Eu sabia que havia uma foto de nós quatro, um pouco mais jovens, num porta retrato ali.

Mas quando eu olhei, havia apenas 3 de nós. O garotinho albino, que COSTUMAVA a aparecer do meu lado na foto, não aparecia em parte alguma, como se sua existência houvesse sido removida.