Hajimaru escrita por teffy-chan


Capítulo 27
Capítulo 27 - Visita ao Hospital




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Na segunda-feira seguinte Daisuke não foi pra escola. O Coringa não tinha entrado em contato com nenhum dos Guardiões desde o incidente com sua mãe, e também não atendia às ligações de Tsukasa e os outros, o que só aumentou a preocupação dos quatro mais novos. Ao final do segundo tempo de aula, Tsukasa perguntou à um professor se ele sabia o motivo da ausência de Daisuke, e o homem lhe disse que o pai dele tinha entrado em contato com o Diretor mais cedo e avisado que o garoto tinha sofrido um acidente caindo da escada e agora estava hospitalizado, então ficaria ausente por alguns dias. Por um breve momento Tsukasa se perguntou se aquilo era só uma mentira deslavada para explicar os machucados que certamente o Coringa tinha agora, ou se a mãe dele teria realmente o empurrado de uma escada, o que Tsukasa não duvidava que ela faria, mas logo deixou isso de lado e foi informar aos outros Guardiões sobre esse assunto. Depois de falarem com o Diretor e encherem tanto a paciência do homem à ponto de ele querer fazer qualquer coisa para tirar aquelas crianças chatas de seu escritório, ele lhes contou o nome do hospital onde o Coringa estava internado, então Tsukasa e os demais foram ao tal lugar depois da aula.

A recepcionista do lugar não quis lhes dizer qual era o quarto em que Daisuke estava, simplesmente por eles serem "um bando de criancinhas enxeridas sem nenhum responsável", então eles tiveram que procurar sozinhos. Andaram por vários corredores brancos que pareciam ser todos iguais, até que, sentada em um banco de frente para o quarto 224, eles reconheceram a mãe de Daisuke. Souberam imediatamente que aquele deveria ser o quarto onde estava o amigo, mas mesmo assim, pararam de andar abrupidamente. Os quatro temiam chegar perto daquela mulher, eles não haviam esquecido que ela era a razão do amigo estar ali afinal. A mãe do Coringa estava com um rosto inexpressivo, bem diferente da cara furiosa e insana que eles viram da última vez, os cabelos longos e soltos escondendo por boa parte do rosto, assim como seu filho fazia. Antes que alguém pudesse detê-lo, Tsukasa ignorou os chamados silenciosos de Mikoto, desvencilhou-se da mão de Aruto em seu braço, e avançou cautelosamente até onde estava a mulher. E disse:

– Ano... Yuiki-san? Esse... é o quarto em que está o Yuiki Daisuke-kun, não é? - ele perguntou, apontando para a porta do quarto 224. A mulher levou vários segundos para encará-lo, como se a voz dele viesse de um lugar muito distante, e quando seus olhos finalmente focalizaram Tsukasa, ela apenas disse

– Quem é você? Como conhece aquela criança?

Tsukasa gaguejou algo indecifrável, sem saber o que responder. Perguntou-se como ela não o havia reconhecido, concluindo apenas que talvez seu distúrbio emocional não lhe permitisse lembrar do rosto dele e dos outros, ou que talvez não tivesse dado atenção à eles, mas isso era o que menos importava agora. Não queria ficar ali parado tendo que explicar um monte de coisas àquela mulher, queria apenas se afastar dela o mais rápido possível e ver como Daisuke estava. Para a sorte do jovem Rei, a porta do quarto atrás dele se abriu e um homem saiu de lá. Ele tinha cabelos castanhos-avermelhados e curtos, usava um terno preto, e seu rosto era como uma versão masculina e mais velha de Daisuke, o que era irônico, já que, tecnicamente, Daisuke já era um garoto. Tsukasa afastou-se alguns passos da mulher sentada no banco e perguntou ao homem:

– O senhor é o pai do Yuiki Daisuke-kun?

– Sim... eu sou. Você é amigo dele? - o homem falou, com uma expressão meio chocada, como se estivesse surpreso de que o filho tivesse amigos

– Sou sim. Eles também - Tsukasa apontou para os três mais velhos, que ainda se mantinham afastados da mãe do Coringa - Nós viemos visitá-lo... podemos vê-lo agora?

– Não tem problema, mas ele está dormindo, então não vai poder conversar com vocês - o pai do garoto encolheu os ombros como quem se desculpa - Podem entrar - ele tornou a abrir a porta pela qual tinha acabado de sair, e os quatro entraram. Midori deu uma última olhada para o lado de fora, à tempo de ver o homem conduzindo a esposa para longe do quarto.

O estado atual do Coringa era realmente deplorável. Estava deitado em uma cama reclinável, com cobertas grossas por cima de seu corpo. Estava descoberto do peito pra cima, deixando visível o pijama branco e simples que ele usava. Os cabelos ainda estavam soltos, provavelmente porque ninguém havia se preocupado ou não sabiam refazer sua trança, dando a impressão de que era Yui-chan que estava hospitalizada, e não Daisuke, o que tornava a situação ainda mais penosa. A manga esquerda do pijama tinha sido dobrada até acima do cotovelo, e na parte exposta de seu braço estava espetada uma agulha, por onde entrava o soro. A perna direita estava engessada quase até o joelho, e aparecia por debaixo da coberta, pendurada em uma espécie de tipóia. Havia ataduras no braço direito também, que eles tinham certeza que se prolongava até debaixo do pijama, e a mão esquerda também estava enfaixada. Tinha um band-aid em um lado do rosto, e uma gase com ataduras do outro, no mesmo lado em que a franja escondia quase metade se sua face. O único olho visivel estava fechado, e o garoto ressonava devagar, como se tivesse dificuldade até pra respirar. Uma máquina apitava, com uma linha percorrendo a tela preta, mostrando o ritmo de seus batimentos cardíacos. Na mesa-de-cabeceira ao lado d a cama, estavam alguns poucos pertences dele, como escova de cabelo e de dentes, uma muda de roupas dobrada, um elástico de cabelo, e seus dois Shugo Tamas, onde Loli e Junjou repousavam agora.

Midori foi quem se aproximou da cama dele primeiro. Ela parou de pé ao lado da cabeça do garoto, e ergueu uma mão, hesitante, como se quisesse abraçá-lo, mas não pudesse devido aos eu estado delicado. Passou a mão distraidamente por uma mecha de cabelo dele, e falou:

– Pode parar de fingir agora, Daisuke-kun. Seus pais já foram lá pra fora, só estamos nós aqui. Eu, a Mikoto-chan, o Tsukasa-kun e o Aruto-kun. Não tem mais ninguém, nem os médicos, então pare de fingir que está dormindo.

Para a surpresa dos demais, após a Rainha dizer isso, Daisuke realmente abriu o único olho visível. Encarou-a profundamente, com a cara séria, e falou:

– Como sabia que eu estava fingindo?

– Porque você é a Yui-chan, e é minha melhor amiga. É natural que eu saiba tudo sobre minha melhor amiga, você não pode me enganar tão facilmente - A Rainha respondeu, igualmente séria - Por que estava fingindo?

– Eu não queria ter que falar com meu pai... não estava afim de ouvir a mesma ladainha de sempre mais uma vez. Muito menos... ter que falar com a minha mãe - ele baixou os olhos por um momento, depois tentou se sentar na cama, para poder encarar melhor os amigos, e soltou um gemido de dor. Midori apertou um botão ao lado da cama e ela se reclinou, até parecer uma cadeira gigante - Obrigado. Então... vocês me encontraram. Estou surpreso, como foi que me acharam aqui?

– Seu pai ligou pra escola e avisou que você tinha sofrido um acidente. Nós falamos com o Diretor e ele nos disse onde você estava - Tsukasa informou

– "Acidente", é? - Daisuke repetiu com um sorriso azedo - O que foi dessa vez? Eu fui atropelado? Assaltado? Caí em algum rio ou de uma janela?

– O sensei disse que você caiu da escada... - Mikoto falou, confusa com todas essas opções variadas de acidentes

– Uma escada, é claro. Ainda não usamos essa - ele deu outra risadinha azeda - Bem, isso é mentira, como vocês devem imaginar. Não caí de escada nenhuma. É só uma das mentiras do meu pai pra ocultar a verdade humilhante e vergonhosa sobre o motivo de eu estar assim

– E... como você está? - Aruto perguntou, se aproximando também

– Bem, na medida do possível. Quero dizer, eu estou aqui tomando soro, torci o pulso, e desloquei um osso da perna, então não vou poder andar nem ir à escola por um tempo, vocês terão que se virar com as tarefas do Conselho sem mim, lamento. Isto é, o médico disse que foi só uma torção, mas eu acho que está quebrada, e ele só estava sendo gentil comigo... eu não sei, o fato é que estou acabado. Mas não perdi meu senso de humor, então estou bem

– Daisuke-kun... como pode dizer isso tão naturalmente? Você está todo quebrado, e vai ficar nessa cama de hospital por sabe Deus quanto tempo... como ainda consegue sorrir tão tranquilamente depois disso?! - Midori exclamou, com dificuldade para conter sua indignação. A franja escondia seus olhos agora, e seus ombros tremiam

– O que você quer que eu faça, Midori-chan? Que me acabe de chorar, e que passe todo o tempo em que estou aqui lamentando o fato de ter uma mãe psicótica que me odeia? Isso não resolveria em nada o meu problema, não é? - o garoto respondeu simplesmente, seu sorriso forçado murchando um pouco.

Todos ficaram em silêncio por um momento, sem saber o que dizer. Aruto e Mikoto remexiam-se inquietos, incomodados com aquele silêncio. Tsukasa tinha resolvido trocar a água de um jarro de flores sobre a mesa-de-cabeceira no quarto. Midori remexia distraidamente nos pertences do mais velho, até que deparou-se com a escova de cabelos dele, e falou:

– Ahh sim, me lembrei! Você não conseguiu refazer sua trança com as mãos assim, não é? Pode deixar que eu faço isso pra você! - ela sorriu brilhantemente, de um jeito obviamente forçado e, sem fazer cerimônia, segurou as mechas de cabelo dele entre as mãos, que já estavam surpreendentemente penteadas, e começou a dividí-las em três

– Ah, não... n-não precisa fazer isso, Midori-chan - Daisuke tentou afastá-la, mas era quase impossível com um de seus braços no soro, e a outra mão enfaixada, onde tinha machucado o pulso

– Não se preocupe, não tem problema! - ela exclamou, sorrindo mais ainda - É estranho ver você falando com a voz do Daisuke-kun, e com os cabelos soltos, parecendo a Yui-chan, então pode deixar que eu faço isso pra você! - ela juntou mais as mechas de cabelo dele, trazendo para perto também a enorme franja, como se também quisesse prendê-la na trança

– J-Já falei que não precisa... pare com isso, eu não gosto que mexam no cabelo...

– Ehh... mas isso não é justo, outro dia eu vi que você deixou a Nodoka-chan mexer no seu cabelo! - Mikoto lembrou, entrando na brincadeira

– I-I-Isso foi diferente... - ele gaguejou, corando, e baixando a guarda por um instante por causa da provocação - Pare com isso, Midori-chan... já falei pra parar!! - Daisuke gritou, mas era tarde demais, Midori já tinha conseguido puxar sua franja suficientemente para trás, para prendê-la junto à trança (embora ela certamente não fosse ficar assim por muito tempo), deixando à mostra agora os dois olhos dourados de Daisuke, e seu rosto inteiramente corado que, pensando bem, eles nunca tinham visto, já que estava sempre oculto pelos cabelos.

Logo abaixo do olho direito, que estava sempre escondido debaixo da franja, havia um profundo arranhão na diagonal, meio avermelhado, como se fosse uma ferida antiga que tinha sido aberta recentemente. A pele ao redor dele estava toda roxa, mas não era de vergonha. Midori boquiabriu-se, e afastou as mãos do cabelo dele lentamente. Os outros três também sentiram seus queixos despencarem, os olhos arregalados pregados no rosto do mais velho. O olho dourado que antes estava sempre encoberto pelos cabelos estava meio desfocado, como se ele fosse uma pessoa estrábica sem os óculos. Midori ergueu a mão e a colocou perto do olho desfocado do garoto, como se quisesse tocá-lo.

– O que pensa que está fazendo? Eu ainda enxergo com esse olho, está querendo me cegar de vez, é? - Daisuke virou o rosto para o lado com força, jogando uma mecha de cabelo para a frente com o impulso e fazendo com que a franja cobrisse de novo o machucado em sua face. Seu rosto ainda estava muito vermelho, e ele estava obviamente constrangido e incomodado que os outros tivessem visto aquilo - Satisfeita agora Midori-chan?

– Esse machucado... por acaso foi...?

– É claro que foi minha mãe que fez, o que você acha? - Daisuke interrompeu o murmurar da Rainha - Ela fez isso há muito tempo... da primeira vez em que me viu usando vestido. Não é uma cicatriz permanente, eu acho. Quero dizer, ela vai cicatrizando aos poucos, bem devagar, mas... sempre que me vê como Yui-chan, ela acaba me batendo no mesmo lugar, então o ferimento abre de novo, e nunca cicatriza por completo

– Então é isso? É por isso que você mantêm a franja sempre tão comprida, pra esconder esse ferimento no seu rosto? - Midori indagou, de cabeça baixa, a franja cobrindo-lhe os ombros. Ela tentava manter a voz firme à todo custo, e seus ombros tremiam

– Eu realmente acho esse estilo de cabelo bonito, mas... é por isso sim - o mais velho confirmou - Não sei se ela sempre me acerta aí de propósito ou se faz sem querer, mas... bem, é uma sorte que seja em um lugar que eu possa esconder, não é? - ele olhou de esguelha para a Rainha, e deu um sorrisinho sem graça

– "Sorte", você diz? - Mikoto repetiu, de cabeça baixa - Não acho que ter uma mãe louca e psicopata, sem querer ofender, seja sorte. Na verdade acho que você é muito, mas muito azarado mesmo - a Às falou - Nee Daisuke... como consegue aguentar isso? Aquela mulher está te maltratando há anos, e você sempre suportou tudo calado... como consegue sorrir tão tranquilamente depois disso?! Eu não entendo! Não em como você estar bem com essa situação!!

– Não grite tão alto, Mikoto-chan, nós estamos em um hospital - foi tudo o que o mais velho falou

– Dane-se o hospital, a Mikoto tem razão - Aruto pronunciou-se - Se as coisas continuarem desse jeito, ela vai acabar matando você algum dia!

– Humm, é verdade... isso já aconteceu outras vezes, e não é a primeira vez que tenho que faltar a escola pra me recuperar dos machucados e que meu pai inventa alguma mentira deslavada pra justificar minha ausência... mas ela nunca tinha exagerado tanto à ponto de me mandar pro hospital - Daisuke comentou pensativo, sem dar a devida importância ao assunto

– Então! Se isso acontecer de novo, ela vai acabar te mandando é pro cemitério ao invés do hospital! - a Às exasperou-se

– E o que você espera que eu faça, Mikoto-chan? - o mais velho a encarou - Eu não posso revidar e bater na minha mãe. Só pra começar, ela é bem mais forte que eu

– Você nunca pensou em contar isso pra alguém? - Tsukasa indagou - Não interessa que ela seja sua mãe, isso está errado. O que ela faz com você é uma violência contra um menor de idade, é abuso infantil

– Você quer dizer... denunciá-la pra polícia ou coisa assim? - Daisuke indagou, piscando os olhos, surpreso - Eu nunca havia pensado nisso... mas eu não posso fazer isso. Ela ainda é minha mãe afinal, não quero que ela vá parar na cadeia. Sem falar que... eu duvido muito que algum policial me desse razão

– Ora, e por que não dariam?! - Aruto indagou confuso

– Porque minha mãe faz isso pelo fato de eu ser um travesti. Não importa como veja, isso não é uma coisa boa. É errado, e discriminado pela sociedade. Mesmo se eu a denunciasse para a polícia, ou pra vara da infância juvenil, ou o que fosse, eles provavelmente ficariam do lado dela - Daisuke respondeu simplesmente, encolhendo os ombros - O que aconteceu no sábado foi minha culpa. Eu me descuidei, me deixei levar pela empolgação, e acabou dando nisso. Eu não devia ter levado vocês pra minha casa, e nem ter vestido as roupas de sacerdotisa da minha mãe, ainda mais no Templo. Aquilo foi muita tolice de minha parte, eu deveria saber que ia acabar dando nisso. Fui eu que procurei encrenca, então não tenho do que me queixar

– Mas... não pode ser... - Midori murmurou desolada, parecendo prestes a chorar - Você tem passado por tudo isso sozinho, por um motivo tão besta e cruel, e mesmo assim... não pode nem pedir ajuda... tem que sofrer isso calado, sem ninguém pra te apoiar... isso... é tão injusto...! - sem mais aviso, a Rainha atirou-se em cima do peito do mais velho, que felizmente não estava machucado ou teria doído muito, e realmente começou a chorar. Ela continuou murmurando sobre como aquilo era injusto, com a voz abafada pelo choro e pelo tórax dele. Os outros três a olharam com tristeza, sentindo como se ela estivesse chorando por todos eles agora

– Vamos, Midori-chan, não chore... eu estou bem, não precisa ficar desse jeito - Daisuke ergueu a mão enfaixada que não estava ligada ao tubo de soro e a repousou com cuidado no topo da cabeça da garota

– Bem não sei aonde... olha só o seu estado! Se alguma cosia acontecer à você eu perco a minha melhor amiga!! - Midori gritou, chorando cada vez mais alto

– Mas eu ainda estou vivo, não estou? - Daisuke lembrou, sorrindo sem jeito

– Sim, está vivo... todo quebrado, mas vivo - ela concordou, soluçando por causa do choro - Mas até quando, hein? Como vou saber se você também vai sobreviver da próxima vez??

– Ei, eu posso não ser forte, mas sou bem resistente! - Daisuke exclamou, tentando animá-la. Deveria ser o contrário na verdade, já que era ele quem estava hospitalizado, e não ela - Vamos, não é você quem está em uma cama de hospital, não tem motivo pra você chorar

– Eu choro sim! Você é um idiota sorridente que teima em não chorar mesmo estando nesse estado deplorável.... então eu tenho que chorar por você! - ela gritou com a voz embargada, abraçando-o com força

– Hai... arigatou, Midori-chan... - o Coringa murmurou, acariciando o topo da cabeça dela - E vocês três, me façam o favor de não começar a chorar também, ou eu... também vou acabar chorando - ele falou para os três de pé, fazendo uma pausa para respirar fundo e se controlar - E também... não deixem a Nodoka-chan saber que eu estou aqui, por favor

– Mas por que?! - Mikoto indagou confusa, sobrepondo-se ao choro da Rainha - Ela está muito preocupada com você, e queria te ver também...

– Eu imagino que esteja, mas... não quero causar problemas pra ela também. Já basta ter envolvido vocês nessa confusão, não quero que mais ninguém saiba... sobre mim - Daisuke baixou a cabeça, e eles não tiveram escolha a não ser concordar.

Depois disso, eles resolveram falar de coisas mais alegres para tentar animar o amigo. Mikoto e Aruto prometeram que falariam com os senpais e pediria que eles emprestassem suas anotações assim que Daisuke pudesse voltar a mexer a mão e escrever normalmente para que ele não perdesse matéria. Depois de se recompor, Midori realmente refez a trança do garoto, deixando a franja solta dessa vez, e prometeu lhe trazer guloseimas feitas por ela mesma todos os dias. E Tsukasa ficou anormalmente quieto, com uma idéia diferente em mente. Não falou nada com Daisuke, pois sabia que ele seria contra, mas estava disposto a colocar sua idéia em prática de qualquer maneira. Alguns minutos depois, uma enfermeira adentrou o quarto, dizendo que precisava fazer um raio X da perna quebrada do paciente (que no fim das contas não estava apenas torcida ou deslocada coisa nenhuma, estava era quebrada mesmo) e que os visitantes precisavam sair, mas poderiam voltar amanhã se quisessem. Meio relutantes, os quatro mais novos se despediram do amigo e deixaram o quarto. No corredor, avistaram ao longe os pais do Coringa, agora de pé conversando. Aparentemente, o pai de Daisuke agora dava um sermão na mulher, dizendo o quanto o que ela tinha feito foi errado, enquanto ela continuava com o mesmo rosto inexpressivo que eles viram quando chegaram. Aruto e os outros já iam seguir na direção contrária, mas Tsukasa respirou fundo, como se isso fosse lhe dar coragem, e caminhou a passos decididos na direção dos dois adultos. Os três mais velhos o seguiram incrédulos, tentando deter o amigo, mas a aversão que sentiam da mãe do Coringa os impediram de falar pra Tsukasa parar de fazer besteiras e sair de perto daquela mulher maluca. Quando notou a presença dos Guardiões, o homem parou de falar abrupdamente, e os encarou surpreso. A mulher murmurou qualquer coisa sobre estar com fome e se retirou, sem nem olhar pra eles. Depois que ela desapareceu na curva do corredor, o homem perguntou:

– Ah, vocês são os amigos do meu filho, não é? Fico surpreso do Daisuke ter amigos... isto é, amigos tão jovens - ele corrigiu-se à tempo - Vocês estão o que, no quarto ano?

– Os três estão no quinto ano - Tsukasa apontou para os três amigos atrás dele, que ainda tentavam dizer silenciosamente para Tsukasa se afastar e ir embora - Eu estou no terceiro

– Todos são mais novos... é claro - o homem murmurou para si mesmo, com uma cara de quem já esperava que Daisuke fizesse amigos desse tipo - Bem, obrigado por terem vindo visítá-lo. Agora, vão me desculpar, mas eu preciso...

– Por que o senhor não fez nada? - Tsukasa interrompeu o homem, deixando os outros boquiabertos. Não era do feitio do educado e gentil Tsukasa interromper um adulto enquanto falava

– Como disse...? - o homem arqueou uma sobrancelha

– Por que o senhor não fez anda pra ajudar seu filho? Por que deixou o Daisuke-kun passar por todas aquelas coisas horríveis, não só dessa vez, mas das outras também? Por que o senhor o deixa sozinho com a mãe dele se sabe que ela vai agir daquele jeito e machucá-lo?

– T-Tsukasa-kun, o que está dizendo?! - Midori cochichou, chocada com o modo como o amigo estava agindo - Não fale assim, ele é um adulto, e pai do Daisukle-kun! Anda, peça desculpas e vamos embo...

– Ele não vai te ouvir - Aruto a interrompeu, e apontou para a gravata-borboleta que o amigo usava. Aquele era o sinal de que o mais novo tinha entrado no Chara Change. Não havia como detê-lo agora

– Ahh, essa não... - a Rainha e a Às reclamaram em uníssono ao notar que o Rei tinha entrado no Chara Change, e resignaram-se à assistir a cena caladas

– Eu o deixo sozinho porque trabalho, não posso ficar em casa o dia inteiro - o homem respondeu, estranhando o comportamento do menino

– Isso não é motivo para o senhor deixar seu filho caçula sozinho com alguém que adora bater nele. Por que não traz seu filho mais velho de volta do exterior pra ajudar? Ou contrata uma pessoa? - Tsukasa sugeriu, com uma cara tão séria que parecia um adulto discutindo problemas políticos

– Eu não tenho que lhe dar satisfação, você é apenas um menino - o pai do Coringa rebateu, perdendo a paciência

– Eu não sou apenas um menino, sou amigo do Daisuke-kun, e me preocupo com a segurança e o bem-estar dele. Todos nós somos amigos dele, e nos preocupamos com seu filho - ele indicou os três mais velhos com um amplo gesto da mão, e os demais balançaram as cabeças, concordando - É natural que amigos se preocupem uns com os outros, não acha?

– Sim, é claro que é - ele concordou - Mas não é motivo para um bando de crianças se intrometerem em assuntos familiares e particulares. Isso não tem nada a ver com vocês

– Nós não nos intrometeríamos se o Daisuke não tivesse que passar por isso sozinho - Aruto se intrometeu, falando por impulso

– Também não acho certo que os mais jovens se intrometam nos assuntos dos adultos, mas... Yui-chan é... i-isto é, o Daisuke-kun é meu melhor amigo. Eu não posso suportar vê-lo sofrendo tanto assim, isso me faz sofrer também! - Midori exclamou antes que pudesse se refrear

– Talvez para o senhor pareça que somos apenas uns pirralhos enxeridos, e talvez até sejamos mesmo, mas... não é justo que o Daisuke tenha que passar por tantos problemas apenas por ser quem ele é! - Mikoto exasperou-se

– Então vocês sabem o que ele é? Sabem o que ele faz, o tipo de trajes que gosta de usar? - o homem indagou, erguendo uma sobrancelha, surpreso

– Que ele é um travesti? Sim, nós sabemos - Tsukasa confirmou, fazendo pouco caso - E daí? O que tem de mais nisso? Não é como se ele estivesse roubando ou matando, ele não cometeu nenhum crime, o que tem de tão ruim no que ele faz afinal?

– Eu nunca pensei que viveria pra ouvir alguém dizendo isso... se minha esposa escutasse o que vocês disseram, ficaria louca da vida, sabiam? - o homem comentou, deixando escapar uma risadinha triste

– Eu imagino que sim, por isso me certifiquei de que ela não estivesse presente pra falar com o senhor - Tsukasa contou - Yuiki-san, o seu filho não fez anda de errado. Ele não está roubando, nem sequestrando ninguém, nem se drogando, ou matando pessoas. isso sim seria errado. Isso é o tipo de coisa que merece uma punição. Mas só pelo fato de ele gostar de usar vestidos... só porque é uma coisa incomum, o senhor realmente acha que ele merece apanhar tanto a ponto de ficar com a perna quebrada e ir parar num hospital? Mesmo que o senhor diga "sim, ele merece", o senhor deve ter notado que bater nele não está adiantando, ele não vai parar de se se vestir como menina por causa disso, ou então já teria parado há muito tempo. Eu sei que essa não é a primeira vez que isso acontece. E o senhor sabe que o que a sua esposa tem feito com ele durante todos esses anos é uma violência e um crime, não é? Isso é abuso infantil, não importa que ela seja mãe dele, nenhuma mãe tem o direito de espancar o filho a ponto de mandá-lo pro hospital. O Daisuke-kun não fala anda porque ele é bonzinho demais e gosta da mãe dele apesar de tudo, mas nós... desculpe falar isso assim, mas nós realmente odiamos aquela mulher, e repudiamos o que ela faz com nosso amigo

– Você é um menino muito esperto pra idade que tem... qual é o seu nome? - o homem perguntou depois de alguns segundos em silêncio

– Tsukasa - ele respondeu

– Muito bem então, Tsukasa-kun... você é realmente um menino inteligente. E irritantemente bem entendido do assuno - o homem falou - Não pense que eu não sinto nada ao ver meu filho assim. Eu não aprovo o que o Daisuke faz, ainda penso que ele está errado, mas sei que isso não é motivo para fazer o que a mãe dele está fazendo. Quero acreditar que o Daisuke está apenas passando por uma fase de rebeldia fazendo isso... pra falar a verdade, eu receio que o que ele faz acabe levando à... ahn... homossexualidade - ele desviou os olhos para a parede, se perguntando se crianças tão novas entenderiam isso - Minha esposa também teme isso, muito mais do que eu. Ela... não sei se o Daisuke contou, mas ela sofre de um distúrbio emocional... que só ficou pior depois que o Daisuke começou a ter esses gostos estranhos. É claro que já falei com ela várias vezes sobre isso, mas o fato é que não posso controlar o que ela faz quando não estou em casa. Mas... não se preocupem. Não é justo que crianças tão novas se preocupem com assuntos tão complicados, deixem isso para os adultos - ele apoiou a mão sobre a cabeça de Tsukasa, bagunçando seus cabelos - Tentarei dar um jeito nisso o mais rápido possível, está bem?

– O senhor promete? - Tsukasa indagou - Não quero ter que visitar o Daisuke-kun em um hospital nunca mais!

– Com alguma sorte, isso não vai mais acontecer - o homem deu um fraco sorriso - Mas eu fico feliz em saber que o Daisuke conseguiu fazer bons amigos, que se preocupam tanto com ele. Por favor, continuem sempre perto do meu filho, sim? Agora, se me derem licença, eu preciso ir andando - ele deu meia-volta, desaparecendo pelo mesmo corredor por onde sua esposa tinha ido antes. Logo depois, Tsukasa saiu do Chara Change, mas curiosamente não tinha ficado chocado ou embaraçado com o que tinha acabado de fazer. Pelo contrário, sentia que alguém realmente precisava dizer aquelas coisas à ele. E mesmo tendo feito isso, por algum motivo o jovem Rei tinha um pressentimento de que aquela história ainda estava longe de acabar.

*** Próximo Capítulo: O que Aconteceu Depois (Parte 1) ***


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Notas finais do capítulo

Yoo~minna-san!
Pois é, capítulo triste com um final tenso... e, eu não seis e alguém chegou a perceber, mas essa fic está chegando ao fim. Os próximos capítulos os últimos, mas eu ainda não sei quantos serão ainda... mas, eu espero que vocês continuem acompanhando a história até o fim para saber qual destino levou cada um dos primeiros Guardiões de Seiyo!!
Deixem revies onegai e façam de mim uma autora feliz!! *o*



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