Jogo de Palavras escrita por Blitzkrieg


Capítulo 8
Capítulo 8: O Arquiteto Imponente.


Notas iniciais do capítulo

O jogo estava prestes a começar. Palavras planejadas como a planta de um imponente arquiteto estavam prontas para servirem como referência para a construção de situações inusitadas. Era preciso manusear as palavras com maestria, procurando induzir o próximo ao erro, zerando seus pontos disponíveis. Existiam regras que deveriam ser alteradas; o jogo não era perfeito. Contudo, iria ser aprimorado, bastava simplesmente surgir uma forte razão para isto. E a presença de um novo jogador, poderia corresponder a tal razão.



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Após o jogo, avisei Ivan de que meu tempo havia se esgotado. Deveria ir embora e tratei de me despedir assim que cruzamos o jardim da frente e nos colocamos perante o grande portão. Afirmei que iríamos nos encontrar novamente na segunda-feira no colégio, como sempre. Brinquei, ameaçando derrotá-lo no Jogo de Palavras e ele como sempre, autoconfiante, disse-me que seria apenas mais uma vitória obtida por ele dentre outras que foram do passado. Como era esperado de Ivan, sempre após soltar tais comentários ásperos, procurava minimizar o efeito dos mesmos com uma manifestação de solidariedade por minha pessoa. Com isto, disse-me que não se importava em ganhar o jogo, pois o objetivo do mesmo não era atribuir um título ao vencedor de superior em relação ao perdedor e sim com a metodologia do jogo, aprimorar as habilidades do que viesse a perder melhorando a capacidade de tomar decisões rápidas em situações complexas, utilizando as palavras corretamente sem correr o risco de sofrer com más interpretações.

 

 

Pedalei durante uma porção de minutos, durante o trajeto refleti como aquele bairro era tranqüilo, diferente do centro da cidade que era tão movimentado, aonde se encontrava o colégio. Percebi que já anoitecia e neste momento lembrei-me do quanto adorava o sereno. A brisa gélida batia no meu rosto e por minha imaturidade, comum em um adolescente de apenas 16 anos, não imaginava o quanto aquele simples evento, iria promover saudades no meu íntimo futuramente. Como é difícil recordar de eventos simples como esse. Por repetirem inúmeras vezes não conseguimos captar a essência. Esta mesma brisa gélida que se tratava de um evento tão comum, oriunda da queda da temperatura em conseqüência do domínio da lua sobre o céu, poderia se repetir ao longo da vida, e cada vez que repetisse poderia gerar sensações condizentes com a idade e a mentalidade provinda da mesma. Sei que estou romantizando muito uma simples brisa gélida, mas perceba que o que estou querendo dizer é que certos eventos que ocorrem em nossas vidas, muitas vezes passam despercebidos por nem sequer ligarmos muito, devido a nossa mentalidade em uma época, e mais tarde acabamos sentindo saudades que poderão doer ou poderão nos fornecer prazer. O comum é fazer doer. Porque como expliquei anteriormente, pouco nos importamos com tais eventos.

 

 

Cheguei finalmente em casa, meu pai e minha mãe estavam na sala, conversando e assistindo TV. Tratei de me juntar á eles por alguns minutos. Como de costume, fizeram perguntas sobre a Dra. Lúcia e o Dr. César. Disse que tive a oportunidade de conversar apenas com o Dr.César. Meu pai me fez algumas perguntas sobre ele. Respondi e logo depois me retirei para o meu quarto. Subi as escadas, retirei meus tênis e meias para calçar chinelos e pelo hábito liguei o computador.

 

 

O cotidiano se manteve firme durante o final de semana. Nada de excepcional ocorreu. Preparei fortes frases para atacar Ivan, no final do dia no domingo. Visando ganhar o jogo que iria durar por três dias. Resolvi após preparar o meu arsenal de palavras, que deveria ler à última fanfic que eu estava acompanhando. Diverti-me com isto por uma porção de minutos e logo depois tratei de organizar o meu material, pois a segunda-feira estava chegando.

 

 

Desta forma, os ponteiros do relógio giraram ansiosamente...

 

 

Finalmente dentro do colégio, procurei Ivan no pátio após abandonar meu material no meu lugar na sala de aula. Percebi que o material do meu amigo se encontrava no mesmo lugar de sempre. Dirigi-me até o pátio e de repente fui surpreendido.

 

 

- Ah! Por que você não me disse bom dia!? Passou por mim sem cumprimentar. – tais palavras transformando-se em uma corda me ataram.

 

 

- Bom dia Letícia. Eu estava com o pensamento longe. – ela se dirigiu até mim e me deu um beijo no rosto como cumprimento. – Por que você faz isso?

 

 

- Faço o quê? – indagou a moça, inocentemente.

 

 

- Nada não. – desviei o olhar, porque de alguma forma eu não conseguia fitar seus olhos.

 

 

- E aí? O que fez de bom final de semana.

 

 

- Nada.

 

 

- E isso foi bom?

 

 

- Pra mim foi. – após eu ter lançado tais palavras no ar despreocupadamente, Letícia soltou um riso.

 

 

- O que o Ivan faz ali? – indagou a menina, franzindo a testa.

 

Virei-me e percebi que o Ivan estava apoiado contra a parede do pátio, no mesmo local onde eu estava semana passada. Parecia refletir sobre algo, percebi isto porque ele se encontrava com os braços cruzados e com um olhar fixo ao chão. Eu e a Letícia caminhamos em direção a ele e por perceber que enfrentaria suas palavras, tratei de me concentrar. Ivan percebeu que nos aproximávamos e assim que ergueu seu rosto para nos observar, esbanjou um sorriso por ter compreendido que o jogo iria se iniciar assim que um de nós pronunciasse as primeiras palavras contra o outro.

 

 

- Olá Ivan! Bom dia! – exclamou Letícia, e em seguida beijou seu rosto.

 

 

- Bom dia. Tudo bem com você? – indagou Ivan, e eu procurei me esforçar em identificar as frases Kelipót.

 

 

- Tudo e você?

 

 

- Estou ótimo.

 

 

Caminhei lentamente em direção ao Ivan. Qualquer descuido meu poderia me fazer cair no silêncio na hora errada. Quem lançaria a primeira frase Kelipá? Eu ou ele? De qualquer forma eu deveria induzi-lo ao erro. Portanto, procurei silenciá-lo.

 

 

- En..

 

 

- Lucas! – exclamou Ivan. – Você pensou no que eu disse sobre aquele jogo? – me olhou seriamente.

 

 

- Pensei sobre o quê? – indaguei não conseguindo me recordar do comentário.

 

 

- Você sabe... – sorriu Ivan. – Eu queria que você considerasse aquela minha proposta. Eu realmente desejo que um novo jogador participe.

 

 

- .... – maldito, Ivan havia lançado uma Kelipá contra mim. Durante três minutos eu deveria permanecer em silêncio, mas o que eu faria se a Letícia começasse a puxar assunto? Eu não deveria usar uma frase Bitul para poder ter o direito a fala, pois se usasse, poderia quebrar o silêncio apenas mais duas vezes.

 

 

- Entendo. Você não quer tocar mais nesse assunto. – disse Ivan.

 

 

- Do que vocês estão falando? – indagou Letícia, confusa com o que estava acontecendo.

 

 

- Nada não. – respondeu Ivan. – Letícia, eu preciso conversar com você sobre um assunto.

 

 

Neste momento senti meu sangue ferver, Ivan havia bolado uma situação com a frase Kelipá, que me impedia de ir contra o ato do rapaz de convidar a menina a participar do jogo. Como eu estava silenciado pela Kelipá, eu não poderia interferir. Olhei meu relógio e havia passado poucos segundos. Não tive alternativa a não ser romper o silêncio e evitar que o Ivan a convidasse.

 

 

- Não dirás falso testemunho contra teu próximo. – lancei as palavras de Bitul que me libertaram do silêncio. – Se você vai contar algo, sobre alguma pessoa, lembre-se disso. – complementei, após a pausa característica do término de uma frase, para introduzir minha frase a situação fazendo-a tornar-se comum. – Enquanto você se lembrar disto, não terá problemas em contar casos que se referem à outra pessoa. – tratei imediatamente de silenciá-lo com uma frase Kelipá.

 

 

- Hum... – resmungou Ivan e permaneceu em silêncio, esbanjando um sorriso logo depois.

 

 

- Nossa! Fofoca não é mesmo uma coisa legal, mas o Ivan não faz esse tipo de coisa, não é Ivan? – indagou Letícia, fazendo Ivan olhá-la seriamente.

 

 

O garoto se mostrou indiferente a pergunta da Letícia, sorrindo mais uma vez para mim e simplesmente se retirou. Seu comportamento se revelou interessante naquele momento, pois para não utilizar uma frase de Bitul, decidiu ignorar Letícia, mesmo sabendo que tal atitude comprometeria seu relacionamento com a garota. Por um momento eu achei que havia ganhado o primeiro round, mas quando procurei analisar toda a situação, percebi que eu havia eliminado uma frase de Bitul, restando apenas duas outras chances de quebrar o silêncio. De certa forma, Ivan estava ganhando, como sempre.

 

 

- O que aconteceu? Foi algo que eu disse? – indagou a menina, sentindo-se responsável.

 

 

- Não.

 

 

Neste momento, o sinal soou. A aula estava prestes a começar. Felizmente, eu não havia me esbarrado com o Adriano e a Carol até a aula começar. Porém, dentro da sala de aula, sentávamos perto uns dos outros. Pelo menos havia uma vantagem, poucas palavras tinham o direito de trafegar pelo ar lá dentro. Apenas as dos professores e professoras tinham este privilégio e algumas de alunos que recebiam permissão para liberá-las. Desta forma, me sentia protegido enquanto estava ali, das frases Kelipót.

 

 

A primeira aula de Química foi estressante como qualquer outra, principalmente porque eu tinha dificuldades imensas em compreender o conteúdo. Somente consegui entender algo sobre as ligações químicas, que Ivan havia me explicado quando fez aquela experiência do pires. Como já havia passado os três minutos, Ivan tinha o direito de falar, mas com certeza ele não iria me atacar com frases Kelipót naquela ocasião, não havia maneira de me atacar ou pelo menos ele não havia achado alguma. 

 

 

Logo após acabar a aula de Química e o professor se retirar da sala de aula, percebi que a Letícia começou a puxar assunto com a Carol. Cochichavam e eu tinha a impressão de que seus olhares se direcionavam a mim em alguns momentos. Percebi que as suas palavras se materializavam em unicórnios e fadas. Não consegui compreender o significado daquela manifestação. Se eu ao menos conseguisse entender, eu poderia muito bem ter sido capaz de descobrir o que elas cochichavam.

 

 

Assim que eu procurei ignorá-las, o professor Márcio entrou na sala de aula, fiz cara de tédio por ter que assistir mais uma das inúmeras aulas chatas de História. O pior de tudo era ter que ouvir os suspiros da Carol que gradativamente se intensificavam. Enquanto o professor preparava-se para fazer a chamada, eu procurei elaborar um plano para empatar o placar do jogo. Eu deveria fazer o Ivan usar uma frase de Bitul, para que ele se igualasse a mim. Sabia que o jogo tinha alguns pequenos erros, como o fato de assim que o jogador perder suas chances de utilizar as frases de Bitul, também perderia a chance de se defender das frases Kelipót e mesmo assim o jogo continuaria prolongando-se até o término dos dias que representavam o número do primeiro dado. Isto deveria ser modificado. Estávamos aprimorando o jogo ainda, mas sempre que eu propunha algumas mudanças, Ivan contra-argumentava me dizendo que as regras do jogo deveriam permanecer as mesmas, porque desta forma eu poderia me desenvolver melhor. Percebi que se houvessem outros jogadores, as regras poderiam ser alteradas, mas mesmo assim não concordava com a vontade de Ivan de chamar a Letícia para participar.

 

 

O professor logo depois de realizar a chamada, iniciou a aula. Era sobre a unificação da Alemanha e da Itália, recheada de nomes estranhos que eu nunca conseguia decorar e muito menos os procedimentos dessas unificações. Nomes como Otto Von Bismarck e Giuseppe Garibaldi não se fixavam na minha memória de forma alguma e a repetição do nome do reino Piemonte-Sardenha não me fazia o menor sentido, pois eu não conseguia compreender a relevância daquilo tudo. O garoto nerd como sempre, assistia às aulas com as pupilas dilatadas, demonstrando um interesse assombroso e eu parecia simplesmente que iria entrar em coma. Nada fora do comum. Foi neste momento que tive uma idéia.   

 

 

- Professor! – exclamou, iria fazer uma pergunta, para o espanto de todos. - Há quantos anos isso tudo aí ocorreu? – indaguei, percebi que Ivan se incomodara com a minha Kelipá, pois percebi que o mesmo se retorceu na cadeira.

 

 

- Ocorreu um processo na verdade. E as primeiras tentativas de unificação surgiram no século XIX, especificamente em 1840 e perdurou até 1870. Houve muitas coincidências nesses dois processos de unificação.

 

 

- Coincidências? – indaguei. – Ah sim! O Ivan havia estudado comigo essa matéria antes e ele me listou as coincidências.

 

 

- O Ivan?

 

 

- Sim. Tenho certeza que ele seria capaz de contar quais são, porque eu não sou muito bom em recordar certas coisas. – Ivan incapaz de tomar a palavra pela Kelipá para me desmentir, teria que escolher ignorar o professor ou usar uma frase de Bitul para poder responder a pergunta.

 

 

- Certo. Ivan... – disse o professor, fitando o nerd. – Você poderia me dizer quais foram às coincidências? – desafiou.

 

 

O garoto permaneceu em silêncio durante alguns segundos, analisando a situação. Enquanto isto, eu comemorava em minha imaginação.

 

 

Ivan repentinamente soltou uma gargalhada quebrando o silêncio da sala. Fez o professor sorrir com tal atitude e logo depois de cessar a risada, lhe dirigiu a palavra.

 

 

- Não há nada nesse mundo que eu não saiba demais. – finalmente pronunciara a frase de Bitul.

 

 

- Ora, veja só, que confiança. – comentou o professor, esbanjando um sorriso que fez Carol soltar mais um dos suspiros irritantes da coleção da moça.

 

 

- Vou citar duas apenas.

 

 

- Como quiser.

 

 

- A primeira é que foram movimentos conduzidos por lideranças políticas e militares identificadas com os propósitos das elites, no caso, da burguesia e aristocracia rural.

 

 

- Certo.

 

 

- A segunda era que para essas elites, era interessante que ocorresse a unificação urgentemente, como um importante passo para dotá-las de potencialidades suficientes nas disputas com as demais economias européias.

 

 

- Exato. Meus parabéns.

 

 

As palavras de Ivan se materializaram em foices que tentavam a todo custo decepar o professor, porém como tratavam de meras alucinações não eram capazes de realizar tal feito. Senti-me feliz por ter conseguido fazer o Ivan usar uma frase de Bitul,porque ambos tínhamos agora apenas dois pontos para utilizá-las. E o jogo havia apenas começado.


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Notas finais do capítulo

Comentem please ....