Jogo de Palavras escrita por Blitzkrieg


Capítulo 1
Capítulo 1: Dom ou Maldição?


Notas iniciais do capítulo

Seria bom começar pelo passado, para que todos pudessem compreender melhor o que me levou até aqui.O ano era 2009 em algum mês qualquer e um dia entre os inúmeros do ano. Não era necessário ser tão sistemático em uma história sobre um adolescente estranho.Pensando bem, eu acho que um pouco de sistematização poderia ser útil mas sem exageros,pois era uma história incomum.Disto não tinha dúvidas.



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Sentei-me ali mesmo no chão de concreto sobre a sombra da parede do pátio tentando evitar contato humano, para poder refletir novamente sobre minhas condições. Na minha mente os meus pensamentos clamavam por liberdade: precisavam enfrentar o filtro da minha consciência e a incapacidade de me expressar corretamente a qualquer pessoa. Sentia pena dos pobres pensamentos, que precisavam pegar carona através das palavras, mas elas não vinham buscá-los na hora certa, elas não se importavam de fazê-los esperar.

Sempre que eu me encontrava em uma situação desconfortante, como por exemplo, uma conversa com colegas, as palavras apareciam com suas desculpas esfarrapadas procurando convencer os pensamentos de que o caminho estava livre desta vez. Não estava. Quase nunca estava e eles sabiam disso, por isso as evitavam fugindo para longe. Esta rotina me entediava, mas o que eu poderia fazer?Silêncio?Bem na minha vez como sempre? Eu não me culpava, porque as responsáveis pelo silêncio eram as malditas palavras sempre atrasadas.

Um intruso se atreveu a incomodar a minha paz momentânea, era de se esperar que algo assim acontecesse, pois eu estava em um pátio de um colégio infestado de palavras de todos os tipos, que dançavam no ar ao redor dos alunos. Eu conseguia sentir o veneno de algumas, outras eram grudentas e havia também aquelas pesadas como chumbo que esbarravam nas mais frágeis e pediam desculpas as pressas. Sim, eu conseguia senti-las, acho que havia outra pessoa que também conseguia. Esta pessoa era o meu único amigo que me interrompera com toda esta loucura.

–Olá Lucas, o que faz ai longe de todos os outros? Está pensando nas palavras novamente?

Ele me entendia, fiquei feliz por ter sido ele que me interrompera. Afinal, era o meu único amigo dentro do colégio e fora dele; e por eu considerá-lo um amigo no mínimo deveria entender a minha loucura. O garoto logo após a pergunta se posicionou ao meu lado, apoiado na parede de frente para o pátio com a sola do seu tênis Mizuno.Eu tratei de levantar logo em seguida, talvez por respeito aquela figura que me ajudara inúmeras vezes.

–Sim, estou pensando em como elas me afetam, principalmente quando estou junto aos outros.

Respondi. Sabia que poderia ser sincero com o Ivan, pois ele me ouvira inúmeras vezes e soubera o que dizer na hora certa. Sua aparência intelectual transmitia maturidade, creio que esta aparência tinha contribuído para o desenvolvimento da minha confiança a ele, mas não foi apenas isto, foram suas palavras, na verdade, que me atraíram. Puxa vida, como eu sentia inveja de suas palavras! Mesmo tendo apenas 16 anos como eu, possuía pensamentos avançados a sua idade, suas palavras não eram rebeldes como as minhas e sim muito bem adestradas.

–Já estamos trabalhando nisto, não há porque se preocupar neste momento. Algo me diz que você está querendo simplesmente fugir das correntes do cotidiano, não é?

“Correntes do cotidiano”, ele adorava fazer isso, pois sabia que eu as invejaria a ponto de querer raptá-las. Como de costume, inclinava seu rosto logo após pronunciamentos semelhantes e as franjas de seus cabelos negros tocavam levemente a armação também negra de seus óculos, que com reflexos do sol às vezes escondiam os olhos esverdeados. Formava um discreto sorriso em seus lábios vermelhos, que alterava levemente a sua face com sua pele pálida e lisa, esperando minhas palavras imaturas e desajeitadas.

–Na verdade estou entediado, prefiro me afastar para não influenciar os outros. -lutei para não capturá-las, pois não iria conseguir convencê-las de se aliarem a mim.

–Temos tão pouco tempo de intervalo, eu acho que você deveria aproveitar melhor este período longe das correntes do cotidiano. – Ivan lançara outra tentativa, acabei sucumbindo.

–Eu estou preso as correntes do cotidiano neste exato momento, Ivan. – não consegui, as palavras me envolveram e eu que tornei a vítima das malditas correntes frias.

–Se eu estiver te incomodando e você quiser ficar sozinho, eu irei me retirar imediatamente, não se preocupe. – dizendo isto, Ivan impulsionou seu corpo e foi logo se retirando.

Pronto, eu era a cobaia e Ivan o cientista mais uma vez: cai no truque novamente das palavras escorregadias. Resolvi soltá-las, pois escorregavam pelos meus dedos e em seguida utilizei as minhas próprias palavras desajeitadas que me fizeram sofrer inúmeras vezes em diversas ocasiões.

–Não Ivan! Fique! Eu não estou mais entediado. – segurei-o pelo braço. Minhas palavras deficientes flutuaram e logo depois despencaram em alta velocidade até atingir o chão despedaçando-se em seguida. – Ivan, aconteceu de novo. Você me entendeu errado, não é?Sobre tudo isso agora, está parecendo outra coisa, algo muito estranho, mas você sabe que não é isto, não é?-aguardei uns instantes, para quê? Para ouvi-lo dar uma gargalhada em seguida. Aquilo me deixou irritado, porém feliz ao mesmo tempo, pois sabia que era apenas mais um teste.

–Sim, eu não acho que você seja gay ou coisa do tipo. Suas palavras não te ajudaram mais uma vez. Eu entendo. As “correntes do cotidiano” serviram para eu constatar como andava sua melhoria. – o garoto do tênis Mizuno me olhou com seriedade logo após tais palavras, provavelmente por saber qual seria meu próximo pronunciamento.

–Então? Estou melhor? Digo, preciso melhorar mais? Não, como estou indo? – malditas, malditas palavras desajeitadas e teimosas, não possuíam senso de direção atropelando umas as outras.

–O próximo passo será o silêncio? – indagou-me, fiquei sem jeito.

–... – era de se esperar, o silêncio vinha nesses momentos e ele sabia muito bem disso.

– Como esperava. Vamos ver... A resposta é que você precisa melhorar bastante ainda, levando em consideração tudo que acabou de acontecer. Contudo, ainda acho que não há nada com o que se preocupar, pois estas palavras ditas fazem parte do passado agora, se tornaram fantasmas em relação ao presente. – resolvi não raptar tais palavras, já havia feito estrago demais.

–Eu enxergo fantasmas! Você sabe disso. – Gritei. Não resisti, pois a palavra era hipnotizante. Este foi o meu erro, percebi isto logo depois de ouvir outro riso de Ivan. – Aconteceu de novo, não é?Por que você faz isto?

–Hehehe, juro que é pro seu bem. Você está progredindo, pois já está percebendo o momento em que suas palavras lhe traem. Antigamente você só reparava muito tempo depois de você já ter se dado mal. Neste caso de agora, se outra pessoa estivesse por perto, se espantaria de ouvi-lo dizer que enxerga fantasmas.

Estava interessante nossa conversa, apesar de me sentir idiota eu estava gostando das frases soltas ao meu redor, porém uma voz irritante tratou de empurrar o emaranhado de palavras desajeitadas junto das perfeitinhas para longe.

–Bom dia Lucas! Bom dia Ivan! O que vocês estão conversando ai? – desta vez senti pena das minhas próprias palavras, pois elas foram enxotadas junto com as de Ivan através das estridentes da Letícia. Logo atrás dela, pude avistar o Adriano e a Carol também se deslocando até nós.

–Bom dia Letícia, novamente.

Não pude deixar de me esforçar em colocar esta última palavra em minha frase, pois era a quarta vez naquele dia que o tal do “bom dia” da garota me abraçava e me dava um beijo no rosto, era repugnante. Não quer dizer que eu sentia repugnância da Letícia, ela era gostosa, o problema eram suas palavras que eram sim repugnantes.

–É impressionante Letícia, o quanto você gosta das palavras “bom dia”. Você sempre as repete mais de uma vez para a mesma pessoa, isso é engraçado. – se eu fosse o dono dessas frases, eu teria trocado o “engraçado” do Ivan pelo “irritante”, acho que seria melhor. Porque um era extravagante e abobalhado enquanto o outro lembrava o Chuck Norris tão citado em desciclopédias na internet: para destruir as próximas palavras da garota.

–Ah! É porque eu acho que precisamos desejar vários bons dias para a mesma pessoa, para que assim o dia dela possa ter mais chances de ser bom de verdade. – onde estava o Chuck Norris nessas horas? Sentia as palavras grudando no meu corpo igual chiclete no cabelo, ela poderia ter dito que era apenas uma mania, só isso.

–Hum, interessante. Então quer dizer que você acredita que as palavras têm poderes? – não Ivan, ela é apenas mais uma menina infectada com as palavras “doces” ditas pela maioria.

–Acredito sim. Eu também acho que...

–Bom dia pessoal. Tudo bem com vocês? – a Carol salvou a minha pele, ela não foi muito afetada, sabão e água deveria resolver.

–Bom dia... – até mesmo o Adriano? Pelo menos seu bom dia tinha uma aparência menos colorida.

–Qual será a próxima aula gente? Tomara que seja do professor Márcio. – como de costume, a Carol mal cumprimentou e já lançou a palavra “Márcio” novamente contra nós. Ela flutuava no ar dentro da figura de um coração um pouco já danificado pelo teste do tempo.

–Sim, é aula daquele gato Carol, fique feliz. – como se não bastasse o tamanho do órgão sexual que suas palavras ao se agruparem formaram, Letícia ainda mexeu em suas mechas loiras perdidas entre os cabelos negros lisos para complementar sua fala. A garota tinha olhos negros brilhantes e a pele acobreada e macia; era cobiçada pelos meninos do colégio, cor do pecado definitivamente, não discordo disto. Quando não estava presa aos uniformes sem graça do colégio, gostava de usar roupas curtas e atraentes, talvez para combinar com as palavras que já eram grudentas por si só.

–Eu não sei o que vocês viram naquele professor, eu sou muito mais bonito que ele e não vejo vocês se balançarem assim comigo. – como o Adriano adorava criticar os outros. Suas palavras adoravam atropelar outras a frente, por isso algumas tinham aspectos de carros blindados e armados até os dentes, enquanto outras pareciam mais com carros luxuosos ou até mesmo esportivos como as últimas pronunciadas. A aparência do rapaz lembrava o aspecto de suas palavras: olhos negros, alto, porte atlético, caucasiano, cabelos lisos e negros cobertos por um boné de detalhes prateados assim como os meus. Fazia parte do time de vôlei do colégio, por isso se achava o “gostosão” a maioria das vezes.

Logo depois as duas meninas emitiram alguns ruídos que pareciam o roncar de motores, com a intenção de intimidar as palavras-automóveis do Adriano. A menina de pele caucasiana e cabelos tingidos de ruivo como a moda do colégio exigia, que atendia pelo nome de Carol, balançou seu braço infestado de pulseiras e logo depois esticou seu dedo indicador em um gesto de negação bem na frente do nariz do garoto esportista.

–Meu bem, eu já tenho dono, então vá tirando o seu cavalinho da chuva. – confesso que senti pena do cavalinho saltitando por meio de galopes entre as palavras até escorregar no “meu bem” e atingir em cheio a palavra “dono”, que nem sequer se moveu devido à imensa armadura que vestia, protegendo-a.

Sim, eu realmente podia enxergar as palavras e senti-las. Não sabia ao certo, se era um dom ou uma maldição. Creio que o Ivan conseguia apenas imaginar o que eu via, mas ele não conseguia enxergar por si só. Tenho minhas dúvidas se naquela época ele acreditava em mim de verdade, talvez apenas me achasse louco e se divertia com isto. Não posso negar que ele me ajudou bastante, portanto não tinha o direito de desconfiar das intenções dele.

Eu me senti triste por em pouco tempo estas pessoas terem formado uma roda entorno de mim para conversarem olhando nos rostos uns dos outros. Obrigando-me com isto a correr o risco de ser mal interpretado novamente devido a minha incapacidade. Foi neste momento que refleti sobre algo interessante: observei o quanto aquelas pessoas eram diferentes de mim, e que somente uma coisa nos tornavam semelhantes na vista de alguém do lado de fora daquela roda. Esta “coisa” era o uniforme escolar que vestíamos.


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Notas finais do capítulo

Por favor, mandem reviews me contando o que acharam .Estou super ansioso para saber a opinião de vocês sobre esta fic.Escrevi ela quando tinha mais ou menos a idade do personagem principal e ai eu a reescrevi para poder postar aqui.Espero que tenham gostado xD.