Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 81
Eu Fiz Por Você




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/345394/chapter/81

___ Você precisa de sangue?___ inquiriu Grigore, porém sem demonstrar espanto ou desentendimento, apenas queria confirmar o que acabara de ouvir dos lábios secos do rapaz.

___ Sim, o mais urgente possível.

As palavras saíam entrecortadas, Damian estava sufocando, quase se afogando em seu próprio medo e ousadia, temia e não temia o que Benjamin poderia fazer ou dizer de tudo aquilo, o destino iria decidir.

___ Por que precisa?

___ Eu não sei!___ gritou o jovem arremessando o abajur sobre a mesa ao lado do sofá contra uma parede ___ Eu só preciso, mais do que bebida, mais do que alimento, mais do que o ar que eu respiro, eu preciso de sangue!

Damian falava como se sentisse vergonha de si mesmo ao ouvir tais palavras, seu choro fora inesperado e desesperador.

___ Eu não sei quando comecei a sentir tanto desejo, fico pensando, relembrando, mas não consigo saber. Isso me assusta, me machuca, o que está acontecendo comigo, Ben? O que há de errado comigo?!

O ser enrijecido e airoso apenas observava o desvairado jovem desabar sobre o sofá chorando incessantemente, sem demonstrar nenhum tipo de sentimento, bom ou ruim.

As mãos de Petrescu tremiam ao segurar os braços envolvendo o próprio tronco, fechando-se num casulo martirizante. As lágrimas corriam sem que percebesse, seu olhar tornou-se distante, parecia navegar por um universo alternativo desejando não mais estar ali.

Grigore reclinou puxando o menino para perto de si, envolvera aquele corpo tremulante nos braços e afagou as mechas negras de seus cabelos como se fosse uma criança assustada. Com o silêncio que fazia no local, podia ouvir as batidas agitadas de seu tenro coração e sentir as cálidas lágrimas assustadas molhando seu casaco.

___ Não chore mais, doce criança, estou aqui com você.

___ Me ajude, Ben, vă rog , me ajude!

O esforço era facilmente ouvido, o pranto amargo pressionava a garganta do garoto quase não permitindo a passagem de som algum.

Benjamin esvaiu-se em completa ternura naquele momento, sentir a cabeça tão confusa de Damian pesar sobre seu ombro, os braços a lhe envolver como duas vorazes serpentes, as gotículas de dor banhando tão ardentemente sua pele fria, ele era tudo para Damian naquele exato instante, o jovem ansiava por sua presença, sua compaixão. Ele era tudo.

___ Vou lhe ajudar, meu querido...

___ Como?

___ Dando o que deseja com tanta avidez.

O ferreiro ergueu a cabeça encontrando os olhos do amigo, estavam sóbrios e certos do que sua língua acabara de articular, afastou-se desentendido, ainda havia lágrimas em seu semblante agora tão cheio de surpresa.

___ Como é?

___ Se é sangue que tanto quer, darei a você.

___ Eu não compreendo...

Benjamin abriu violentamente as portas do cômodo e deu um grito, rapidamente a criada chamada Mary surgiu indagando com voz envergonhada:

___ Precisa de alguma coisa, senhor Petrescu?

___ Ah, o senhor Petrescu precisa sim e você pode dar a ele ___ falou o lorde trancando as portas e empurrando a criada para perto do garoto.

___ O que significa isso, Ben?___ perguntou o jovem lançando um olhar confuso na direção do rapaz mais velho.

___ O que você queria, Damian, agora vá... Alimente-se! Ela é toda sua.

___ O que? Não, mas...

___ Nada de mas, prietenul meu, vamos!

___ Isto só pode ser uma farsa, está brincando comigo, Ben?

___ E por que diabos eu brincaria?! Estou lhe fazendo uma boa ação, Damian!

___ Eu não compreendo.

___ Como não? É tão óbvio, se é isto que você quer, estou te dando de tão boa vontade!

___ Não, não pode estar falando sério ___ falou o ferreiro dando um leve sorriso de confusão e perplexidade.

___ Mais sério impossível, vamos, meu rapaz! Acabe logo com isso.

Damian olhava desentendido para o amigo e para a criada silenciosa parada diante de ambos, afastou-se um pouco dizendo:

___ Eu não posso fazer.

___ É claro que pode ___ disse Grigore.

___ Não, não posso. Isso é loucura.

___ Se não fizer, continuará com este incômodo que lhe aflige incessantemente!

___ Não... Eu irei matá-la, não posso fazer isso.

___ Qual o problema em matá-la? Ainda restam dezenas de escravos na senzala, ela é apenas uma negrinha tola e inútil, faça, Damian!

Mary desesperou-se.

___ O senhor vai me matar, senhor Petrescu? Por favor, não faça isso!

___ Não, Mary, eu...

___ Ele irá sim! Vamos, Damian.

___ Pare, Ben, está me assustando este teu comportamento.

___ O teu comportamento é que me assusta! Onde está sua fome agora? Foi suprida pela compaixão por esta gente imunda? São apenas empregados, meu de tineri, e nada mais!

___ Pare... Pare com isso! Eu não posso fazer.

___ É claro que pode, você pode, você deve fazer!___ vociferou ele empurrando a criada nos braços do adolescente ___ Vamos antes que ela comece a gritar.

Damian olhou para a mulher, os olhos negros começaram a tornar-se úmidos e entre soluços ela implorou:

___ Por favor, senhor Petrescu, não me mate! Seja lá o que foi que fiz peço perdão, prometo nunca aborrecê-lo, por favor, senhor, não me mate!

O semblante do garoto entristeceu-se e um aperto sufocou seu coração, parecia que Grigore podia saber tudo o que se passava dentro do rapaz, então agarrou bruscamente a criada e começou a falar:

___ Onde está sua coragem agora, Damian? Onde?! Eu sei que pode ouvir as batidas do coração dela, eu sei que pode sentir o cheiro desse sangue crioulo correndo profundamente por milhares e milhares de veias, por que não sacia tua sede?!

___ Não... Benjamin, por favor, pare.

___ Parar? Por que devo parar? Tem medo de ceder a qualquer momento?

O jovem começou a chorar, não sabia o que dizer, pois certamente o lorde tinha razão, esse era o terrível medo que corria por todo o seu corpo.

___ Vejo que estou certo, seu silêncio dera-me a tão esperada resposta.

Do bolso de seu casaco, Grigore retirou a prateada adaga feita pelo ferreiro, o menino até tivera uma luz distinta brilhando em seus olhos molhados, aquela arma... O objeto que assombrava teus sonhos agora beijava o pulso de Mary fazendo com que lambuzasse-se em sangue, sangue vermelho e reluzente caindo feito gotas de rubis pelo chão.

O rapaz mais velho empurrou a empregada para perto do outro e disse:

___ Vamos, Damian, não renegue tua vontade, entregue-se a ela!

O odor viajava como a velocidade da luz em direção às suas narinas atentas, o cheiro incitava o paladar, o paladar provocava a visão que ficara turva, uma maior quantidade de saliva começou a ser produzida em sua boca, podia descrever com clareza as mudanças instantâneas que aquele aroma faziam em seu corpo, era fácil de ver.

___ Não, não posso... ___ resistiu o adolescente trancando os instintos bem entre sua garganta.

___ É claro que pode, meu amigo! Nada nem ninguém irá impedi-lo.

Benjamin levou o pulso ensanguentado da criada até perto do rosto do garoto.

___ Sinta o cheiro do sangue dela, veja como ele escorre sem cessar, prove-o, saboreie-o como o mais refinado vinho que não mais lhe embriaga.

Petrescu impressionou-se com a fala do amigo, nunca havia contado sobre isto a ninguém, como poderia saber.

___ Como sabe sobre isso?

___ Aquele mordomo velho e asqueroso me comunicou, disse que passara noites em claro embebedando-se, porém... Continuava sóbrio.

O menino fitou o pulso de Mary, ela chorava e debatia-se presa aos braços de Benjamin, o venusto moço passou a sentir um desejo incontrolável, estava queimando por dentro, o olor do rubro líquido aguçando seus sentidos, assim como na noite do baile em Bucareste, estava entrando em estado de transe, logo não mais responderia por seus atos.

Não pôde enxergar o sorriso que aos poucos se abria na face do amigo bem ao seu lado.

Começou a ofegar, tentava controlar-se, porém a cada segundo que transcorria a dor lancinava em seu peito, uma estranha força o levava diretamente para o pulso da criada, onde um fio de sangue corria livre e profundamente, aos poucos estava sendo dominado pelo cheiro, já podia sentir o sabor antes mesmo de ter provado, entretanto ainda havia uma gota de resistência.

___ Não, eu não posso! Eu não quero... ___ disse ele afastando-se.

___ Como não quer? Há alguns minutos disse-me em alto e bom som que o que mais precisava era de sangue! Mais do que o ar que respira...

___ Eu iria matá-la, Ben... Eu não posso fazer isso.

___ E por que não?

___ Eu não sou um assassino!

___ Quem se importa com esta raça nojenta? Matar um deles não significa que cometera um crime hediondo!

___ O que? Não estou crendo em suas palavras... Como pode dizer algo assim?! Ela é um ser humano!___ gritou o rapaz entre lágrimas.

Um breve silêncio formou-se, todavia Damian retomou a fala:

___ O que houve com você? Diria que quem voltou da viagem não é o Benjamin Grigore que conheci, mas sim, um frio e sanguinário homem de quem nunca ouvi falar.

Grigore abaixou os olhos, como se sentisse-se envergonhado e até entristecido, deixando a criada livre de seus braços, esta pôs-se a chorar debruçada sobre o sofá.

___ Iartă-mă , meu de tineri, cometi um equívoco.

___ Chama isto de equívoco? Você a feriu! Com a adaga que lhe fiz, a mesma que me dissera que era apenas um adorno para você! O que mais já fizera com ela que ainda não sei?

___ Nada! Apenas desesperei-me ao vê-lo tão perturbado, apenas quis lhe fazer um favor ___ afirmou o lorde defendendo-se das acusações.

___ Eu não quero este tipo de favor!

___ Perdoe-me novamente por me importar tanto com você.

___ O que?

___ Disse que queria sangue, estava em prantos e desesperado! O que eu poderia fazer? O que fazer se não dá-lo a você?!

___ Sangue? O senhor queria sangue?___ indagou a criada desentendida.

___ Sim, dragul meu, era o que queria, é o que ele quer... O sangue de uma negrinha tão linda e jovem como você ___ falava Benjamin agarrando-a novamente e acariciando o rosto assustado da mulher.

___ Não... Por favor, não!___ ela começou a se desesperar.

___ Shhh... Fique bem quietinha, se alguém ouvir...

___ O que vai fazer se alguém ouvir, Ben?___ inquiriu Damian.

___ O que acha que farei?

O jovem entreabriu a boca numa expressão horrorizada, como se apenas os olhos penetrantes do homem respondessem à sua pergunta.

___ Não... Não teria coragem.

___ Tarde demais, Damian, ela ouviu toda a nossa conversa, contará aos outros o que aconteceu aqui, virão atrás de você, meu caro.

___ Não, Grigore... Por favor, não.

Benjamin descuidou-se soltando Mary por alguns instantes para pegar a adaga caída sobre o tapete, a mulher correu até a porta tentando abri-la, porém o lorde fora muito mais rápido, uma incomum velocidade que surpreendera o adolescente que calado, tudo observava.

___ Lamento, querida, mas não voltará a ver a luz do dia.

___ Não, por favor, senhor Petrescu, me ajude! Por favor, não deixe que faça isso comigo!___ os gritos da criada tornavam-se cada vez mais altos.

___ Adeus... ___ falou Benjamin num tom animado e musical.

A adaga novamente iria tocar a pele escura de Mary, porém Damian segurou com extrema força, que mal sabia que possuía, a lúrida mão do sujeito.

___ Não! Não, Ben, por favor, não.

___ Lhe dou uma última chance, băiatul meu , mate-a ou eu farei isto.

Alguns instantes em silêncio, o ferreiro encarava o outro com infindável dúvida e pesar, lágrimas rolaram de seus olhos, mordera o lábio inferior ainda segurando firmemente a mão de Benjamin, eis que sua voz responde com um suspiro:

___ Não...

___ Sendo assim... ___ falou o elegante e soturno rapaz desprendendo-se do adolescente.

Grigore posicionou a lâmina prateada e a passou velozmente sobre o pescoço de Mary jogando seu corpo sobre o tapete. Damian fora se afastando até encostar-se a uma das paredes, onde perdera as forças e fora caindo ao chão.

Observou a cena sem desviar o olhar, a mulher apertando o pescoço aberto por um corte de fora a fora, o sangue escorria sobre o pálido e felpudo tapete, os gemidos eram engasgados enquanto os olhos suplicantes não paravam de encará-lo, não demoraria mais do que cinco minutos para seu corpo estar jogado ao chão já sem vida.

De joelhos, Mary afogava-se no próprio sangue. Damian cobria a boca com as duas mãos, porém os olhos não buscavam outra direção, por mais que estivesse assustado e horrorizado, queria acompanhar a cena até o fim, não pôde perceber, mas Benjamin assistia a tudo parado um pouco atrás da empregada, sua cabeça inclinada para baixo e os olhos fixos no momento como se nada nem ninguém pudesse impedi-lo de perder o suspiro final daquela pobre moça.

O coração de Petrescu batia tão acelerado acompanhando sua frenética respiração, lágrimas escorriam silenciosas molhando suas mãos que lutavam para sufocar seus gritos de pavor, o cheiro do sangue da criada entrava por suas narinas, contudo não causavam um efeito anestésico em seu medo e sua surpresa, daquela vez o odor não iria afastar seus terríveis sentimentos e nem aguçar seus sentidos, pelo contrário, a cada vez que a essência era aspirada, um terrível enjoo seguido de uma enxaqueca apossava-se de si.

Para o adolescente pareceu durar uma eternidade, mas finalmente ela estava deitada sobre o próprio sangue, a cabeça inclinada para a sua direção, a boca e os olhos abertos tendo como última visão o rosto empalidecido e amedrontado do jovem Petrescu.

Benjamin olhara para o amigo, estava trêmulo e apavorado, caminhou até perto dele, agachou-se e tocou levemente seu ombro esquerdo, estendeu a outra mão para o menino onde ainda segurava a adaga banhada com o sangue da pobre Mary.

___ Pegue-a.

___ Por que isto agora?

___ Não quero que pense que sou um assassino. Eu agora a deixo em suas mãos, faça com ela o que quiser.

___ Vou jogá-la no fundo do lago ___ disse o moço sem desviar os olhos do cadáver ainda quente à sua frente.

___ Excelente, contanto que me perdoe pelo que fiz.

___ Como posso perdoá-lo? Você matou uma pessoa, Benjamin!

___ Damian, olhe para mim.

O garoto fez o que lhe fora pedido, buscou os olhos azuis do amigo, eram fascinantes vistos tão de perto, um tom tão claro e sublime, tão profundo quanto as águas misteriosas de um oceano e bem no centro um buraco negro onde poderia ser sugado e aprisionado para sempre. Uma lacuna obscura que parecia mudar de tamanho, uma estrela brilhando forte e de tempos em tempos mudando a intensidade de seu brilho.

___ Eu apenas quis ajudá-lo, sabe que quero apenas ajudar.

Os olhos do garoto tornaram-se distantes, ainda encontravam os semelhantes olhos de Grigore, mas era como se nada visse a não ser o encantador azul delicado e vibrante, sua boca entreaberta, mas sem nada a dizer. Um lindo anjo tão quieto e atencioso era o que parecia naquele momento.

___ Você entende isto, meu de tineri?

___ Eu entendo, você só queria me ajudar ___ a voz de Damian soou fúnebre, automática.

___ Que bom que compreendera, não sei o que faria se não me perdoasse.

Tocou carinhosamente o rosto do ferreiro.

___ Eu quero que saiba de uma coisa.

___ O que?

___ Você... É o bem mais precioso que tenho nesta existência e eu não posso perdê-lo.

Grigore viu que Damian parecia um frágil boneco de porcelana, estava confuso e assustado, mas estava ali, ainda suplicando por sua presença, por mais tenebrosa que havia se tornado, ele mais uma vez envolveu o garoto em seus braços.

___ Faria tudo para não vê-lo sofrer, meu querido.

___ Agora sei disso.

O que era aquilo que se apossava com tanta força do peito dantes vazio de Ben? Não sabia ao certo o que poderia ser, mas sentia se alastrar e a sensação era dolorosamente doce como um alívio e por mais que não quisesse soltar aquela criatura tão meiga e amedrontada, teve de fazer.

___ Vá...

___ Para aonde?

___ Não disse que jogaria a adaga no lago? Vá...

___ Mas...

___ Vá, meu de tineri, sinta a brisa noturna sobre teu rosto, descanse sobre a majestade natural, aprecie a beleza mortal que só a noite pode lhe oferecer e quando voltar... Terei me livrado do corpo dela. Vá!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Nascido Do Sangue" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.